O Centro Colombo abriu as portas em Setembro de 1997. Com mais de 100.000m2, 400 lojas, um hipermercado, parque de diversões e 8 cinemas, incluindo uma sala IMAX, é outra “cidade dentro da cidade” e foi o maior centro comercial da península ibérica até à inauguração do Dolce Vita Tejo em 2009. Explorados pela NOS Lusomundo Cinemas desde a inauguração, os cinemas do Colombo estão situados junto à Porta Oriente, com vista para o Estádio da Luz, do outro lado da Segunda Circular. Mesmo ao lado está a Bowling City, onde antes funcionaram outras duas salas de cinema.
Abel Arnaut, 54 anos, recebe-nos junto às bilheteiras. Além de ser projeccionista há mais de 30 anos, Abel é um verdadeiro cinéfilo. Conversamos já no interior da cabine, comum às 8 salas. Com uma planta em T é das mais racionais que visitámos até agora. Numa parede, junto a uma mesa de trabalho, está afixada uma cópia do diploma do curso de cinema que Abel tirou em 1983, no Serviço de Material de Instrução do Exército (CHESMATI/CAV). Começou a trabalhar na Lusomundo três anos depois, abrindo o cinema no centro comercial Babilónia, na Amadora (encerrado em 2002). Interrompeu a actividade na Lusomundo para abrir o novo Monumental (da Medeia) em 1993, com Vítor Oliveira, e o Fonte Nova (idem), remodelado em 1992. Ao mesmo tempo, fundou um cineclube, a Associação Cine-cultural da Amadora, que organizou sessões semanais e vários debates com realizadores, beneficiando da mudança da Escola Superior de Teatro e Cinema para aquele concelho em 1998. Na mesma altura, fazia crítica de cinema para o Notícias da Amadora e o Jornal de Loures. Era um “ritmo infernal”, admite Abel, com os dias e as noites passados a programar, a projectar e a escrever sobre filmes, muitas vezes na companhia de Carlos Pagará, seu colega e cúmplice em muitas destas aventuras.
“Nunca podemos confiar numa câmara vídeo para corrigir, à distância, a focagem de um projector de cinema.”
Entrou para o Colombo em Janeiro de 1999, substituindo Vítor Oliveira como chefe de cabine. Tal como Vítor (que seria mais tarde chefe de cabine da Cinemateca), ensinou aqui muitos projeccionistas. Tendo em conta a expansão dos cinemas Lusomundo pelo país e a multiplicação das equipas, a padronização dos métodos de trabalho era fundamental para assegurar a regularidade e a qualidade da projecção em todas as cabines. O que não quer dizer que todos os projeccionistas fossem capazes de fazer um interlock em oito projectores. Mas foi isso que Abel fez, num Natal há vários anos, quando projectou a mesma cópia de um filme infantil em sessões quase simultâneas em todas as salas do Colombo. Estas histórias são habituais nas memórias dos projeccionistas, mas Abel conta-a sem uma ponta de bazófia. Foi uma experiência única, mas felizmente não era coisa que se tivesse voltado a repetir, garante. Abel explica como os vários automatismos ajudavam, ainda no tempo da projecção em película, a poupar tempo e trabalho, e assim cumprir os horários (como o Vector 1000, da Cinemeccanica, que controlava projectores, sistemas de som e iluminação da sala). Perguntamos se existiu aqui uma régie de monotorização, mas Abel confirma que não e explica, com aquela paciência dos bons professores, que de qualquer forma nunca podemos confiar numa câmara vídeo para corrigir, à distância, a focagem de um projector de cinema. Percorremos a grande cabine para ver os projectores digitais (Barco) e para procurar o melhor local para o retrato fotográfico de Abel. Nas paredes, restam alguns carretos que transportavam a película entre os projectores e os pratos horizontais, um armário para lentes e peças sobresselentes (todas obsoletas) e um grande caixote da Cinemeccanica, junto ao projector digital da sala 4, que está ali, assegura Abel, desde que os cinemas abriram há quase vinte anos. É uma cabine cheia de espaço vazio e onde se percebe, provavelmente melhor do que em qualquer outro cinema que visitámos até aqui, tudo o que está em falta: o ruído mecânico dos projectores de película, as mesas de montagem e as enroladeiras, os pratos e as bobinas com filmes inteiros, e uma equipa de projeccionistas que habitava este espaço durante horas a fio, todos os dias.
Um ecrã de muito grandes dimensões e ligeiramente mais alto do que os normais permite uma imagem superior ao campo de visão do espectador – e é isto que produz a experiência de estar “dentro do filme”.
Quem conhece os cinemas do Colombo sabe que ainda não falámos da sala IMAX. É aí que terminaremos a visita. Seguimos Abel pelos corredores do público. As cores, a iluminação, a porta de vidro automática e o logótipo da empresa canadiana que revolucionou a projecção em grande formato criam a impressão de estarmos a entrar noutro cinema. A primeira sala IMAX em Portugal abriu em Vila Franca de Xira, em 1998. Não sei que modelo foi instalado, mas naquela data usava forçosamente o sistema “15/70”, isto é, película de 70mm com 15 perfurações por fotograma (o filme passava horizontalmente no interior da câmara). Durou apenas um ano traído pelo reduzido número de filmes que então existia naquele formato e a irregularidade das estreias. Também não deve ter ajudado a abertura quase simultânea das salas do Colombo e, logo a seguir, do Vasco da Gama. Inaugurada em Junho de 2013, a sala IMAX do Colombo tira partido de várias novidades na história particular desta tecnologia de projecção como a projecção digital “dupla” (com dois projectores 2K, aptos para 2D e 3D, introduzidos em 2008) e o sistema DMR (Digital Media Remastering, de 2002) que permite projectar filmes que não foram filmados originalmente em formato IMAX (e na verdade, até hoje muito poucos filmes foram filmados integralmente com câmaras IMAX). O filme de estreia foi um bom exemplo disto: a reposição de Parque Jurássico (Steven Spielberg, 1993), versão digital IMAX e 3D de um filme 2D rodado em 35mm. Outra questão importante para rentabilizar este investimento era a sua instalação em multiplexes, novidade que fez disparar o número de salas IMAX, mas que também gerou alguma polémica sobre a diminuição do tamanho médio dos novos ecrãs. No caso do Colombo, não temos razão de queixa. Com 15x20m (300m2), este ecrã está no limite da capacidade da projecção digital IMAX (mas se o digital produz uma imagem maior do que a dos projectores de película IMAX 15/70, isso já é outra polémica). O certo é que, tanto quanto o tamanho do ecrã, são as características da sala que criam a “experiência IMAX”: um auditório mais íngreme e mais próximo do ecrã do que o habitual e um ecrã de muito grandes dimensões e ligeiramente mais alto do que os normais (para se adequar ao aspect ratio específico dos filmes IMAX) permitem uma imagem superior ao campo de visão do espectador – e é isto que produz a experiência de estar “dentro do filme” que associamos ao IMAX.
A cabine IMAX é um espaço mais próximo do que eu imagino ser uma quinta de servidores informáticos do que uma cabine de cinema.
A cabine do IMAX é alta e bem iluminada. Com apenas 3 anos, parece ter sido inaugurada ontem. Ao centro, os dois projectores digitais 2K da Barco, uma rack com o sistema de som, um pequeno interface de controlo e um suporte para um par de óculos 3D. O sistema de projecção dupla é uma forma de melhorar a qualidade e a nitidez da imagem (sobretudo tendo em conta não só o tamanho, mas também a maior proximidade do ecrã em relação à plateia) e pode mostrar filmes em 2D e 3D. O arranque, conta Abel, demora 40 minutos, ao longo dos quais o equipamento vai aquecendo as lâmpadas dos projectores e faz testes de diagnóstico, de focagem e som. Segundo a IMAX, estes projectores também passam a sessão a “ver” o filme, corrigindo vários parâmetros. As informações do fabricante são um pouco vagas, certamente para salvaguardar a sua vantagem tecnológica. Para além do logótipo IMAX, nada mais identifica os projectores, que estão blindados para impedir qualquer acesso não autorizado. Tudo somado, a cabine IMAX é um espaço mais próximo do que eu imagino ser uma quinta de servidores informáticos do que uma cabine de cinema. Secretistas, autónomas e assépticas, estas tecnologias dispensam tanto quanto podem a intervenção humana. Um olhar de relance para Abel basta-me para perceber que não vale a pena perguntar-lhe o que ele acha disto. O verdadeiro trabalho de projecção era na grande cabine em T e esse tempo, já o sabemos, acabou. Voltamos aos corredores de acesso aos cinemas e despedimo-nos de Abel. Nas bilheteiras, as filas começam a engrossar para as sessões do final da tarde.
Fotografias de Mariana Castro
Agradecimentos: Luís Mota, Ana Domingues, Abel Arnaut