O centro comercial Vasco da Gama foi construído sobre a Porta do Sol da Expo 98, abrindo o recinto a quem chegava pela Gare do Oriente. Foi inaugurado em 1999 com 10 salas; as 4 entretanto encerradas ficavam onde está agora a FNAC. É difícil dizer se é a arquitectura do centro, com os corredores dos vários pisos como varandas sobre um vão central, que lembra o interior de um cruzeiro, ou se é o interior destes navios que agora fazem lembrar os centros comerciais das nossas cidades. No piso 2, na ponta sul do centro, há um grande terraço com vista para quase toda a antiga exposição. Na ponta oposta, virada para a Gare do Oriente, encontram-se os cinemas NOS Vasco da Gama.
O nosso guia é Rui Adega, 37 anos, membro de um dos cinco GATOs (Grupo de Apoio Técnico às Operações) que a NOS tem espalhados estrategicamente por todo o país. Com 18 anos, a mãe inscreveu-o num trabalho de verão em part-time nos cinemas Lusomundo dos Olivais (onde foi contratado pela Graça Silva, que conhecemos nas Amoreiras), como arrumador. Aprendeu projecção no Colombo, com o chefe de cabine Vítor Oliveira. Passou pelo Vasco da Gama e regressou aos Olivais como chefe de cabine, cargo que também ocupou no Montijo, passando ainda por Almada e pelo Alvaláxia. Foi aqui, em 2010, que integrou um dos primeiros GATOs, criados em resposta à transição para o cinema digital nos cinemas Lusomundo (que foi concluída naquele mesmo ano). Fez, para isso, várias formações na empresa que equipa os cinemas NOS, a belga Barco, e percebe-se que continua a ler tudo o que pode para se manter actualizado. O trabalho implica uma disponibilidade quase permanente para resolver solicitações dos cinemas que cada GATO tem sob sua responsabilidade, seja por telefone, seja entrando remotamente nos servidores dos projectores, ou ainda pedindo a colaboração do representante do fabricante. O objectivo, diz Rui, é evitar a todo o custo um “black screen”, o pesadelo de todos os gerentes.
Rui fala à velocidade da luz e com um enorme entusiasmo. Vem do tempo da película, que adorava, insistindo na importância que os chefes de cabine tinham para garantir que as coisas eram feitas sempre da mesma forma em todos os cinemas. Ri-se quando se lembra das bobines de película com filmes inteiros, pesadíssimas, que era preciso carregar pelas cabines. Mas o entusiasmo em relação ao digital não é menor. Rui é, ao fim de contas, o exemplo de um projeccionista que tinha a idade certa para fazer com sucesso a transição para o digital. Tendo acompanhado o processo desde o início, lembra que houve uma grande evolução em pouco tempo, com várias gerações de projectores e servidores, vincando bem a ideia que também há aqui uma história cheia de mudanças rápidas e, por isso, muitos motivos para estar curioso em relação ao que virá a seguir.
Além do trabalho no GATO, Rui dá apoio à cabine do Vasco da Gama, onde tem o seu escritório e onde estão os nevrálgicos armazéns de peças sobresselentes dos vários cinemas. O escritório do GATO, instalado na antiga zona de montagem de cópias de 35mm, dá acesso a uma cabine simétrica: à esquerda, um corredor liga as salas 1-5; à direita, agora interrompida pela FNAC, resta a cabine da sala 6 e um espaço de armazém. Os projectores Victoria 5 foram substituídos há muito por vários modelos Barco de primeira (DP2000) e segunda geração (DP12C, 15C e 20C), todos 2K, mas ainda sobram alguns carretos pelas paredes e algumas enroladeiras eléctricas móveis, isto é, usadas para rebobinar e ajudar a transportar filmes completos entre salas (excepto para as cabines das salas 1 e 2, cujos desníveis e escadas obrigavam a carregá-las à mão). A coqueluche do Vasco da Gama é a sala 4, explica Rui, pela lotação, pelo projector (um Barco DP2K-20C, para ecrãs até 20m, com uma lâmpada de 4000W, 3D e HFR – high frame rate, projeção em velocidades mais elevadas, fundamentais para o 3D, por exemplo) e pelo sistema de som Atmos. Junto ao servidor deste projector, Rui explica com detalhe a programação de uma playlist e desfaz a ideia de que se trata de uma operação fácil e rápida: além da reprodução dos diferentes ficheiros (anúncios, trailers, spots e o filme propriamente dito) há muitas operações mais (mudanças de formato de imagem e som, controlo da iluminação da sala e da música ambiente, etc.) que é preciso introduzir na sequência correta e com os intervalos de tempo suficientes entre elas para que haja uma boa articulação entre servidor, projector e sala.
Percorremos toda a cabine-corredor do Vasco da Gama e, junto de cada projector, vamos percebendo que não são apenas estas máquinas que Rui conhece bem: tem as características técnicas de várias salas na ponta da língua – Vasco da Gama 4, Cascais 5 (com o seu projector 4K), Almada 14 (com o sistema 4DX), etc., etc. É o resultado da experiência de anos a manter e a resolver problemas em dezenas de salas, o que já o levou a ser chamado, recentemente, a participar na instalação de raiz de novos cinemas em Angola. Íamos perguntar sobre estes cinemas quando o telemóvel volta a tocar: “Desculpem, mas tenho que atender. Torres Vedras está a ligar.” É a vida dos GATOs.
Fotografias de Mariana Castro
Agradecimentos: Luís Mota, Ana Domingues, Rui Adega