Regressamos a um dos filmes mais urgentes da primeira década do século XXI a propósito da parceria do À pala de Walsh com a plataforma Filmin. Estamos a oferecer acesso a este filme de William Friedkin, que trabalhou como poucos – bem por dentro, isto é – a ansiedade e angústia da América Bush, pós-11 de Setembro. Saiba como ganhar o passatempo no fim deste texto.
William Friedkin é um dos mais ousados realizadores americanos da actualidade – estamos, por isso, desejosos de ver o seu mais recente filme, o documentário The Devil and Father Amorth (2017). Porquê ousado? Em primeiro lugar, devido à sua aptidão para criar uma atmosfera própria em cada filme que realiza; em segundo lugar, porque filma como poucos, sem medo das “imagens feias”; em terceiro lugar, porque preserva desavergonhadamente a aura de realizador maldito – na sua autobiografia, o indispensável The Friedkin Connection, o próprio diz que, por vezes, a cobrança do sistema hollywoodesco é menor se se fizer um “filme maldito” do que um hit. E Friedkin, cineasta que gosta do risco, sabe bem o que é fazer um hit e afundar o barco no boxoffice pouco tempo a seguir. Sobre esta oscilação, entre o sucesso e a maldição, recomenda-se a leitura deste artigo de J. Hoberman.
Desde o começo, Friedkin podia ter-se agarrado ao rótulo de “realizador de acção”, mas o brilhante The French Connection (Os Incorruptíveis Contra a Droga, 1971) nada teve que ver com o seu outro (na realidade último grande) sucesso de bilheteira: o tétrico e cavernal The Exorcist (O Exorcista, 1973). Desde aí, a derrapagem tem sido notória, muitos dos seus filmes caíram no esquecimento e, só agora, alguns deles estão a ser recuperados, graças ao DVD/Blu-ray. Por exemplo, esses dois magníficos filmes chamados Sorcerer (O Comboio do Medo, 1977) e Cruising (A Caça, 1980) ou, a minha mais recente descoberta, o actualíssimo retrato intimista contra a discriminação homossexual The Boys in the Band (Os Rapazes do Grupo, 1970).
Bug não é só política. Esta é também uma das mais estranhas, trágicas, densas, significativas e, como corolário, belas histórias de amor do cinema americano deste século.
Friedkin é um realizador tão subvalorizado que poucos foram aqueles que levaram a sério o filme que precede este Bug (2006), de nome The Hunted (O Batedor, 2003). Por sinal, filme de acção animal a fazer lembrar, a espaços, The French Connection, com o estilo frontal e descarnado (sem um efeito CGI) caro ao realizador. Bug leva toda esta economia estilística a um novo extremo: desta vez, temos a câmara e pouco mais do que cinco personagens num único cenário (um motel isolado no deserto). Podia ser The Boys in the Band – história de vários amigos que reúnem num apartamento, acabando por evidenciar, mediante um convívio torturado, os preconceitos sexuais que minam a sociedade americana -, mas o assunto aqui é outro: a América aterrorizada do pós-11 de Setembro. Estamos fechados com as personagens a decantar o nosso – que é o delas – tão contemporâneo medo… medo de tudo. Verdadeiro terror doméstico, huis clos.
Bug parece contemplar tudo aquilo que apelidaria de “cenário à la Roman Polanski”, com uma história que resultaria de um encontro perfeito, com tudo para correr mal, entre David Cronenberg e a personagem de Sterling Hayden em Dr. Strangelove (Doutor Estranhoamor, 1964) (aquela que julgava que a água estava contaminada). Esta obra remete ainda para a dinâmica e rigor formais das “peças filmadas” de Alfred Hitchcock, ainda que a montagem sobressaia para enfatizar o delírio e a loucura (com um punhado de flashes atordoantes a intercalar cenas). Mas estas referências são apenas pontuais e nunca Bug envereda pela homenagem cinematográfica ou a lógica do “filme-filme” meramente citatório: as marcas de outros universos cinematográficos estão lá, mas devidamente digeridas e transformadas numa linguagem poderosa difícil de localizar, algures entre o cinema e o teatro, como entre a realidade e o delírio.
A paranóia securitária pós-11 de Setembro pulsa em cada cena de Bug, como os bichos que mordem – e irritam, e muito! – por baixo da pele dos dois protagonistas (Ashley Judd e Michael Shannon, ambos soberbos). A América a coçar as suas feridas e a abrir umas ainda maiores. A câmara – esta câmara-bisturi que abre a alma de uma nação ferida, esta câmara-alicate que arranca o siso do ódio, da loucura e da intolerância – nunca desliga da acção, apurando progressivamente uma sensação de desajustamento (mental, psicológico, corporal) que se acentua dramaticamente na última meia hora. Só voltámos a ver algo assim – tanto terror doméstico – recentemente com Mother! (Mãe!, 2017). No pico de toda esta convulsão/rebelião psicológica e física percebemos que Bug não é só política. Esta é também uma das mais estranhas, trágicas, densas, significativas e, como corolário, belas histórias de amor do cinema americano deste século.
Este texto continua a rubrica Cinema em Casa onde regularmente o À pala de Walsh fará os destaques de lançamentos DVD/Blu-Ray /VOD no mercado nacional. Bug pode ser visto em streaming na mais recente plataforma de VOD nacional, o Filmin. O À pala de Walsh, em colaboração com o Filmin, dá a possibilidade ao leitor de se habilitar ao acesso temporário à plataforma de forma a ver o filme. Bug está acessível para visionamento na plataforma streaming Filmin.
Para se inscrever no sorteio de dez códigos que temos para oferecer, basta que partilhe nas redes sociais o link desta crítica e envie um mail para apaladewalsh@gmail.com com o seu primeiro e último nomes e a resposta à seguinte pergunta:
Como se chama o autor da peça de teatro que o filme de William Friedkin adapta?
As inscrições estão abertas até 23h59 do próximo dia 7 de Outubro e o resultado do sorteio será anunciado no dia seguinte com base na distribuição aleatória do sítio Random.org.
Boa sorte!
1 Comentário
Olá! Já conferiram a série de terror-noir existencialista e totalmente brasileira?