O regresso depois da silly season é tempo para dar um murro na mesa e pensar em coisas sérias! Desta forma decidimos criar uma nova rubrica no site, chamado Estados Gerais. Nestes iremos convocar especialistas numa dada área ligada ao cinema para, em longa conversas, dissecarmos e debatermos em profundidade um determinado tema. Alguns destes Estados Gerais serão em concreto dedicados aos géneros de cinema, sempre com vontade de lhes tomar o pulso e fazer uma reavaliação sua contemporânea, procurando as continuidades e as rupturas desde o seu surgimento até agora. A primeira edição, dedicado ao género terror, contou com a participação de João Monteiro e Pedro Souto, dois dos directores do MOTELX – Festival Internacional de Cinema de Lisboa de Terror, cuja 11.ª edição começa daqui a uns dias. A eles juntou-se o nosso especialista cá da casa, o Carlos Alberto Carrilho, e, na moderação, os walshianos Carlos Natálio e Ricardo Vieira Lisboa.
O que faz um bom filme de terror? Como evoluem os nossos medos e repulsas? De que forma tem sido usado o found footage? Quais as origens do género terror e como se relacionam com os outros géneros? Em jeito de aperitivo para o festival, leia, por sua conta e risco, a resposta a estas e a outras inquietações cinéfilas nesta amena conversa que vai de Georges Méliès a Fede Álvarez, da morte de animais inocentes à trumpificação do terror contemporâneo.
Carlos Alberto Carrilho (CAC): Acho que era interessante começar pelo começo. [Risos] Começar pelo início do terror no cinema. O Georges Méliès fez vários, tem um muito famoso de 1896 chamado Le Manoir du diable (1896). Mas para mim o mais chocante dessa época é um de 1903, no qual o Thomas Edison documenta a electrocussão de um elefante. E no YouTube há muita gente a usar esse filme como exemplo para ilustrar a forma cruel como tratavam os animais no cinema. Hoje em dia nós temos aquela frasezinha que diz que nenhum animal foi maltratado para fazer aquele filme. Isto é um minuto, acho que devíamos ver.
João Monteiro (JM): Sim, vamos lá começar isto com a morte de um animal inocente…
CAC: Isto era um elefante que tinha criado vários problemas no circo onde estava, feriu os domadores e resolveram abatê-lo. E era a primeira vez que este sistema de electrocussão era usado num animal de grande porte e como o Edison era inventor talvez isso tenha suscitado a sua curiosidade… Mesmo para um espectador da actualidade são imagens extremamente violentas e hoje em dia ninguém podia fazer uma coisa destas…
Carlos Natálio (CN): E mesmo que fosse encenado, que fosse uma ficção, era duro de ver.
JM: Isso depende do público da altura que o viu, será que os chocou?
Pedro Souto (PS): Acho que a morte dos animais vai acontecendo hoje como parte de performances e mesmo nas redes sociais, é uma forma usada para chocar, provocar confusão. Não se lembram dos gatos Bonsai, ainda antes do Facebook? Foi um dos grandes mitos, toda a gente se revoltou.
JM: Metiam os gatos dentro de uma caixa, não era?
PS: Tinhas um blogue em que se explicava como se fazia um gato Bonsai, com os diferentes estados do gato metido na caixa. Desde pequenino até ficar deformado pois crescia constrangido pelas dimensões da caixa. E ias alimentando o gato com antibióticos, dados através de seringas, para o animal não morrer apesar de tudo. Tornou-se viral mas entretanto descobriu-se que era falso.
JM: Tu hoje em dia podes fazer isso desde que denuncies a parte falsa.
CAC: Na história do cinema de terror sempre se procurou jogar com o limite, a fronteira entre o falso e a realidade. O Ruggero Deodato, do Cannibal Holocaust (Holocausto Canibal, 1980), jogou muito com isso, levando o espectador a crer que as pessoas daquele filme tinham de facto sido comidas. Pagou inclusive aos actores para se afastarem da vida pública por algum tempo, um actor de filmes pornográficos, um deputado italiano… Importava passar a ideia de que o que tinha acontecido no filme era real, e como este trata de found footage o próprio formato ajudava a essa ilusão.
PS: Em relação ao Holocausto Canibal, o que é que acham em relação à questão dos animais? Por exemplo, nós no MOTELX optámos pela versão original, sem cortes, com a morte dos animais. Há a morte do macaco e da tartaruga.
CAC: Eu associo isso a determinadas épocas. Se o filme tivesse sido feito hoje chocar-me-ia muito. Mas em relação aos anos 1980, tenho alguma distância, não me choca particularmente. Ou melhor, choca-me o facto de um ser vivo estar a ser morto e de nós estarmos a ter prazer com isso, mas a questão da distância por virtude do contexto atenua bastante esse sentimento.
Ricardo Vieira Lisboa (RVL): Sim. Este filme do Edison que vimos creio que é mais chocante hoje do que na altura em que saiu. Imagino que matar um elefante não era uma coisa tão horrível, como o é aos olhos de hoje…
CN: Sim, como as pessoas viam os enforcamentos nas praças na Idade Média.
CAC: Estas questões são extensões do circo romano, a tourada por exemplo.
RVL: Nunca tinha pensado nisso desta maneira. Nós perdemos uma série de tabus hoje mas por contraposição há questões em relação às quais ainda estamos mais sensíveis. Por exemplo, os animais. No filme do Deodato, a certa altura, interessava era se as pessoas tinham morrido ou não, os animais eram secundários. Hoje em dia, se calhar, estamos mais preocupados com a tartaruga que morre.
JM: Sim, o corte de membros de pessoas, a sua morte ou deformação. Isso não interessa nada.
RVL: Sim, isso é o dia-a-dia dos filmes de terror hoje.
Os estudos feministas vieram mudar a maneira como o terror é feito.
CN: Mas é perigoso ver retrospectivamente o passado com a lente do presente, com essa ideia de que antes tudo tinha que ser como nós vemos hoje o mundo e a sociedade. Em relação à questão dos animais, ligo-a bastante à das crianças. Há um filme do Carpenter, o Assault on Precinct 13 (Assalto à 13ª Esquadra, 1976), onde se vê uma criança a ser morta à queima-roupa. E isso é bastante chocante, muito mais do que se fosse um adulto. Os adultos no cinema de terror, regra geral, podes bem com a sua morte, ou porque não têm profundidade suficiente como personagens e não queres saber ou porque depositas expectativas negativas nelas, ou as culpas, ou te irritam, etc…. Mas já em relação às crianças ou aos animais, não depositas nada, há uma desprotecção total e por isso te perturba.
JM: Não só as crianças, também as mulheres. O cinema de terror sempre foi muito misógino. Mas agora mudou porque as mulheres começaram a fazer filmes de terror.
CAC: Os estudos feministas vieram mudar a maneira como o terror é feito. Há uma série de ensaios, da Barbara Creed, da Carol Clover [autora do livro Men, Women, and Chain Saws: Gender in the Modern Horror Film (1992)], que incide sobre essa questão de como é que a mulher é vista pelo cinema. Isso parece-me que influenciou muito a maneira como nós vemos hoje e fazemos hoje cinema de terror. Há realizadores inclusive que citam estas autoras.
JM: Sim, para não se meterem em apuros. [Risos] Mas agora a sério: um dos problemas do terror sempre foi que a perspectiva feminina vinha sempre de um ponto de vista masculino.
CAC: Sim, no filme The Woman (2011) de Lucky McKee, que considero uma obra feminista na sua perspectiva, não deixa de ser realizado por um homem, um olhar masculino.
RVL: Sim, mas o MOTELX tem tido vários filmes de realizadoras. Nos últimos anos lembro-me do The Babadook (O Senhor Babadook, 2014) da Jennifer Kent ou o Kiss of the Damned (2012) da Xan Cassavetes. Mas é algo recente, não?
JM: Se olhares até aos anos 2000, dá para contar pelos dedos das mãos os filmes feitos por mulheres. Há o The Hitch-Hiker (1953) da Ida Lupino.
RVL: Isso é mais um western, road movie…
JM: Tem um serial killer!
CAC: Também há alguns casos no cinema exploitation, misturado com o cinema hardcore. Mas são excepções. E há outro caso que vale a pena lembrar, que eu gosto particularmente, as Soska Sisters [entre outros, American Mary (2012)].
JM: Há a Karyn Kusama, que é a do The Invitation (2015).
CAC: Já há alguns nomes.
JM: Bom, são poucas mas é o maior número de sempre de realizadoras de terror.
CAC: Gostava de voltar atrás, para encerrar esta parte sobre as origens, para pegar noutro filme primitivo. É o La Maison ensorcelée (1908) do Segundo de Chomón. É uma versão de terror mais cómica.
O terror está para a comédia assim como o western está para o musical.
RVL: Lembro-me desse filme. Nesse, como no cinema de Méliès, existe esta relação iniciática entre o cinema de terror e os efeitos especiais, em que um depende muito do outro. Esta ideia que acompanhou o terror desde muito cedo, e que diz “se quero filmar algo de sobrenatural, tenho de ter efeitos especiais”. Curiosamente, ou talvez não tanto assim, há hoje filmes de fantasmas que regressam a um lado primitivo, mas quase já sem efeitos. Um terror minimalista.
CAC: Era um filme sobre uma casa assombrada…
RVL: A ideia por detrás do filme é que a casa estava viva.
PS: Mas as pessoas tinham medo deste filme na altura?
CN: Bom, na altura até os comboio metiam medo. [Risos]
CAC: Eu acredito que sim. Pensa: estás numa sala escura e de repente aparece este tipo de figuras e efeitos, com uma música apropriada.
CN: Isso é curioso. Parece difícil pormo-nos hoje na posição de alguém que na altura se possa ter assustado com isto…
RVL: Eu vejo isto como uma paródia. Porque penso depois no Chaplin e no Keaton e a forma como trataram as casas assombradas e é muito divertido.
CAC: O filme tem uma série de brincadeiras e truques no seguimento do trabalho do Méliès.
PS: Muitas destas técnicas ainda hoje se usam.
CAC: Depois ainda há o À la conquête du Pole (1912), esse sim do Méliès. O filme aborda a viagem e a luta contra um monstro no Pólo Norte.
RVL: É uma espécie de King Kong. Mas é engraçado que nestes exemplos já se vê muitos dos subgéneros do cinema de terror: o filme de monstros, o filme de fantasmas, o found footage…
CN: Gostava de avançar um pouco o rumo da conversa para que possamos agora reflectir sobre como é que o cinema de terror, enquanto cinema de género, sobrevive hoje. Se em relação a determinados géneros, falamos da sua morte, rejuvenescimento, regresso, parece que em relação ao terror há uma espécie de continuidade. Há naturalmente uma evolução mas não se fala na morte do terror. E isso leva-nos a pensar se o terror é um género na mesma medida da comédia, do western e de que forma as suas características determinam essa evolução no tempo.
RVL: Ontem eu e o Carlos, preparando esta conversa, falámos de uma divisão possível. O terror está para a comédia assim como o western está para o musical. Enquanto estes últimos são sobretudo animados por características formais e narrativas muito fortes, o terror e a comédia centram-se sobretudo naquilo que provocam: o medo e o riso. E tudo o resto é cambiável.
JM: Sim, talvez seja mais universal. O western e o musical têm muito a ver com um gosto, uma dada configuração do mundo. Já a comédia e o terror mexem com a tua própria psicologia profunda. O terror nasce parceiro da psicanálise do Freud. E há uma ligação forte a correntes artísticas do século XX: o surrealismo e o expressionismo. Estas vão para a América entre as duas guerras e acabam por formar o género do terror. Os clássicos da Universal são todos trabalhados por gajos vindos do expressionismo: o Karl Freund, mesmo o Murnau, embora este não venha fazer terror. Há toda uma escola que depois acaba por criar aquilo que hoje chamamos o cinema de terror.
CAC: Sim, aliás, os próprios fundadores da Universal são de origem alemã, algo que facilitou essa transição e a viagem de certos realizadores para a América.
JM: E esses filmes têm uma base literária forte. O Dracula (1897) do Bram Stoker, e o Frankenstein: or the Modern Prometheus (1818) da Mary Shelley são os dois exemplos mais evidentes. Na Europa, há uma base talvez mais popular: os escandinavos são os primeiros a fazer terror no nosso continente: o Victor Sjöström [entre outros Körkarlen (O Carro Fantasma, 1921)] ou o Benjamin Christensen [Heksen (Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos, 1922)]. Não eram filmes de terror, eram cinema e ia tudo para o mesmo saco.
CN: O Das Cabinet des Dr. Caligari (O Gabinete do Dr. Caligari, 1920) do Robert Wiene.
JM: Os alemães introduzem essa parte interessante que tem a ver com alimentar os medos da época. E tem tudo a ver com a situação da Alemanha na altura. Quer o expressionismo, quer o surrealismo tinham a ver com as questões do inconsciente, colectivo e individual. Mas até ao Val Lewton é tudo muito esporádico, pelo menos na América. E o terror nunca acontece no presente, mas no passado com base literária, em castelos… Só nos anos 1940 a coisa muda um pouco. O Cat People (A Pantera, 1942), por exemplo, é um filme sobre a repressão sexual.
RVL: Nos anos 1940 há aquela fase dos filmes góticos, os melodramas assustadores. A partir do Rebecca (1940) em diante.
CN: Sim, é a questão da psicanálise.
No MOTELX tentamos fugir das catalogações, mostrando muitas vezes filmes que estão entre, que não são deste ou daquele género.
RVL: E mais: são sobre mulheres que se casam em duas semanas e que depois têm maridos assustadores. São os casamentos feitos à pressa: primeiro no século XVIII e depois mais tarde as mulheres durante a guerra têm mais poder e autonomia social. Depois da guerra perdem essas liberdades. E os filme reflectem isso – há vários académicos que defendem esta análise. Há o Experiment Perilous (1944) do Jacques Tourneur, o Suspicion (Suspeita, 1941) também do Hitchcock, o Gaslight (Meia Luz, 1944) do Cukor e tantos mais… Eu diria que é primeira vez, posso estar a dizer de mais, mas que é a primeira vez que após os monstros da Universal nos anos 30 há um ciclo contínuo com esta coerência aterrorizadora.
CN: Sim, percebo e concordo, embora ninguém vá dizer que o Suspicion é um filme de terror.
PS: Em relação ao género importa falar do poder da indústria e da vontade que esta tem de repetir algumas fórmulas, sucessos. Esse factor pode levar a esses ciclos de filmes que vai-se a ver e são meio falsos. Ou muito provocados por questões industriais. Além disso, decorre muitas vezes do género como uma catalogação com objectivos comerciais, dividir o mercado, para chegar a certos tipos de audiências, fazendo o máximo de dinheiro possível. Nós no MOTELX tentamos fugir dessas catalogações, mostrando muitas vezes filmes que estão entre, que não são deste ou daquele género.
CAC: O público reage também de forma diferente face ao sítio em que se encontra. A primeira vez que comprei a revista Fangoria fiquei chocadíssimo porque…
JM: … porque era má. [Risos]
CAC: Não. A parte gráfica era má, de facto. Não era por causa dos textos, esses eram razoáveis. O editor já era o Chris Alexander. E as entrevistas com realizadores também não eram más. Tinha a ver com o formato gráfico que pouco ou nada tinha a ver connosco, europeus. Eu, que sempre fui fã de cinema de terror, passei a ganhar distância desse tipo de cultura e grafismo.
JM: Tem a ver com a cultura americana que vive muito disso. Quando vem um mestre do cinema de terror americano a Portugal, ele já está completamente formatado para este tipo de eventos. Já sabem qual o seu papel. Se os realizadores americanos fazem um primeiro filme de terror com sucesso estão feitos ao bife e já não saem dali. George Romero, Tobe Hooper, nenhum deles queria ser um cineasta de terror, mas se só podem fazer isso continuam a fazê-lo.
CAC: No caso do Romero nós agradecemos.
JM: Sim, tendo em conta a pouca qualidade dos filmes que fez que não são de terror, concordo contigo. E depois estes realizadores sobrevivem à base das convenções, da cultura do fanboy que é o que domina muito do cinema de terror contemporâneo. A mim pessoalmente desagrada-me, é algo que leva à estagnação do género.
CAC: Se não existisse um público na América para os filmes de terror, não sei sequer se estaríamos a falar de um género terror.
PS: Creio que estaríamos na mesma. Repara que já passaram mais de 100 anos de cinema e já consegues fazer esse tipo de análise.
RVL: Uma das propostas para a criação dos géneros é que os estúdios nos anos 1930, por uma questão de especificidade, se especializaram. A MGM os musicais, a RKO os noirs, etc. Vamos fingir que há competitividade, o que não havia por causa do controlo monopolista das salas e da distribuição, e essa divisão em géneros parece que depois se cristalizou um pouco.
JM: O tremendo sucesso dos filmes da Universal fez com que surgisse um género. O terror nasce para distinguir uma classificação etária. O Dracula (Drácula, 1931) e o Frankenstein (Frankenstein, o homem que criou o monstro, 1931) metiam muito medo. Este último tinha um aviso para as pessoas se prepararem para o que iam ver, acalmando as pessoas dizendo que era tudo a brincar. Aquilo era uma atracção de feira, de certa forma veio do circo.
CAC: Mas esses avisos também fazem parte da própria dimensão do terror.
O género, ao ajudar nessa categorização, produz certos mecanismos de repressão e censura comercial.
CN: Estamos, parece-me, a discutir duas questões que vêm a par, mas são distintas. A questão do género como codificação que contém as questões económicas e que pode ser pervertida e depois a questão mais genérica de imagens cuja principal reacção é provocar o medo. E estas podem provir do género do terror ou de qualquer outra parte. Isto faz-me lembrar o que o Foucault dizia em relação às questões da sexualidade. Ao contrário do que toda a gente achava, o dispositivo da sexualidade não vinha abrir um espaço de liberdade face a uma experiência sexual passada reprimida e calada, mas ia, pelo contrário, normativizar o que antes se fazia sem freio, regra ou categoria. Dou este exemplo porque, se calhar, antes da categorização do terror em género, havia imagens muito mais poderosas, do ponto de vista da provocação do medo, só que ainda não estavam encaixadas em categorias. Desta forma, creio que o género, ao ajudar nessa categorização, produz certos mecanismos de repressão e censura comercial.
JM: Há um caso antes da Universal que é o do Tod Browning, sobretudo nos filmes que fez com a Lon Chaney. E é extraordinário porque o Lon Chaney tinha o sucesso de um Valentino. As pessoas iam ver o filme por causa dele e ele não era um galã. Fazia sempre o papel de herói estropiado, algo que tinha a ver com o cenário das mazelas do pós-guerra. Aquilo era uma imagem comum. Hoje vês esses filmes mudos do Chaney e do Browning, como o The Unknown (O Homem Sem Braços, 1927) ou o London After Midnight (Londres Depois da Meia-Noite, 1927) e aquilo é de uma brutalidade…
CN: Sim, eu pensava evidentemente no mudo como esse espaço de maior liberdade. Tu hoje vês filmes do mudo e aquilo é o caos, positivamente o caos. Ao lado de uma cena polida, podes ver um exagero que não passaria sequer uma década depois, quanto mais hoje. E está tudo ali, às vezes, no mesmo filme.
CAC: A censura aí criou uma barreira, com o Código Hays.
JM: A censura produziu efeitos positivos, fez com que certos autores, pelo constrangimento existente, tivessem de apurar a técnica para mostrar certas coisas.
CN: Uma questão é a censura, outra são os limites criativos impostos pela realidade, da qual fazem parte as questões económicas e industriais do cinema. Por exemplo, os últimos filmes de cineastas já estabelecidos (excepção feita a Oliveira), feitos com idade muito avançada, resultam frequentemente em obras pouco tensas, muito soltos. E isso precisamente porque não existem limites, não existem esses constrangimentos já. O papel da limitação é esse.
RVL: Sim, veja-se o exemplo recente do Jodorowsky que de repente começou a fazer estes filmes…
PS: Sim, mas tem a ver também com uma maturidade, com o que interessa em termos criativos. Alguns desses cineastas podem começar a fazer coisas mais contidas… As limitações podem alterar um pouco a evolução das coisas mas acho que as coisas mais subtis e subliminares são comuns nos cineastas mais velhos.
CN: Na verdade, estou a argumentar o oposto: filmes menos subtis e subliminares de cineastas que de repente trabalham na liberdade absoluta, uma espécie de celebração da sua própria condição de “génios” do cinema…. Gostava de introduzir um novo tema. Se por um lado partilhamos enquanto espécie o riso e o medo, por outro lado, aquilo que nos faz rir e chorar muda ao longo do tempo. O terror parece evoluir sempre. O que gostava de debater convosco é se o facto de um filme feito anos antes permanece aterrorizador hoje em dia (não resvalando para uma visão paródica) se isso pode, ou não, ser considerado como prova de um bom filme de terror, ou pelo menos, de um filme de terror que não envelheceu… Isso aconteceu-me com o A Nightmare on Elm Street (O Pesadelo em Elm Street, 1984) do Wes Craven, um filme da minha infância, que agora quando revi recentemente fiquei chocado por perceber que toda a gente se estava a rir ao meu lado. Sobretudo naquela cena em que o Johnny Depp de camisinha justa, com um nozinho junto ao umbigo, adormece na sua cama e depois há aquele vulcão de sangue para o tecto, lembram-se? E eu pensei: ok… o que é que se passa aqui? Foi o filme que envelheceu, ou fui eu que não o soube ver na altura, por ser demasiado novo?
JM: Sim, percebo. Uma coisa curiosa: os filmes de terror dos anos 1970 envelhecem menos do que os dos anos 1980. Os Carpenters e os Romeros que resultam melhor foram feitos nos anos 1970. Os anos 1980 foi uma era muito parecida com o que está a acontecer agora, o politicamente correcto, a certeza de que o cinema funcionava (na altura os videoclubes, agora os super-heróis) sobretudo para as camadas mais jovens. A era do slasher foi importantíssima, aquilo que representou ainda hoje deixou marcas no cinema de terror. Isso provocou uma certa estagnação.
PS: No exemplo que deste, estavas a falar do Depp e do guarda-roupa, e já há algum tempo que os anos 1980 se tornaram numa época meio ridícula: os enchumaços, os cabelos.
JM: Uma vez fui ver o Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens (Nosferatu, o Vampiro, 1922) à Cinemateca, numa sessão sem música e aquilo parecia uma comédia. A malta ria-se à gargalhada. Principalmente depois da folha de sala dizer que o Murnau era um homossexual e que o filme tinha esse tipo de pulsão. Porque o Nosferatu morde homens e não sei quê. Pessoalmente achei um tanto exagerado porque as pessoas já iam pré-condicionadas para aquilo. E não acho que tenha sido daqueles filmes que tenha envelhecido assim tão mal…
CAC: Concordo, há cenas que continuam a impressionar imenso.
RVL: Hoje em dia temos muitos filmes que expressam os nossos medos: da internet, da tecnologia. Lembro-me de um filme que vi há uns anos no MOTELX de uma mulher que mata montes de gente para ficar com uma casa de sonho [Wai dor lei ah yut ho (Dream Home, 2010) de Ho-Cheung Pang]. Um filme sobre a bolha de especulação imobiliária. Há uma série de filmes que reflectem os nossos medos contemporâneos. Daqui a uns anos as pessoas talvez olhem para estes filmes com incredulidade, pois os medos mudaram entretanto. Assim como nós olhamos para certos medos representados no passado e achamos que tudo aquilo tem graça.
CN: Era aí que eu queria chegar. Até que ponto o que envelhece num filme de terror é a ameaça em si ou apenas a forma como é expressa. Por exemplo, será que se o Freddy Krueger tivesse sido criado hoje, com outras convenções, ele continuaria a meter medo?
No caso do cinema de terror feito por mulheres, as perspectivas são mais variadas, livres, complexas, podendo estar aí uma indicação da evolução do próprio género.
JM: É a diferença entre o Night of the Living Dead (A Noite dos Mortos Vivos, 1968) e o Dream Home. Este tem uma justificação, mas o do Romero reflecte toda uma época. Não é só o que acontece, há toda uma reflexão epocal através daquela narrativa. Dentro da história do cinema de terror há indicadores para a história do ser humano: quando há muitas obras sobre um assunto podes caracterizar esse filão e “fechá-lo” numa época. Há um filme que toda a gente odeia, o Funny Games (Brincadeiras Perigosas, 1997) do Michael Haneke. E porquê? Porque uma das personagem a dada altura olha para a câmara e pergunta se estamos a gostar. Tu não podes fazer isso, não podes interromper este prazer que ninguém gosta de discutir, mas que toda a gente tem. Aquilo que a mim, enquanto espectador de terror mas também enquanto pessoa que vai envelhecendo, me intriga é porque é que aquilo ou outra coisa a mim me pode dar um grande gozo e a outra pessoa não. Mas é uma questão muito complexa. Há uma eterna juventude ou adolescência associada ao terror. E depois é como quando vais de carro e páras ou abrandas para ver um acidente na estrada. Porque é que páras? O que ganhaste com aquilo? Pegando no MOTELX, as coisas que eu acho graça hoje e o que gostava na altura em que o festival começou divergem muito. Há uma coisa que talvez seja conservadora da minha parte mas penso cada vez mais nela: a questão da responsabilidade de um filme de terror. E assim podemos voltar ao elefante electrocutado ou ao Holocausto Canibal. Eu antes de ter filhos tinha medo de umas coisas e depois de os ter mudei os meus medos. Acho isso normal. Mas há pessoas que não mudam. O The Babadook (O Senhor Babadook, 2014) ajudou-me a compreender coisas, certas subtilezas que se calhar quem nunca teve um filho tem mais dificuldade em compreender. Aquilo é um filme sobre uma mãe que culpa o filho pela morte do marido – e só por aí estamos em territórios que a maior parte das pessoas não costuma ter acesso. Essa é uma vantagem do cinema de terror feito por mulheres: o Babadook é um filme adulto, não é um filme de terror adolescente como vemos tantos. Se o filme fosse feito por um homem provavelmente não teria metade da complexidade que possui. O grande problema do cinema de terror feito por homens é parecer que entrou numa espécie de loop do fanboy. Isto começou com o Tarantino e depois explodiu para tudo o resto. Estás a fazer um filme para um público que já sabes quem é. E já sabes o que tens de fazer para o agradar. Isso leva a que estejamos sempre a ver o mesmo filme. No caso do cinema de terror feito por mulheres, as perspectivas são mais variadas, livres, complexas, podendo estar aí uma indicação da evolução do próprio género.
RVL: Isso fez-me pensar numa questão. Vocês enquanto programadores de terror têm coisas que não querem mostrar? Sei lá, violência sobre crianças, bebés, animais… que pensem… isto é de mais… e não mostramos.
PS: Não. [Risos] Para já não podes falar no plural. Pode haver alguns programadores mais sensíveis e aí entramos num processo de discussão. Eu pessoalmente faz-me muita impressão a exploração do sofrimento de um animal. Isto hoje não é admissível. Na altura do Holocausto Canibal havia a desculpa que eles tinham comido os animais. Mas é um pouco como a caça que, por desporto, vem sendo cada vez mais repudiada. É consensual que a morte dos animais em filmes de terror, encenadas, causa desconforto. Nós sabemos que elas vão ocorrer, são cenas expectáveis mas desconfortáveis. Muitos filmes gostam de provocar esse incómodo. E os animais ainda estão mais desprotegidos do que as crianças, pois estas têm interacção com o mundo, vão adquirindo comportamentos.
JM: Os animais são desprotegidos a não ser que sejam predadores. O Jaws (O Tubarão, 1975), por exemplo.
CN: Mas se a morte dos animais nos afecta assim tanto, seria possível um filme cujo assassino só matasse animais? Será que queríamos saber disso, teríamos interesse? Poderíamos dizer que não, que não haveria empatia humana.
JM: Eu acho que há empatia.
CN: Pois, é isso mesmo o interessante… Não será mais perturbador hoje para nós um assassino que despedaça animais indefesos do que alguém que mata adolescentes? É que isso já nós estamos carecas de ver…
PS: Eu, relativamente às crianças, mais do que saber se uma cena está nos limites – em termos de duração ou “bom gosto” –, importa-me perceber a relação que os actores-criança têm com a cena em si que está a ser filmada. O modo como são expostos pelo realizador ou pelos pais às cenas, especialmente quando não existem truques de montagem. Por exemplo, alguém a ser violado e a criança está a olhar no mesmo plano.
CAC: Isso aconteceu, por exemplo, em Srpski film (A Serbian Movie, 2010).
PS: Creio que não, creio que eles disseram que nos momentos mais chocantes as crianças não estavam presentes.
CAC: Sei que em Inglaterra esteve proibido por aquela instituição que dá o aval para que os filmes possam passar à distribuição e depois creio que não se editou o DVD/Blu-Ray com essa cena. E no festival de Sitges também, pela hora a que passou, alguém fez queixa.
CN: Parte desta espécie de filme-choque é apenas e tão só um golpe de marketing.
CAC: O The Human Centipede (2009) foi um caso que viveu claramente disso. Quando se soube que havia três pessoas que estavam a formar uma centopeia humana toda a gente correu a ir ver o filme. Até o South Park fez um episódio a gozar com isso. Não é propriamente novo o choque como marketing. Nos anos 1950 usavam-se objectos na sala de cinema, fragrâncias para espicaçar o espectador.
PS: Está a voltar agora, com o 4DX.
CAC: Ou a ambulância à porta da sala de cinema, com os médicos… O cinema de terror vive dessa encenação.
JM: Há dois anos passámos um filme chamado Green Room (2015) do Jeremy Saulnier. Primeiro o filme passou à meia-noite e a sala estava cheia. E o ar condicionado estava avariado. Havia uma senhora que estava grávida, muito grávida, já no final. E eu não conseguia parar de pensar na cena do x-acto e que ela se pudesse sentir mal. [Risos]
PS: É uma pessoa consciente. Há de saber de si.
CN: E a reacção das pessoas é muito diferente aos filmes de terror, umas são quase insensíveis à violência, outras muito susceptíveis…
Quando trabalhas a dimensão política do filme, corres o risco de fechar o filme numa época.
JM: Sim, o meu pensamento foi conservador. Mas eu acho que enquanto programador deve haver uma certa responsabilidade no sentido de justificares as tuas escolhas. Mas podes cair num preconceito, o que é de evitar. Uma coisa muito sexista no cinema de terror é que se convencionou que ele é bom para o engate, porque a menina tem medo e o menino aproveita-se desse medo porque ela se agarra a ti… etc. Isto mudou radicalmente. Não há nenhuma edição do festival em que não venham ter comigo duas ou três adolescentes a perguntarem-me pelo pior filme do festival, com cenas mais chocantes.
CN: Vocês começaram há uns anos aquela coisa das malaguetas para definir o grau de extremismo e violência de cada filme.
JM: Funciona como um aviso ao publico, sim. O primeiro festival que fui foi o Fantas e não conhecia nada. Lembro-me que ia ver todos aqueles filmes que dissessem que continham cenas eventualmente chocantes.
PS: Eu creio que isso, nalguns casos, tenha estragado a experiência de alguns espectadores. Eu creio que a responsabilidade deve ser durante a divulgação da programação e creio que no MOTELX podemos fazer mais do que já fazemos. Talvez uma classificação para cada filme.
CN: Filmes para “maiores de grávidas”… Acham que existe alguma relação entre o tipo de ameaça que cada filme de terror trabalha e o seu maior ou menor envelhecimento?
RVL: Acho que não. Por exemplo, os filmes que mais me metem medo são os dos espíritos. E vimos há pouco esse do Méliès da casa assombrada que não me mete medo nenhum. Creio que o medo está mais na construção da tensão, no trabalho da realização e não no tema.
PS: Sim. O tema ou subtexto são pretextos de trabalho que podem ser mal ou bem trabalhados. E depois há outra coisa: quanto mais neutro for, quanto menos ancorado estiver nas especificidades culturais do seu tempo, mais tempo vai viajar, mais tempo vai permanecer connosco.
CAC: Mas o Night of the Living Dead vive muito da época e eu continuo a olhar para ele como se não fosse tocado pelo tempo…
RVL: Mas não mete medo. Os filmes do Romero não existem para provocar medo.
CAC: Mas… também eu não meço um filme de terror pelo medo que causa. E muda com muitas coisas.
CN: Sim, mas reparem… um filme de terror muda com o tecido cinematográfico, com o talento na realização, as tensões, etc. Mas também com “quem és tu, que estás ali a ver este filme em 2017”. És um ser cultural e temporal. E isso faz parte dos filmes.
RVL: Mas se para um miúdo de dezasseis anos o Krueger é anedótico, o Jaws já não o deve ser, por exemplo.
JM: Quando trabalhas a dimensão política do filme, corres o risco de fechar o filme numa época.
CAC: Mas mesmo que o feches numa época, ele pode não envelhecer…
JM: Sim, o Babadook é um filme desta época mas sobre um tema universal que acredito vá valer por muitos e bons anos. Já os filmes do Romero correm o risco de serem vistos e fechados ali, naqueles anos.
CAC: Sim, no Romero, há o consumismo, a alienação.
JM: Eu acho que o Romero não é um cineasta de terror, terror. Ele foi lá parar mas… não está preocupado em meter medo às pessoas.
CAC: Há quem diga que foi o primeiro a dedicar-se exclusivamente ao cinema de terror.
JM: Pois… coitado…
CN: Será possível isolar elementos que caracterizam um bom filme de terror? Lembro-me de, pelo menos, três elementos. Por um lado, a questão técnica. Por outro lado, a sua dimensão política (ou tudo aquilo que esteja para lá do que se conta na narrativa). Em terceiro lugar, uma espécie de “terror dramático”, no qual, além de uma leitura política, há uma densidade nas personagens. Um pouco como com a comédia dramática que tem um fundo de seriedade além do riso. O Babadook é um bom exemplo.
JM: Sim, isso tem a ver com o talento de quem faz. Se criares uma empatia com as personagens é meio caminho andado. Nos filmes de adolescentes isso não acontece, eles são todos iguais.
CN: São carne para canhão.
CAC: Sim, eu sinto muito isso nos filmes de teenagers, uma falta de identificação. E não é por não termos a mesma idade, é por não me despertar o interesse por aquelas pessoas. Dá vontade que o assassino chegue e os mate de vez.
RVL: Sim, estás do lado do assassino. Mas eu não concordo muito com a questão da empatia. Um filme pode ser extraordinário e eu não gostar nada das personagens.
CN: Sim, mas quando falo destes três pontos eles não são cumulativos. Pode ter um e não ter o outro.
RVL: Por exemplo, no James Wan, que temos defendido no À pala de Walsh, as personagens não são nada do outro mundo, mas o seu cinema não passa por aí. Sinto que o que me interessa ali, naqueles filmes, tem a ver com uma construção da tensão através de uma câmara, com um virtuosismo incrível. É um prazer cinéfilo.
JM: É como o jazz. Há o standard e depois algo que é mais elaborado.
RVL: Nós já sabemos a fórmula e por isso tem tudo que ver com o modo como ela é usada. Para mim o virtuosismo de um autor chega para fazer um bom filme de terror.
JM: O James Wan é um tipo que disfarça bem a lógica do fanboy. Não é como o Eli Roth que é mais o puro fanboy. O Wan é um pouco como o Shymalan nos seus filmes iniciais.
CN: Mas o Shyamalan, no seu início, tinha historias relativamente densas, no sentido de personagens interessantes.
CAC: O Shyamalan consegue uma coisa fantástica. Que eu tenha empatia com personagens num filme de found footage [The Visit (A Visita (2015)]. Não sei se haverá mais casos…
CN: Por falar nisso, nesta parafernália de imagens em que vivemos, parece-vos, ou não, que o terror está a viver uma inflexão minimalista? Uma redução de elementos, como no Paranormal Activity, por exemplo, onde tens um quarto, uma câmara manhosa e dois personagens. Isto associado à valorização dos slow burners e de um certo slow horror. É uma tendência de agora?
JM: As coisas mais interessantes da vaga do cinema de terror japonês, chegada com o Ringu (Ring – A Maldição, 1998), têm já um bocado a semente disso. Eliminaram a música, reduziram o número de cortes, isso na altura funcionou às mil maravilhas. A cena em que a miúda sai da televisão demora tempos infindos, e por isso mesmo a tensão cresce tanto e é tão assustador vê-la. Se vires o remake reparas logo que essa mesma cena é muito diferente, muito mais sincopada.
RVL: A expressão slow burner usa-se muitas vezes associada aos filmes do Ti West: o The House of the Devil (2009), The Innkeepers (Hóspedes Indesejados, 2011) e mesmo o primeiro filme dele era muito isso, o Trigger Man (2007). Não sei se se poderá chamar uma tendência, mas é certo que tem havido alguns realizadores norte-americanos que têm feito filmes em que nada acontece durante uma hora e meia e depois, no final, talvez aconteça alguma coisa, ou talvez não. E, no entanto, o domínio da tensão é tal que passas a hora e meia de filme com os nervos em franja à espera de algo que pode nunca chegar a acontecer de facto.
CN: É um terror do caminho, não da chagada. Um caminho que se faz a passos lentos.
RVL: Para mim, o The Innkeepers é um caso particularmente certeiro porque passas o filme todo à espera de qualquer coisa e no final percebes que tudo aquilo foi um delírio paranóico da protagonista. Ou seja, tu participas da paranoia da protagonista, participas do mesmo medo pelo nada, e sobre-interpretas os sinais desse nada. O docinho do slow burner é esse mesmo: essa construção sobre o vazio, sobre uma hipótese de medo muito ténue, inexistente até.
CN: Parece-me que há uma tendência em associar os filmes de montagem acelerada, muito exacerbados, ao lado paródico do gore – o filme para se ir ver com os amigos à sessão da meia-noite –, e de que esses filmes mais sombrios, mais soft, poderem provocar qualquer coisa mais duradoura. Isto é, há uma oposição entre os filmes que distendem o tempo e outros que o comprimem, e no terror é particularmente visível as duas facções.
JM: Pois, isso é chato para quem organiza festivais de cinema de terror. É uma discussão tremenda. Tens que pensar no público.
Eu vejo o minimalismo como uma tentativa de parar, pensar e seguir em frente.
PS: Mas tens que jogar também com o próprio sofrimento do espectador ao ver o filme. E há filmes que são penosos de ver, mais ainda quando o filme não se aguenta na construção das expectativas e se torna simplesmente numa longa espera por um final que por vezes nunca chega. No entanto, a categoria slow burner até pode conter o The Innkeepers mas é, tendencialmente, algo ainda mais lento.
CAC: No House of The Devil aí não acontece mesmo nada, é ela a passear para trás e para frente e a certa altura alguém entrega uma pizza. É só isso.
JM: Eu associo esse movimento também ao do mumblecore. Numa veia mais experimentalista do género. E não é por acaso que os últimos dois filmes dele, o The Sacrament (2013) e o In a Valley of Violence (2016) já são bastante diferentes, já deliver. E o mesmo se passou com o Adam Wingard, cujos primeiros filmes nada têm que ver com as coisas mais recentes, como o The Guest (2014) ou o You’re Next (2011), que são objectos muito mais acessíveis. Por vezes, há uma necessidade de reduzir, e os anos 1990 foram marcantes porque a presença dos efeitos especiais era opressiva. O filme paradigmático dessa década é o The Haunting (A Mansão, 1999), que está tão pejado de efeitos que já não mete mede nenhum, é horrível – comparando com o original, claro. E daí que tenha depois sido tão marcante o The Blair Witch Project (O Projecto Blair Witch, 1999). Daí que eu veja o minimalismo como uma tentativa de parar, pensar e seguir em frente. Mas é óbvio que todos os condicionalismos económicos do terror não permitem isso. E por isso meter um filme do Ti West no MOTELX implica estar a pensar num público específico com um nível de cinefilia um bocadinho maior do que o espectador que aparece e pergunta “qual é o filme mais horrível que eu posso ir ver?”.
RVL: Ou seja, passa na Sala 3 do São Jorge ao meio-dia e meia… [Risos].
CN: Queria falar, e ouvir-vos falar, de outra coisa que é muito recorrente no cinema de terror: a xenofobia, isto é, o medo do outro. Os filmes do Eli Roth fazem muito isto: um grupo de americanos vão para um sítio qualquer na Europa, na Ásia ou na América do Sul, que é representado quase sempre como uma caverna tenebrosa, e é aí que acontece o terror.
RVL: E o outro é uma coisa lata. O medo que surge do exercício de alteridade, ou que provoca a recusa desse exercício. O novo filme do Tom Ford, Nocturnal Animals (Animais Nocturnos, 2016), é sintomático de um estado de coisas, do medo que a faixa da sociedade americana, das costas, liberal e urbana, olha para o “outro” perigoso que é o hillbilly dos estados do interior sul (sintomático da divisão dos EUA e dos pró e anti-Trump). E isso é muito recorrente no cinema de terror, o monstro vive na rust belt do interior e os adolescentes universitários que vêm alegremente dos estados azuis são chacinados brutalmente no deserto, ou num ermo qualquer.
CAC: Estava há pouco a falar do Night of the Living Dead e claramente a questão racial está lá presente de forma muito forte. E o The Texas Chain Saw Massacre (Massacre no Texas, 1974) ou o Deliverance (Fim-de-Semana Alucinante, 1972) fazem exactamente isso. E esses filmes traduzem de facto a forma brutal e o choque entre uma cultura sofisticada e urbana e outra rural, mais ancestral.
JM: Acho que quem faz, pela primeira vez, essa mudança é o Hitchcock. Antes o “outro” era quase sempre o freak ou o monstro, com o Hitchcock o “outro” passa a ser qualquer pessoa, especialmente a pessoa mais inesperada. Ou melhor, um “outro” só de aparência. Mas depois, com o Romero, Carpenter e o Craven, há muito poucos monstros. Mesmo nos filmes de zombies quem lixa tudo são sempre os humanos, não são os monstros. E os dois primeiros filmes do Craven, o The Hills Have Eyes (Os Olhos da Montanha, 1977) e o The Last House on The Left (1972) são curiosos porque, como resultam em grande parte a uma reposta contra a cultura hippie, são mais sobre a tua reacção ao “outro”. E de como a malta “normal”, numa situação extrema, acaba por reagir exactamente como o monstruoso “outro”.
CAC: Há uma diluição entre a fronteira vítima-carrasco, coisa que aliás tem sido bastante explorada recentemente no cinema de terror.
Quando tens um filme de terror tens uma ameaça. Há que depositar essa ameaça, só que esse processo por vezes é problemático.
RVL: Eu sinto, principalmente no cinema do Tobe Hooper, por exemplo, um lado reacionário: o mundo está a mudar e eu não gosto disso. Sendo que os filmes espelham esse desgosto com a mudança. Eu imagino sempre o Hooper como o leatherface, de moto-serra em riste a punir a nova geração de adolescentes promíscuos e levianos. E digo o Hooper, como poderia dizer grande parte dos slasher movies que se fizeram a partir dos anos 1970, em que as vítimas são quase sempre adolescentes. Uma forma estranha de vingança inter-geracional que reflecte o cliché da velhota que diz “esta geração está perdida”. E é sempre super-reacionário: primeiro morrem as raparigas badalhocas, depois os pretos, depois… E só sobrevive a virgem loura branca de olhos esbogalhados.
CAC: Muitas vezes a final girl é até muito masculina.
RVL: Mas acima de tudo, puritana. Ainda assim, creio que hoje em dia a coisa está a inverter-se. E o filme que marca o ponto final, pelo menos simbólico, disto, é o It Follows (Vai Seguir-te, 2014). É um filme que pega no sub-género do slasher, pega num grupo de adolescentes e cria um monstro do qual só se consegue escapar se, exactamente, se foder com toda a gente que apareça à frente. Quanto mais foderes mais safo estás. É a inversão total dos princípios conservadores do sub-género do slasher.
JM: Como de certa forma os filmes da série Twilight constituem a dessexualização do vampiro. Mas eu não concordo totalmente com essa tua visão desses filmes. O The Texas Chain Saw Massacre serve muito bem para perceber porque é que o Trump venceu as eleições nos EUA. O medo dele não é sobre as novas gerações, é um retrato de uma região estagnada economicamente. Não nos podemos esquecer que eles matam os putos para comer, porque não têm dinheiro, porque o ofício deles desapareceu. Parece-me que os realizadores se identificam muito mais com as novas gerações do que com os outros. E limitam-se a retratar a América como um sítio onde não se pode passar à próxima fase porque ainda ali está uma geração… perdida. É como com os zombies, eles são um factor de mudança, mas a Humanidade não vai mudar, por nada neste mundo. No que respeita à possibilidade de uma inversão do sub-género, na verdade não sei se isso aconteceu…
CAC: Embora esse filme do Hooper seja dos anos 1970, a década seguinte, onde o slasher se sedimentou, os anos 1980, foi um período muito conservador: o Ronald Regan, a disseminação da SIDA… E como tal é natural que haja uma relação punitiva com a sexualidade com o cinema dessa altura.
CN: Quando tens um filme de terror tens uma ameaça. Essa ameaça pode ser depositada sobre um ente que pode ser pacífico (um animal, um evento natural, ou alguém sem psicologia), mas pode ser um ente como nós – um gajo da Eslováquia vê um filme do Eli Roth e pensa “mas isto não é assim, nós não tratamos assim os turistas”. Há que depositar essa ameaça, só que esse processo por vezes é problemático quando as pessoas se sentem tocadas por isso. Mas ainda sobre a dimensão conservadora, não a vejo tanto como uma questão de ideologia, mas mais de um ponto de vista etimológico: o herói tem que se conservar para sobreviver. E a moral é quase sempre: “se queres sobreviver a uma situação destas faz como o herói fez”. E é interessante ver, ao abrigo do medo do outro, o sub-género do home invasion, isto é, do malvado que vem invadir a nossa casinha. E isto é problemático porque destrói a ideia de espaço seguro.
PS: É o medo do desconhecido, só que o desconhecido é toda a gente. Todas as pessoas são-nos desconhecidas verdadeiramente, pelo menos até as conheceres…
CAC: Os dois filmes de home invasion que me marcaram mais o ano passado foram o filme do Mike Flanagan, Hush (2016), e o do Fede Álvarez, Don’t Breathe (Nem Respires, 2016). Ambos têm o aspecto curioso de lidarem com os sentidos, num ela não ouve e noutro ele não vê, e ambos tratam, mais uma vez, da inversão entre vítima e carrasco.
PS: Até onde é que as pessoas são capazes de ir, em que é que elas se transformam dadas as condições.
CAC: Antes que se mude de assunto queria só fazer um parênteses sobre o Eli Roth. Já percebi que a maioria das pessoas não gosta do trabalho dele, eu gosto muito. E tenho que fazer aqui uma pequena defesa. Não se pode esquecer que ele, do ponto de vista do sucesso comercial, conseguiu um feito raro, teve um filme de terror no primeiro lugar do box office americano, o Hostel (2005). Que é um filme que me parece brilhante, um dos melhores da década de 2000, exactamente porque pega na questão política. A maior parte das pessoas subvaloriza o filme, e o torture porn como sub-género, esquecendo-se que quando o filme saiu o assunto mais quente da vida política nos EUA eram as condições das prisões fora de solo norte-americano que acolhiam pressupostos terroristas que não ofereciam as condições mínimas de dignidade, e que estavam, na sua maioria, em países de leste, como no filme.
CN: O torture porn para mim é interessante porque lida com os limites relativamente voláteis da visibilidade. Limites que variam de época para época: tinhas o Daney que dizia que não se podiam mostrar certos movimentos de câmara, hoje em dia podes abrir uma cabeça muito devagarinho em grande plano mas não podes fazer mal a uma criança… Portanto, esses limites vão sempre variando.
JM: A questão que se põe é perceber porque estás a testar ou a tentar alargar esses limites. Tem que ver com a história que queres contar? Tem que ver com uma opção estética pelo realismo? Tem que ver com razões políticas? O Eli Roth pelo menos é um realizador que pensa nisso, e não vejo o Hostel como um filme estúpido. Pelo contrário, até gosto mais do Hostel: Part II (2007) que do primeiro, por exemplo. E se esteticamente eu até posso apreciar o James Wan, não consigo bem perceber sobre o que tratam os filmes dele, verdadeiramente. O que já não acontece com o Roth… Percebe-se o que ele quer fazer, onde quer chegar.
CAC: Um aspecto engraçado no Hostel é que as presas americanas eram sempre aquelas que tinham mais procura e, como tal, se tornavam mais caras. Quando os torturadores estavam a escolher a vítima, o americano era sempre o mais apetecido. Porque é aquele que, de facto, toda a gente quer matar…
CN: A propósito da interpretação política do cinema de terror: em que momento é que o cinema de terror deixou de ser só um guilty pleasure? Isto é, em anos recentes vários filmes de terror têm marcado presença nos festivais de cinema de autor de classe A, como Cannes, Veneza e Berlim. Gostava que reflectíssemos um pouco sobre essa forma de valorização, mas também sobre uma outra. Quando houve a valorização do cinema clássico americano pela crítica de cinema europeia havia a procura de uma coerência autoral (mais do que uma valorização das questões propriamente técnicas dos filmes). No terror, hoje, podemos fazer uma revalorização através da apropriação política que muito do terror tem tido (como já temos estado a falar). No entanto, acontece que, como muitas vezes, os filmes são tão formulaicos que a atenção do espectador, do crítico ou do programador vira-se mais facilmente para questões técnicas: movimentos de câmara, planos subjectivos, montagem, banda sonora, correcção de cor… As perguntas são: (1), se acham que essa valorização aconteceu e se o cinema de terror passou para a piscina dos grandes?; (2) por onde tem surgido essa valorização, pela questão do conteúdo, pela questão técnica ou pela questão estética?
PS: Também acho que se pode pôr a coisa ao contrário: “a partir de quando os fãs de cinema de terror ou os festivais de cinema de terror e os próprios filmes começaram a integrar outras influências cinematográficas menos formatadas e gráficas?” No entanto, eu acho que a mudança na programação desses festivais tem muito que ver com a vontade de chegar a um público mais alargado, mas por vezes tem ainda mais que ver com o programador que está à frente de determinada secção. E de como depois a influência de um olhar diferente contagia um comité de programadores.
Portugal vive na Idade Média no que diz respeito à recepção do terror pela crítica de cinema.
JM: Mas se pensarmos nos festivais americanos mais importantes, Sundance, Tribeca, Toronto, todos eles têm secções específicas de cinema de terror que têm grande sucesso e funcionam como plataforma de lançamento para o circuito comercial dos filmes. Os velhos azimutes europeus perceberam isso e têm tentado replicar a coisa. Mas é algo que também passa pela questão da comunicação da imagem do festival: eles não querem ser apenas um evento para adultos e espectadores altamente intelectualizados, querem estar também abertos aos jovens que têm uma ligação diferente com o cinema. E não é aberto a qualquer coisa… O Rob Zombie nunca iria a Cannes… Mas, no que diz respeito à valorização que permite que um filme de terror seja visto e posto lado a lado com o cinema de autor contemporâneo, creio que é consequência da leitura académica, muitas vezes feita por mulheres, do slasher e de outro cinema de terror que acabou por contribuir para que quase todos os festivais comunguem do terror. Mas a questão da sobrevivência é fundamental, não se pode continuar a acreditar em métodos antigos… O cinema de terror não é só um guilty pleasure, não é só para adolescentes e não vai acabar.
CN: No que diz respeito à recepção crítica, de que forma é que continua a haver um olhar um pouco sobranceiro sobre o género?
JM: Portugal vive na Idade Média, nesse aspecto. Em parte porque não há uma cultura para olhar estes filmes.
CAC: E muitas vezes há mesmo uma falta de informação muito grande…
CN: Talvez seja ainda a cassete antiga do guilty pleasure. De que até podem gostar de ver mas nunca serão capazes de admitir que ali há determinadas qualidades.
PS: Criaste uma personagem e por vezes é muito difícil mudá-la.
CN: Parece haver uma certa contradição: por um lado, tens Cannes e outros bastiões de uma certa cinefilia que “apoiam” este cinema, e depois a crítica nem sempre parece acompanhar.
RVL: No entanto, se o género do cinema de terror está um bocado estigmatizado hoje em dia junto de alguma crítica de cinema, já não é o caso com uma série de realizadores dos anos 1970, 1980 e 1990 que hoje são considerados grandes autores mas que à época foram queimados ou tratados com indiferença. Penso em nomes como o Jess Franco, o Fulci, o Bava, o Freda… Parece que há um ajuste de contas com o tempo. Semelhante à recuperação dos filmes da Hammer, por exemplo.
CAC: Não há ninguém hoje em dia que venha dizer que o Terence Fisher é um mau realizador, em parte nenhuma.
CN: É importante para mim isso, porque esse exercício de revalorização pode levar-nos a olhar para trás e a exclamar “perdemos 100 anos de cinema!”
JM: Mas não são necessariamente os críticos que fazem essa reavaliação, esses nomes foram recuperados, muitos deles, pelos movie brats, pelo Lucas, pelo Spielberg. E depois, com o Tarantino, passou a ser cool reavaliar o cinema exploitation italiano e espanhol e tudo mais…
O found footage começa e acaba na pergunta “’tás a filmar?”
CAC: E não nos podemos esquecer da importância de algumas editoras de DVDs, como a Arrow ou algumas norte-americanas, que têm feito um trabalho importantíssimo na reavaliação destes filmes e realizadores. Provavelmente nenhum de nós estaria aqui a falar do Bava se não tivesse sido a Arrow a distribuir a obra quase toda dele há uns anos, juntamente com documentários e artigos de especialistas. Extras que ajudaram a perceber a importância do Mario Bava – antes só se falava do Argento, mas ele é um filho do Bava – no cinema italiano. E antes dos DVDs o mesmo fenómeno acontecia com o clubes de vídeo, de forma muito mais ligeira é certo, mas também já acontecia…
CN: Regressando ao found footage que já fomos abordando aqui e ali. Apesar da moda parecer estar a dissipar-se, queria perguntar-vos sobre a relação entre o dispositivo do cinema found footage de terror e a utilização de material de arquivo como object trouvé, isto é, como cinema de material encontrado, found footage. Se nos outros géneros associa-se o found footage muitas vezes à descoberta de cinema onde ele se pensava ausente (nos filmes caseiros do avô, por exemplo), havendo depois uma mistura entre ficção e realidade, à medida da manipulação desse arquivo, no cinema de terror o efeito é distinto, é a prova de realidade, é o “isto aconteceu mesmo”.
CAC: Mas nós sabemos sempre que aquilo não aconteceu… O problema com o terror found footage é que é um formato que já nasceu gasto, não há muito mais por onde explorar. É um dispositivo que surgiu nos finais de 1980 com os Canibals do Deodatto e teve nessa altura uma série de exemplos. Congelou-se a coisa e em 1999 surge o The Blair Witch Project que vem ajudado da relação tecnológica das câmaras de vídeo que se carregam na mão. E depois, mais uma vez, fica um bocado morto, durante uns anos, até ao [Rec] (2007). E quando volta, fá-lo em força. E para mim todo o found footage começa e acaba na pergunta “’tás a filmar?”.
JM: Esse é o problema do found footage: a insistência na máxima verosimilhança. E depois o tempo que é preciso perder no argumento para explicar porque é que se está filmar, porque se está a filmar ali, naquele lugar, e tudo isso. Um chorrilho de justificações que só aborrecem. O Ti West, no found footage que fez, o The Sacrement, não está muito preocupado com isso, como aliás não está também o Shyamalan no The Visit. São realizadores que procuram fazer um filme clássico apesar do dispositivo.
CAC: Não é por acaso que a câmara no The Visit está muitas vezes fixa, ao contrário de 99% do cinema found footage em que a câmara anda completamente louca.
RVL: Ainda assim eu creio que há uma diferença entre filmes como o Blair Witch, o [Rec] ou o Cloverfield (2008), onde a câmara anda em modo reportagem (documentando em tempo real), e depois tens o caso dos Paranormal Activities onde a footage vem de uma câmara de segurança que capta, mas sem operador. E principalmente no segundo tipo há, a meu ver, muitas ideias interessantes. Primeiro, há a redução ao mínimo primitivo. Depois, há um trabalho incrível sobre as texturas do digital e das câmaras nocturnas, e por fim há a construção da tensão a partir da fixidez da câmara ou a partir dos seus movimentos cíclicos e mecânicos. As potencialidades do found footage no terror não me parecem assim tão pobres e parece-me que certos realizadores têm pensado o dispositivo de forma muito inteligente e explorado o sub-género de formas muito inventivas.
PS: Há, no entanto, um aspecto que me faz sempre confusão: a montagem. Quem é que está a montar aquilo? Há uns que justificam isso, mas de novo, é uma desculpa um pouco artificial.
O terror está muito mais atento às mudanças do que nos possa parecer à primeira vista.
RVL: Sobre esse assunto, uma das coisas que eu acho mais interessantes no Cloverfield é exactamente a montagem. Os personagens ligam e desligam a câmara consoante têm coisas para mostrar ou não (e também para poupar a bateria). Por outro lado, vão surgindo coisas que estavam na cassete antes, que mostram memórias felizes do casal e funcionam como contexto. Esta ideia de montagem a dois níveis parece-me muito inteligente e existe por causa do dispositivo… Cria-se uma espécie de vídeo-palimpsesto vanguardista super inesperado num filme de terror mainstream.
CN: A questão do found footage é, como o João estava a dizer, uma questão que se prende com: “tenho um dispositivo novo que ou se torna na atracção central do filme e portanto se esgota rapidamente ou tento com ele encontrar saídas que façam sentido com o filme que estou a tentar construir”.
CAC: Ou seja, se for um bom realizador provavelmente vai fazer um bom filme de terror found footage. Estava agora a pensar no found footage do Romero, Diary of the Dead (Diário dos Mortos, 2007), e nessa altura eu não tinha nenhum tipo de reacção alérgica ao sub-género como tenho agora.
RVL: Outro caso recente do cinema de terror de dispositivo é o caso do filme de desktop, em particular o Unfriended (2014). Mas é um filme que não cria, parece-me, grande descendência.
CN: A grande coisa desse filme é exactamente como a partir de uma situação de fixidez, que é o o ecrã, o filme é capaz de criar situações de grande tensão a partir de mensagem e diferentes estratégias de countdown muito eficazes.
PS: Antes já tinhas tido o Open Windows (2014) e agora torna-se muito frequente haver cenas com Skype, por exemplo.
JM: O terror está muito mais atento às mudanças do que nos possa parecer à primeira vista.
CN: Embora também haja essa relação muito forte com a tecnologia – mais presente na ficção científica, é certo – no cinema de terror, e pegando de novo na questão do conservadorismo, parece-me que os filmes de terror funcionam muitas vezes como avisos para os perigos dessas novas tecnologias. A televisão no Poltergeist (1982) e nos Cronenbergs, VHS no Ringu, os telemóveis no Chakushin ari (Uma Chamada Perdida, 2003), e agora são os ecrãs de computador e as redes sociais…
JM: O Stephen King tem um livro de ensaios chamado Danse Macabre onde ele escreve sobre filmes de terror e outras coisas de que ele gostava e num desses ensaios ele afirma que há três livros dos quais todos os filmes de terror são, de uma forma de ou de outra, herdeiros: o Frankenstein, o Dracula e o Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde. E esta aspecto da tecnologia inclui-se facilmente no Frankenstein, onde o medo era a revolução industrial.
CAC: Mas há qualquer coisa, não sei bem o quê, que leva a que o cinema de terror esteja mais atento a estas questões tecnológicas e aos medos a elas associados. Talvez o facto de os orçamentos serem mais baixos e portanto o número de filmes ser maior e o risco de cada um menor.
RVL: Em oposição a esta tendência para o found footage, sinto em tempos recentes que há uma espécie de resposta por parte de uma série de realizadores de cinema de terror que são profundamente clássicos na forma de filmar. No caso do The VVitch: A New-England Folktale (A Bruxa, 2015) há um classicismo muito competente e elegante. E muitos outros exemplos se poderiam dar deste cinema de terror muito elegante, sem gore, que constrói a tensão de forma muito lenta e com uma câmara e um olhar muito educado, muito bem filmado. Isso surge-me como oposição a tudo aquilo que costumamos associar ao found footage. E quando refiro essa espécie de resposta estou a pensar em muitos filmes, nos planos-sequência do James Wan ou do Fede Álvarez, por exemplo. Há uma elegância quase barroca naquela forma de filmar. Um floreado.
JM: Isso resulta também por causa da saturação do found footage por parte do espectador, e os cineastas também são espectadores. E portanto é sempre preciso voltar atrás para avançar. Não sei se esse movimento vai desembocar em algo, mas é certamente resultado desse esgotamento.
CAC: Chegámos a um ponto que quase todos os realizadores importantes da cena do terror já fizeram found footage: o Ti West, o Adam Wingard, o Mike Flanagan, o George Romero…
CN: Mudando um pouco de assunto, gostava que falássemos sobre a questão da auto-citação e da paródia no cinema de terror. Há uma expressão muito conhecida do Marx…
JM: do Groucho?
CN: Do Karl… [Risos] Que diz que tudo o que acontece na História surge primeiro como tragédia e depois como farsa. O cinema de terror é particularmente rico em filmes que revisitam convenções que filmes anteriores instituíram e transforma-as em pastiche e paródias. Estava a pensar nos Scream, naturalmente, mas também podia pensar nos Scary Movies ou, de forma totalmente diferente, o The Cabin in the Woods (A Casa na Floresta, 2012) ou o The Final Girls (2015). Mas a questão que queria colocar passa de novo pela questão do que nos mete medo: passados seis anos um filme de terror pode torna-se tão icónico que passa a já não meter medo nenhum, porque se reciclou através da cultura popular.
CAC: Eu não concordo com isso… Eu continuo a ter imenso medo dos Draculas da Hammer. Não consigo ver com a luz apagada. O Christopher Lee continua a provocar-me imenso medo, desde a primeira vez que o vi.
CN: Mas o que eu estava a querer dizer é que se se recriasse exactamente da mesma maneira um desses filmes hoje em dia ele não teria o mesmo impacto. E é aí que queria perceber, convosco, se a única forma de regressar a essas convenções implica a paródia ou o pós-modernismo meta-espertalhão.
PS: Parece-me que em muitos casos essas variações das fórmulas surgem de uma preocupação comercial, e noutros casos talvez do acaso. No Scream (Gritos, 1996) não percebo bem se surgiu disso ou de uma necessidade do Craven se reinventar e fazer algo completamente diferente. Mas não sei se consigo identificar um movimento.
JM: Há em muitos desses filmes um elemento de ironia que vem do facto de serem filmes feitos por pessoas que conhecem muito bem o género e, por outro lado, que se questionam”porque é que estamos sempre a ver a mesma coisa?” Isto é, são filmes que nos perguntam o que é que compõe um filme de terror. São os clichés, os lugares-comuns, as supostas regras do género? Eu pergunto-me várias vezes: ligas a televisão e vês os refugiados mortos à beira mar. Por que raio vais então ao cinema ver um filme de terror? O que é que te pode ainda fazer confusão?
RVL: Eu não vejo a coisa de forma tão lata… Para mim, os Screams são mais a auto-implosão do próprio género do filme de terror paródico, porque funciona em lógica matriosca. O segundo é sobre a rodagem da adaptação cinematográfica do caso do primeiro, e o quarto começa com umas personagens a assistirem ao Scream 6, que é por sua vez a cena de abertura do Scream 7. O Craven leva ao limite a auto-citação, expondo, de certo modo, que é um modelo que não pode ir muito mais longe do que isto. A piscadela de olho como um fim em si mesmo.
CAC: O filme que marcou o fim do terror clássicos de Hollywood foi um filme desse género, o Abbott and Costello Meet Frankenstein (Abbott e Costello e os Monstros, 1948), uma paródia aos monstros dos anos 1930.
JM: Estava agora a lembrar-me do Cabin Fever (A Cabana do Medo, 2002) do Eli Roth, que é um filme totalmente pós-modernista. Eu não sei se o objectivo é destruir para passar em frente, ou se é apenas um gesto provocador mais ou menos gozão.
RVL: Aquilo que o Carlos Carrilho estava a dizer parece-me importante, perceber se, como o Abbot e Costello marcaram o final de uma fase do terror, se estas paródias marcam, ou não, o final de algo e o início de outra coisa…
CAC: No outro dia um dos criadores do South Park dizia, numa entrevista, que este era um momento mau para a comédia nos EUA, por causa da administração que se ocupava de fazer o trabalho dos humoristas. Será que, por outro lado, este momento seja fértil em filmes de terror? Eu tenho as minhas dúvidas, porque para mim o filme de terror definidor desta administração já foi feito e chama-se The Purge (2013), especialmente o segundo, mas também o terceiro, o Election Year.
Com o Trump vão surgir certamente novas formas de fazer terror.
RVL: Há qualquer coisa estranha neste momento. Há uma série de filmes norte-americanos que foram naturalmente escritos e preparados muito tempos antes de se esperar sequer que o Trump viesse a ganhar as eleições que parecem… ou melhor, há uma potência estranhíssima na presidência do Trump que nos faz ver reflexos disso em todo o lado, incluindo no cinema. E, de repente, qualquer filme parece referir-se e reflectir directamente o estado actual das coisas. Por exemplo, o novo filme do Wolverine, o Logan (2017), começa na fronteira com o México e termina com uma fuga através da fronteira com o Canadá. O que quero dizer é que, por vezes, não passa tanto pelos filmes a reflexão do mundo, o próprio mundo impõe-se nos filmes (ou nos olhos dos espectadores que os vêem).
JM: Há um lugar-comum na historiografia do cinema de terror que diz que sempre que há uma nova administração republicana nos EUA o terror sofre uma mudança. Com o Reagan surgiram os slashers e os zombies com o Hooper, Romero, Carpenter e todos esses. Depois veio o Clinton e foi uma maravilha, não havia filmes bons de terror – o Scream, o Silence of the Lambs (O Silêncio dos Inocentes, 1991) que depois ganhou um Óscar e deixou de ser de terror, ou o Blair Witch que é já no final. Depois veio o Bush Júnior e com ele o torture porn e o found footage com o Roth e a série do Saw. No mandato do Obama de novo uma acalmia.
PS: Talvez na era do Obama tenha sido o terror mumblecore. [Risos]
JM: E portanto agora com o Trump vão surgir certamente novas formas de fazer terror. Agora o Trump supera a própria realidade…
CN: Quando se fala do home invasion eu sei que está ligado ao medo dos nossos vizinhos, mas eu vejo a coisa mais como simbólico de um country invasion, como uma reflexão de uma certa ideologia nacionalista. E o The Purge é isso literalmente, o medo dos vizinhos associado a uma limpeza étnica, daquilo que uma maioria considera sujo e desprezível. Mas claro que me parece ser necessário dar tempo ao tempo para que se possa verter em ficção o mundo. É necessária uma distância.
JM: E uma distância também nossa, que vemos os filmes e por vezes só os conseguimos compreender totalmente muito mais tarde. Há realizadores que acertam na mouche logo na altura e só muito depois é que são valorizados por essa clarividência.
PS: Há uma série de televisão e um filme que, não sabendo se vão continuar estes temas e este terror, são para mim exemplos de um excelente caminho a seguir. O filme é o Antiviral (2012) do Brandon Cronenberg que fala muito da relação com os media, e a série é o Black Mirror, que voltou agora com a quarta temporada, e aí está muito presente a tecnologia, os meios de comunicação, as redes sociais e tudo isso. E o terror associado à influência dos media é possivelmente aquele que vai marcar os próximos tempos.
RVL: Estávamos há bocado a falar das reavaliações e o MOTELX enquanto festival e vocês enquanto programadores têm feito um trabalho sistemático de vasculhar os cofres da Cinemateca na secção Quarto Perdido. Um vasculhar que procura filmes de género feitos em Portugal, e especialmente, quando essa ideia de género não lhes estava na base. Por vezes, esse exercício parece-me forçado, isto é, compreendo que de facto o filme possa ter alguns dos formalismos ou recorrências narrativas de certo cinema de género, mas essa aproximação fica-se por aí. É o terror que temos. O Crime da Aldeia Velha (1964) ou o Cerro dos Enforcados (1954) têm certos momentos que podem de facto ser identificados com o género de terror, mas é coisa pouca e esparsa.
JM: Mas conheces a história original do Crime da Aldeia Velha? A história em que se baseia, o evento digo? É que aquilo é baseado em factos verídicos, segundo as notícias da época, a miudinha foi queimada numa fogueira de casa pelas velhas da aldeia. É terrível. Para mim é definitivamente um filme de terror. Mas sim, é o que se pode aproveitar do nosso gótico. E nós não fugimos a isso, é normal que haja quem não concorde connosco. Mas a verdade é que para se discordar é preciso ver primeiro os filmes, e estes são filmes escondidos e esquecidos. Muitos dos quais desconhecidos.
CAC: A verdade é que no último MOTELX mostraram algum do trabalho da Noemia Delgado e pelo menos pôs as pessoas a falaram dela, o que não se fazia, e até levou a RTPMemória a exibir a série completa dos Contos Fantásticos da qual vocês mostraram alguns episódios no festival.
RVL: Acho interessante darem atenção a uma série de títulos que fugiram à canonização da história do cinema português – e há mais filmes esquecidos do que lembrados, como provavelmente em todas as histórias do cinema, naturalmente. O trabalho que vocês têm feito é ir buscar filmes de que ninguém se lembrava: O Leproso (1975), A Caçada do Malhadeiro (1969), entre outras coisas. Só que eventualmente este trabalho de vasculhar vai chegar ao fim, não?
JM: Ainda dá para uns aninhos… E há muitos filmes que não conseguimos passar pelo estado em que estão.
RVL: Ainda sobre o caso do cinema português, há um caso que me interessa particularmente, que é o do Três Dias sem Deus (1946) da Bárbara Virgínia. Que é supostamente o primeiro filme de terror português.
JM: Pois, quem o viu identificou com o Rebecca (1940) do Hitchcock.
RVL: E o que eu acho curioso é que, na maioria das vezes (se não em todos estes casos) os realizadores, quando estavam a fazer estes filmes, não estavam a pensar que estavam a fazer um filme de terror, ou um filme de género. Incluindo o próprio Macedo, talvez…
JM: O caso do Macedo é um pouco diferente porque o cinema de género no período do Macedo, que é o paradigma do cinema de autor, está associado ao cinema comercial. Antes disso a própria noção de cinema de género não existia sequer. Em Portugal os únicos géneros que davam dinheiro eram as comédias e o drama. Nem sequer há uma escola. O que faz com que haja uma série de filmes que falha completamente porque nem técnicos nem actores têm sensibilidade para aquilo. Não há actores que saibam aguentar um filme de terror do princípio ao fim como há, por exemplo, em Espanha. Quanto à Bárbara Virgínia, não sei o que é que ela estava a pensar… Mas do que sobrevive nos arquivos aquilo tinha um aspecto, no mínimo, lúgubre. E pensar que foi realizado por uma mulher em 1946 e esteve presente em Cannes…
RVL: Mas quando programam estes filmes há uma certa intenção de reescrever a história do cinema português segundo a ideia a de género, ou não? Hoje em dia fala-se de certos filmes, que antes estavam completamente esquecidos, por causa do vosso trabalho.
JM: Fixe, isso é bom sinal. Eu não tenho esse feedback.
CAC: Devo dizer que houve um certo frenesim nas redes sociais a propósito da Noémia Delgado quando vocês mostraram os filmes, e não havia ninguém que os tivesse visto.
PS: Sinto que no caso da luso exploitation houve esse reescrever. Aliás, quando propusemos essa ideia fizémo-lo logo com o próprio auto-questionamento, “será que isto existiu mesmo?” Parece-me que a contextualização e o trabalho de recuperação que olha para trás com a bagagem contemporânea é um olhar totalmente válido.
CAC: A mim faz-me alguma confusão como é que em Espanha, com a censura, se conseguiu sempre ter uma grande produção de cinema de exploitation com importância europeia, e em Portugal isso nunca aconteceu… Inclusive quando vários realizadores espanhóis vieram a Portugal fazer os seus filmes, como o Jess Franco que filmou cá várias vezes.
JM: Os portugueses não faziam ideia de que filme é que os espanhóis vinham cá fazer. No Die Liebesbriefe einer portugiesischen Nonne (Cartas de Amor de Uma Freira Portuguesa, 1977) eles não faziam a mínima ideia de que aquilo era uma filme erótico, senão nunca teriam deixado filmar nos Jerónimos e noutros monumentos nacionais…
CAC: Sim, e os próprios actores negam que tenham participado em certas cenas. Mas não se pode acreditar em tudo, há cenas em que é evidente que é o actor, não é duplo nenhum… É verdade que certas cenas eram filmadas a posteriori, mas nem todas. A Ana Zanatti e o Herman José deviam estar contentíssimos de ter feito um filme com o Jess Franco, que é um dos realizadores com mais culto ao nível mundial, provavelmente é o filme das carreiras deles que mais foi visto.
JM: Mas eu acho estranho que, por exemplo, ninguém saiba que a primeira ficção feita em Portugal, na história do cinema português, é uma adaptação dos crimes do Diogo Alves – que tem uma cena em que ele atira uma criança do aqueduto. O primeiro filme português é um filme de terror, Os Crimes de Diogo Alves (1911). E ainda há várias coisas que vale a pena mostrar, nomeadamente na ficção científica.
CAC: Eu achei muito ousado da vossa parte mostrarem Os Canibais (1988) do Oliveira.
O MOTELX é pensado como um curso intensivo para jovens realizadores de cinema de terror.
CN: Aqui entra uma outra questão, que é do reino das intenções. Existem as intenções do realizador, e as intenções dos programadores, mas não é por um filme passar num festival de terror que passa a ser um filme de terror. Independentemente de os programadores identificarem no filme elementos que contêm terror e podem ser associados ao género. Nesse sentido, mais importante que a redescoberta dos elementos de terror, é a criação de uma plataforma que permita uma nova visibilidade para os filmes, nem que seja para aparecer alguém a dizer “isto não é bem terror…”.
PS: Eu neste caso dos portugueses vejo a coisa mais pela identificação das temáticas das histórias e, partindo daí, do potencial filme de terror incrível que certos filmes podiam ter sido, fomentar o desejo que fazer algo novo. Como não há escola não se fazem filmes de terror, se de repente existe até uma “tradição” talvez comecem a surgir mais filmes novos.
RVL: Por outro lado, e disso vocês já deverão ter consciência, começa a haver uma série de pessoas que fazem curtas para mandar para o MOTELX.
JM: Sim, o MOTELX é um pouco pensado como um curso intensivo anual para jovens realizadores de cinema de terror.