Se a maioridade se atinge ao 18 anos em território português, não é assim em todo o mundo. No entanto, não há país em que um indivíduo com 21 anos não seja maior de idade. Com a aquisição total das capacidades intelectuais e físicas para todos os actos da cidadania, o Queer Lisboa organiza mais uma edição que confirma (e afirma) a sua maturidade jurídica. 21 anos fazem do festival o mais antigo de Lisboa – nem sempre com o mesmo nome, é certo – e a vigésima primeira edição apresenta mais filmes de interesse que aqueles que se podem contar com os dedos das mãos e dos pés. Ficam aqui 21 destaques desta edição especial do certame.
- God’s Own Country (2017) de Francis Lee — Descrito como a versão “verdadeira” da história de Brokeback Mountain (O Segredo de Brokeback Mountain, 2005), este filme foi galardoado em festivais como o de Berlim, Sundance e Edimburgo (com prémios de público, de realizador e de melhor filme). Um jovem agricultor de Yorkshire, um jovem emigrante romeno, um problema com a bebida e as relações duradouras, um novo caminho sentimental. O filme de Francis Lee – mais conhecido como actor, sendo esta a sua estreia na longa-metragem – é a combinação perfeitamente equilibrada entre estas variáveis.
- Mãe Só Há Uma (2016) de Anna Muylaert – Recorda-se de Que Horas Ela Volta? (2015), filme que foi o candidato brasileiro aos Oscars faz dois anos, cujo hype chegou a Portugal num misto de aclamação e contraditório politiqueiro? Pois bem, a sua realizadora regressa agora aos ecrãs portugueses depois de vencer o Teddy para melhor filme no ano passado. Uma história sobre a maternidade, a mentira e a confiança onde um rapaz descobre que foi raptado pela sua mãe e em consequência inicia uma busca pela sua família biológica.
- Beit El Baher (The Beach House, 2016) de Roy Dib — Dib é já um nome regular no festival: a sua curta Mondial 2010 (2013) esteve em competição no Queer Lisboa (depois de vencer o galardão para melhor curta-metragem dos Teddy Awards), sendo que o realizador foi convidado no ano passado para membro do júri. Esta é a sua primeira longa-metragem depois de um carreira essencialmente focada na vídeo-arte. O filme foca quatro personagens numa mansão desterrada dos anos 1960, que em amena cavaqueira falam dos seus problemas e dos problemas do mundo.
- Beach Rats (2016) de Eliza Hittman – Melhor realizadora em Sundance e concorrente ao Leopardo de Ouro da secção Cineastas do Presente no festival de Locarno do ano passado, a realizadora Eliza Hittman faz o retrato de uma adolescência perdida em Brooklyn, onde um rapaz vagueia sem rumo com os seus amigos delinquentes, entre a sua namorada e os homens mais velhos que conhece pela Internet. Esta é a sua segunda longa-metragem depois de It Felt Like Love (2013), a sua longa de estreia, ter sido nomeada para o John Cassavetes Spirit Award.
- Corpo Elétrico (2016) de Marcelo Caetano – Na sua estreia na metragem longa, Caetano conta a história Elias que trabalha na confecção de roupa feminina para uma conhecida designer de moda. Este apaixona-se por um imigrante africano que trabalha na linha de produção, e começa a organizar festas para ter motivos extras para se encontrar com ele. Estreado no festival de Roterdão e galardoado no festival de Guadalajara, o filme inclui a participação (Mc) Linn da Quebrada, a partir da qual originou o vídeo musical para a canção blasFêmea.
- Pieles (2017) de Eduardo Casanova – Outro estreante na longa-metragem é o realizador espanhol Eduardo Casanova, que faz deste filme, estreado na última edição da Berlinale, uma espécie de remake de Freaks (A Parada dos Monstros, 1932) em versão romântico-consciente. Uma fábula kitsch sobre a diferença e a aceitação, mas também sobre a fetichização da diferença como uma forma perversa e falsa de aceitação. Alguns dos personagens das curtas anteriores do realizador regressam, neste filme feito em episódios amorosos.
- Karera ga honki de amu toki wa (Close-Knit, 2017) de Naoko Ogigami – A presença do cinema japonês nas salas comerciais portuguesas é escassa e nos festivais de cinema também não é, certamente, uma constante. É por isso importante valorizar a selecção do filme de Ogigami, vencedor do prémio especial do júri dos Teddy Awards deste ano, que retrata a relação de uma criança cuja mãe a abandona e que por isso vai viver com o tio. Lá descobre que este vive com Rinko, uma mulher trans, e a sua perspectiva sobre o mundo altera-se fundamentalmente.
- Entre os Homens de Bem (2016) de Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros – Deste lado do Atlântico é complicado perceber quem é o deputado federal Jean Wyllys do Brasil. Figura controversa e difícil de definir que o documentário de Cavechini e Juliano Barros acompanha ao longo de três anos entre a rotina do dia-a-dia, as redes socais inflamadas e as suas batalhas legislativas a favor da protecção dos direitos das minorias, em particular da comunidade LGBT. Um retrato de um homem e de um país em ebulição.
- Quand on a 17 ans (2016) de André Téchiné – Embora Téchiné já tenha um novo filme, estreado este ano em Cannes – Nos années folles (2017), nomeado à Palma Queer –, só agora é que os espectadores portugueses poderão ver o seu filme anterior, estreado no início do ano passado no Festival de Berlim (isto porque o filme tem distribuição comercial nas salas portuguesas e a sessão no festival funciona como antestreia não oficial). Uma história coming of age (como o título indicava) de um adolescente e do seu bully.
- Être Cheval (2015) de Jérôme Clément-Wilz – Karen tem 50 anos, vive em França mas está de visita ao EUA para um “curso”. Pretende transformar-se num cavalo, terá aulas de trote, de reacção às rédeas, puxará coches e envergará um freio no rosto. Um role-play próximo do S&M “característico” dos estados do interior dos Estado Unidos, com uma comunidade significativa de outros ponys e dos seus mestres. Um documentário que retrata os mecanismos do aprisionamento e da libertação, do medo e da confiança.
- Ulrike’s Brain (2017) de Bruce LaBruce — O cineasta, fotógrafo, escritor e artista canadiano regressa o certame lisboeta depois de Pierrot Lunaire (2014). LaBruce, que já teve uma retrospectiva no festival, é um realizador regular da programação do Queer Lisboa. Este seu mais recente filme, estreado no festival de Berlim, é mais uma das suas incursões no cinema de género trash. Parte da pergunta “O que é que aconteceu ao cérebro de Ulrike Meinhof e às cinzas do líder neonazi gay Michael Kuehnen, que morreu de SIDA em 1989?” para uma tresloucada sátira política em tons surreais.
- Occidental (2017) de Neïl Beloufa — Para os mais atentos, Beloufa não é um nome estranho. O seu filme de estreia, a curta-metragem Kempinski (2007), venceu o Grande Prémio da Curta Metragem do IndieLisboa em 2009. Desde então o realizador fez carreira na metragem curta e na longa, sendo que este é a sua segunda incursão no “filme de fundo”. Uma Paris futurista e pré-apocalíptica recebe uma absurda e anedótica sucessão de episódios de homofobia, racismo, misoginia, terrorismo e manipulação política.
- A Destruição de Bernardet (2016) de Claudia Priscilla e Pedro Marques — Estreado na edição do festival de Locarno do ano passado, o filme de Claudia e Pedro acompanha Jean-Claude Bernardet, aquele que é, provavelmente o mais importante crítico de cinema brasileiro. Amigo pessoal de vários realizadores do Cinema Novo Brasileiro, sendo o autor do marcante Brasil em tempo de cinema: ensaios sobre o cinema brasileiro (1967) que produz o primeiro olhar crítico sobre o cinema brasileiro dessa altura. Os realizadores vão encontrar um homem envelhecido e frágil que procura distanciar-se da figura mitológica que criou para si mesmo.
- Fluidø (2017) de Shu Lea Cheang — A artista taiwanesa é este ano alvo de um retrospectiva no âmbito do festival. Que inclui vários dos seus filmes, assim como instalações vídeo e uma masterclass. Vinda da área dos novos media com especial enfoque na interacção do espectador, o trabalho de Lea Cheang reflecte sobre as questões de poder: governamental, sexual, de género, de raça, socio-políticos, étnicos… Esta sua mais recente longa-metragem, estreada na última edição da Berlinale, retrata um futuro distópico onde um novo tipo de ser humano, imune ao HIV, se transforma em escravo sexual da sociedade.
- Coelho Mau (2017) de Carlos Conceição — Acabado de estrear comercialmente nas salas portuguesas, o novo filme de Carlos Conceição “retoma alguns dos seus nodos temáticos: o fetichismo por pés e outras partes do corpo (e aquilo que as cobre), os processos de transferência romântica e sexual, as sexualidades limítrofes, o fascínio pela presença de João Arrais, o romantismo perversamente gótico e o encantamento decadente. Uma ode aos símbolos e às metáforas que se desfazem pelo excesso” (leia mais aqui).
- Crianças Fantasmas (2016) de João Vieira Torres — Um dos mais promissores realizadores brasileiros, Vieira Torres tem mostrado o seu trabalho (de curta-metragem) em festivais como Roterdão, FID Marseille, Festival de Nova Iorque, entre outros. Um dos seus últimos trabalhos foi exibido no IndieLisboa, Toré (2015). Este novo filme parte de um arquivo fotográfico de uma de um exercício de especulação e memória vindo do fora de campo: sete vozes que recordam a infância.
- Filme-Catástrofe (2017) de Gustavo Vinagre — O realizador brasileiro venceu há dois anos a competição do Queer Art com o filme Nova Dubai (2014) e antes já tinha visto Filme para Poeta Cego (2012) seleccionado. A sua produção continua pujante e difícil de acompanhar. Este ano os espectadores de Lisboa já puderam ver, no IndieLisboa, Os Cuidados que se tem com o Cuidado que os Outros Devem ter Consigo Mesmos (2016), do qual regressam alguns personagens. As turbulências políticas do Brasil encontram reflexo no cinema.
- Os Humores Artificiais (2017) de Gabriel Abrantes – Abrantes já não é estreante no Queer Lisboa, este seu novo filme “funciona, de certo modo, como a conclusão (ou pelo menos a culminação) da nova vida da sua obra, mais não fosse por finalmente dar o protagonismo da sua história a um ser não-humano, a uma inteligência artificial – naquele que é capaz de ser o seu filme mais doce (para não dizer simplesmente, romântico)” (leia mais aqui). Uma história de amor sci-fi entre uma android trans e uma índia da Amazónia.
- Les Îles (2017) de Yann Gonzalez — Estreado este ano na Semana da Crítica em Cannes (na mesma sessão especial onde foi exibido o filme de Carlos Conceição), e estreado em território nacional no festival de Vila do Conde, este é o regresso do realizador francês à curta-metragem depois da sua longa de estreia, Les Rencontres d’après minuit (2013), exibida no festival. O realizador, que fez no âmbito do projecto Estaleiro, em Vila do Conde, a sua curta Land of My Dreams (2012), será um dos júris da Competição de Longas-Metragens do QueerLisboa.
- Où En Êtes-Vous, João Pedro Rodrigues? (2017) de João Pedro Rodrigues — O regresso do realizador ao Queer Lisboa faz-se com um dos seus filmes mais pessoais. “Um ensaio auto-reflexivo que está mais próximo de um olhar crítico ou académico sobre a sua filmografia, os seus modos, as suas obsessões, os seus tropos recorrentes. Tudo se cruza e interpenetra, as imagens de filmes anteriores ganham novos sentidos num exercício auto-recoreográfico que salta da campa de Mizoguchi para as de Thoreau e Hawthorne ou das “lojas do chinês” de Vila do Conde para as borboletas-monarca do América do Norte” (leia mais aqui).
- Phantom (2017) de Gonçalo Almeida — Outra das entradas nacionais na competição nacional vem de Gonçalo Almeida. O realizador acabou de vencer a competição de curtas-metragens do MOTELX com Thursday Night (2017), sobre o qual também escrevi aquando da sua passagem pelo festival Curtas de Vila do Conde, e estreia esta nova curta no certame lisboeta. Um elegante e erótico conto lésbico sobre o desejo e o exotismo oriental.