André Téchiné é mais conhecido por Les roseaux sauvages (Os juncos Silvestres, 1994), o filme coming of age gay avant la lettre que o consagrou internacionalmente – logo após Ma saison préférée (A Minha Estação Preferida, 1993) – como realizador LGBT nos anos 1990. Quand on a 17 ans (2017), estreado na competição do Festival Internacional de Berlim do ano passado tendo sido apresentado no festival Queer Lisboa em antestreia, é em certa medida o regresso ao mesmo universo da adolescência, da descoberta da sexualidade, das amizades de liceu e da vida numa pequena cidade rural francesa.
Mas este regresso procura reencontrar a frescura e a doçura de uma amor juvenil e pastoral num ambiente contemporâneo francês com o pano de fundo da guerra do Iraque, do bullying na secundária ou das aplicações de smartphone para encontros sexuais esporádicos. Esta presença dos elementos actuais é particularmente curiosa quando o realizador encara o fenómeno do Bullying como uma manifestações das frustrações sexuais dos seus personagens: a violência como a primeira resposta de um “coração encurralado”.
O que resulta destas “contradições ontológicas” é um filme bem intencionado mas que revela um desmazelo formal e um alheamento geracional.
Antes disso, no entanto, queria destacar um momento (já próximo do final) que pode servir como binómio de leitura. Os dois rapazes protagonistas estão a estudar, têm que produzir um ensaio sobre o desejo. Um argumenta através da etimologia da palavra, recorrendo à origem latina e à da ideia de “falta”, auxiliando-se da perspectiva de Leibniz do desejo como produto do humano racional e consciente. O outro, por sua vez, cita O Banquete quando se refere o desejo que tem como objecto a fecundação (entre um homem e uma mulher) e o que não tem outro objectivo que não a saciação (entre dois homens) de uma necessidade. A resposta do primeiro passa pela distinção entre “precisar” e “desejar”, onde o primeiro se refere a uma necessidade vital (e se é vital, é da própria Natureza) e o segundo a uma necessidade propriamente humana (e portanto artificial). Este debate sobre a natureza do desejo expõe uma visão bipolar sobre o mundo: natural vs. artificial, que é como quem diz, animal vs. racional. Esta reflecte a própria dialética do filme, o qual se põe a jeito para analogias igualmente binárias e simplistas como aquela que os rapazes desenvolvem.
Por exemplo, é fácil ler no filme uma oposição interna entre “antigo” vs. “primitivo”, isto é, “tradicional” vs. “inato” (e se continuássemos chegaríamos à mesma oposição dos rapazes), em particular na questão do Bullying. Por um lado o filme atesta da ideia de que há uma resposta instintiva (inconsciente) pela violência quando os dois rapazes se sentem atraídos um pelo outro, e por isso mesmo preferem agredir-se. Por outro lado o filme procura justificar os seus personagens de uma forma lógica, explicando as suas atitudes pela construção de uma certa ideia de masculinidade que eles precisam conservar intacta perante os outros e perante eles mesmos.
Outra destas oposições (que se podem colocar em diálogo com a anterior) que se encontra no cerne formal do filme (ao contrário da anterior que se encontra no centro narrativo) é aquela que atomiza a realização entre “frontal” e “banal”. Pode defender-se que há um classicismo na estrutura em três actos do filme que condiz com a secura do coming out do rapaz urbano, na clareza dos personagens e da forma como estes são apresentados (e de como rapidamente se intui o dilema dos protagonistas). Mas também não é difícil identificar no arco narrativo bem definido uma série de desvios (de cenas episódicas escusadas), uma série de repetições que fazem do filme moroso (o que não ajuda o facto de tudo se passar em três décors que se alternam ciclicamente) e um olhar indefinido a cair para o anonimato. O que resulta destas “contradições ontológicas” é um filme bem intencionado mas que revela um desmazelo formal e um alheamento geracional.