Identifying himself as Thomas Phelps Ripley was going to be one of the saddest things he had ever done in his life.
Patricia Highsmith, The Talented Mr. Ripley
O erro de Jude Law
Quando um entrevistador pediu a Jude Law que caracterizasse a personagem que interpretava em The Talented Mr. Ripley (O Talentoso Mr. Ripley, 1999), de Anthony Minghella, o actor recorreu a palavras proferidas pela própria personagem, explicando que estas podiam fornecer uma imagem mais justa de Dickie Greenleaf do que qualquer descrição sua: “My father builds boats, I sail them”. Ao evocar esta fala, Jude Law pretendia sublinhar diversas ideias-chave para a compreensão do seu papel: Dickie pertence a uma família privilegiada (Greenleaf é o nome da empresa de embarcações), é um homem insubordinado e literalmente um enfant terrible (ao invés de seguir o caminho do pai, construindo barcos, subverte esse caminho, navegando-os), e é um diletante e um bon vivant (o seu hobbie é navegar, luxuosamente, num mar onde não há caminhos inscritos, e rumo a lugar nenhum).
Na sequência inicial do filme, o pai de Dickie trava conhecimento com o pianista Thomas Ripley num evento em Nova Iorque. Ao aperceber-se de que o pianista veste um casaco de Princeton – a universidade que o seu filho frequentou –, pergunta-lhe se algum dia se cruzou com Dickie na universidade. Ripley não estudou em Princeton (saberemos que lá trabalhou, mas como afinador de pianos), e tomou o casaco por empréstimo de um amigo que não pudera tocar piano naquele dia devido a uma lesão; mas ele mente, respondendo afirmativamente, e dizendo ter privado com Dickie em Princeton. O pai conta que, no momento presente, o filho leva uma vida desnorteada numa pequena vila no sul de Itália, e pede a Ripley que lá se dirija com o objectivo de persuadir Dickie a regressar aos Estados Unidos. No caso de ele ser bem-sucedido no cumprimento dessa missão, receberá uma recompensa de mil dólares. Ripley, que tenta compensar as suas dificuldades económicas com diversos empregos e biscates, e que ainda para mais abomina viver em Nova Iorque, detecta nesta proposta a auspiciosa oportunidade de cumprir o sonho partilhado por qualquer americano culto (Ripley é pobre, mas tem um gosto primoroso) da década de 1950: visitar a Europa.
Ao chegar ao porto de Roma, Ripley conhece casualmente Meredith Logue, uma mulher jovem, bela e rica. Beneficiando do facto de estar num lugar onde ninguém o conhece, o protagonista, que despreza a sua condição de Ripley e tudo o que ela traz consigo, apresenta-se a Meredith como Dickie Greenleaf. Porém, ela pergunta-lhe: “Os Greenleaf dos barcos?”. Inocente e profundamente desconhecedor da sociedade e do mundo, Tom não imaginaria que a família Greenleaf fosse reconhecida do outro lado do Atlântico. No entanto, uma vez assumido o disfarce, ele é obrigado a levá-lo às últimas consequências, e prolonga a mentira. Meredith pergunta-lhe por que razão ele, ao sair do navio, levantou a sua bagagem na letra R (de Ripley, sabemos nós), em vez de fazê-lo na letra G (de Greenleaf, o nome pelo qual ele acaba de se apresentar a ela), ao que Ripley responde estar a viajar sob um nome falso como forma de fugir ao pai opressor. Ele diz: “My father wants me in New York. He builds boats, I’d rather sail them”.
Atingimos assim o momento em que “Dickie Greenleaf” diz as palavras que Jude Law cita na entrevista a que me reportei acima. No entanto, o Dickie que as diz não é exactamente a personagem interpretada por Jude Law, mas um outro Dickie interpretado por Tom Ripley (Matt Damon) no interior da ficção. O especial interesse do lapso de Jude Law reside no seu reenvio involuntário para o motivo central de The Talented Mr. Ripley, muitas vezes apropriadamente referido pela crítica: a identidade. Ao atribuir à sua personagem uma fala que pertence a outra personagem (num momento em que esta outra está também a interpretar o papel da sua), Jude Law sucumbe à confusão de identidades em torno do qual a narrativa se desenha e concretiza-a simbolicamente.
Pelos olhos de Tom Ripley
O aspecto mais curioso do lapso de Jude Law é que, não obstante o erro na atribuição da origem daquela fala, a descrição que ele oferece de Dickie é efectivamente adequada à sua personagem – é, aliás, por esta razão que o actor se esquece de não ter sido ele a dizer aquelas palavras. Esta espécie de anamorfose afigura-se intrigante, se atentarmos no facto de estas palavras surgirem no filme através da boca de um falso Dickie Greenleaf que descreve um homem por quem se faz passar sem que o tenha ainda conhecido. Com efeito, a personagem interpretada por Jude Law corresponderá à personagem que Tom Ripley inventa nesta cena. Dickie Greenleaf torna-se, assim, uma personagem que, na economia do filme, surge desde logo contaminada pela invenção de Ripley. É uma personagem impura, um fantasma invocado, primeiro pelo pai, depois por Ripley, e que assombrará efectivamente todas as personagens não só até ao final, como também, veremos adiante, para além dele.
À maneira do melhor cinema clássico, tudo o que da ordem do teórico ou do conceptual se pode articular a propósito do filme de Minghella tem uma concretização material nos planos imagético e sonoro do filme. Para consubstanciar a ideia que acabo de esboçar, torna-se assim relevante atentar no primeiro plano em que Dickie Greenleaf aparece em campo. Tom Ripley está finalmente em Mongibello, uma vila ficcional no sul de Itália, e, olhando pelos binóculos, vê pela primeira vez Dickie. Treinando o italiano, diz: “questa è la faccia di Dickie” (não sem antes ter dito “questa è la mia faccia”, prenunciando a confusão de identidades), e o espectador vê também o rosto de Dickie emoldurado por uma íris que simula o efeito dos binóculos e assinala a subjectividade do plano.
Vemos verdadeiramente Dickie pelos olhos de Ripley. Mas cedo percebemos que talvez tudo neste filme seja visto através dos olhos de Ripley. Minghella afirmou mesmo, num comentário áudio incluído numa edição em DVD do filme, que, tal como Patricia Highsmith escreveu o romance como se este estivesse a ser escrito por Ripley, o cineasta concebeu as imagens do filme como se elas tivessem sido filmadas pelo protagonista. Tal como em Summertime (Loucura em Veneza, 1955), de David Lean, ou Three Coins in the Fountain (A Fonte dos Amores, 1954), de Jean Negulesco, ambos filmes dos anos 50, a década em que se desenrola a acção de The Talented Mr. Ripley (do mesmo género, refira-se ainda o filme de Delmer Daves de 1962, Rome Adventure [Viver é o que Importa, 1962], aliás referenciado visualmente por Minghella), Itália é filmada de acordo com a estética do cartão postal. Contrariamente ao que testemunhamos nas imagens de Nova Iorque das primeiras sequências, as cores de Itália são quentes, cheias, e a superfície das coisas possui uma qualidade quase háptica. Contrariamente à América achatada e deprimida de Ripley, a Europa revela-se um lugar tridimensional, construído em profundidade, de aparência pulsante, mas também, por isso mesmo, potencialmente mais perigoso, com algo de labiríntico e, ainda, no seu realismo encantatório e vertiginoso, de cinematográfico. O espectador vê Itália, fundamentalmente, tal como ela é vista por Tom Ripley, mas, ao contrário do espectador, Ripley não só vê Itália, como a experiencia, e ao experienciar uma Itália que percepciona à semelhança de um cartão postal, como um espaço do domínio do imaginário, do onírico, enfim, do cinema, ele está a viver o sonho, a viver o seu filme e, como consequência, a exercer plenamente a sua função de personagem – o que, veremos em seguida, se relaciona justamente com o “talento” de Ripley a que se alude no título do livro e do filme.
Tal como nos filmes de Lean, Negulesco ou Daves (e acrescento Interlude [Os Amantes de Salzburgo, 1957], de Douglas Sirk, que deve ocupar um lugar privilegiado nesta constelação), aqui o tema do fascínio dos americanos pela Europa articula-se perfeitamente com questões da ordem do formal e mesmo do teórico. Mas esta dialéctica chega ao filme de Minghella, também (e porventura principalmente), por via da literatura. Na obra de Patricia Highsmith menciona-se duas vezes Henry James, um autor paradigmático na abordagem da relação dos americanos com a Europa, e refere-se particularmente The Ambassadors, romance em que Lewis Strether é persuadido pela sua prometida a dirigir-se à Europa para resgatar o filho desta do clima de perversão e libertinagem em que ele vive – o modelo para a intriga de The Talented Mr. Ripley torna-se, assim, evidente.
Contudo, o que o tema da deslocação geográfica põe aqui em relevo é, tal como em várias das obras de James, a estranha descoincidência entre os seres humanos e o quadro espácio-temporal em que eles se percebem como, justamente, personagens, ou, por outras palavras, entre a realidade mental e a realidade física, contingente, do mundo. Minghella refere James como uma influência decisiva na construção do filme; podemos adivinhar que essa influência não é só temática (como o fora essencialmente para Highsmith), como se verifica mesmo ao nível da forma, manifestando-se no jogo complexo entre as figuras humanas e os espaços em que habitam e as situações que experienciam. Este jogo motiva algumas experiências formais relevantes, com questões de percepção e de focalização, de que é um exemplo particularmente eloquente o plano dos binóculos a que já aludi. De James, mais do que de Highsmith, Minghella toma o interesse pela psicologia das personagens e a capacidade de as explorar menos através da explicitação do que da sugestão. Isto permite-lhe, por ínvios caminhos, ancorar o filme numa certa tradição do melodrama cinematográfico, em que o verdadeiro sentido das coisas se atinge essencialmente através de processos do domínio do simbólico.
Talentoso homem sem qualidades
Pouco depois de conhecer Ripley, Dickie pergunta-lhe se ele tem algum talento. “Falsificar assinaturas, mentir, imitar praticamente toda a gente” é a resposta. Dickie adverte Ripley de que ninguém deveria ter mais do que um talento. No romance de Highsmith, porém, a lista é ainda mais extensa:
I can do a number of things – valeting, baby-sitting, accounting – I’ve got an unfortunate talent for figures. No matter how drunk I get, I can always tell when a waiter’s cheating me on a bill. I can forge a signature, fly a helicopter, handle dice, impersonate practically anybody, cook – and do a one-man show in a nightclub in case the regular entertainer’s sick. (49, ênfase minha)
E contudo, tanto no filme como no livro, Ripley é muitas vezes caracterizado como um homem sem qualidades. No filme, aliás, este diálogo tem lugar imediatamente depois de Ripley revelar não saber preparar um Martini, na primeira de uma série de sequências em que cresce o número de tarefas que o talentoso protagonista não sabe ou não consegue realizar. O livro e o filme reiteram que o único verdadeiro talento de Ripley é “for figures”, isto é, para a representação, e que poucas coisas que escapem a esse domínio estão ao seu pleno alcance.
Num passo de A Double Life (Abraço Mortal, 1947), de George Cukor, o protagonista define-se como um “actor real”. O desenvolvimento do filme (a identidade precária deste homem subsume-se na personagem de Otelo que ele interpreta na Broadway, e, tal como a criação de Shakespeare, ele acaba por sentir ciúmes, por matar e por morrer, dentro e fora do palco) demonstra que estas palavras não significam realmente que este homem é um actor de profissão; significam antes, num segundo nível de sentido, que a sua realidade é ser actor, ou seja, que a representação é a sua única realidade. O filme de Cukor acaba assim por documentar o triunfo da representação sobre uma realidade prévia e autónoma através da instalação de um regime de promiscuidade total entre elas. Encontram-se semelhanças entre esta personagem de Cukor e Tom Ripley, na medida em que o último, se não entrar no domínio da representação (da “impersonation”), não tem nenhum talento através do qual se possa realizar enquanto humano. Esta vocação para a inexistência, ou para uma existência enquanto unicamente persona ou máscara, é contemplada no romance de Highsmith quando, depois de Ripley assassinar Dickie e assumir a sua identidade, se diz que era “estranhamente fácil esquecer o timbre exacto da voz de Tom Ripley” (106), ou ainda noutro passo em que se avança a ideia de que Ripley é “apenas um nada” (107).
O título The Talented Mr. Ripley aponta justamente para o único meio através do qual esta personagem pode existir no mundo: empregando os seus talentos, que consistem somente em “figures”, isto é, em não ser ele mesmo. O ponto fulcral é que Ripley objectiva a situação aparentemente incompatível de ser em simultâneo um “homem sem qualidades” e um “homem talentoso”. Ele não tem qualidade alguma para além de um único talento que, não obstante a utilidade prática de lhe permitir “get away with murder”, o sentencia a uma espécie de não existência na primeira pessoa, porque o condena a outrar-se perpetuamente. Talvez ainda mais do que Highsmith, Minghella foi sensível à profunda incongruência existencial de Ripley.
No romance de Highsmith, esta espécie de vazio ontológico da personagem está na base de um certo niilismo, de uma amoralidade ou de um esvaziamento ético, que provocam um efeito de leitura particular. Trabalhando o distanciamento, a autora parece limitar ao leitor o espaço para sentir empatia por aquele mundo e por aquelas personagens. Por seu turno, o filme de Minghella explora a via de uma psicologia estetizada, não reduzida a binómios simples, e em última instância próxima do âmbito do melodrama, tanto ao nível dos temas (a imitação da vida, problemas de classe, relações familiares, amores não correspondidos, sofrimento e sacrifício) como, em particular – e já aflorei brevemente este aspecto aqui –, ao nível do tratamento formal e estético desses temas.
Psicopata, homossexual, melodramático
Na concepção do filme enquanto melodrama identitário, o trabalho operado sobre a homossexualidade de Ripley é essencial, e por razões que não são evidentes. O tópico da homossexualidade já era mencionado no romance de Highsmith. Depois de Dickie surpreender Ripley no seu quarto a olhar-se ao espelho envergando as suas roupas, a suspeita da homossexualidade de Tom é brevemente discutida, chegando-se, no entanto, à confortável conclusão de que, no fim de contas, ele não é homossexual. Noutros pontos da narrativa, duas personagens secundárias, Marge e Freddie, explicitam também a sua desconfiança em relação à sexualidade do estranho amigo. No entanto, Tom afirma em diversos momentos que não é homossexual. Esta negação, porém, não obsta a que, num romance narrado na terceira pessoa, mas claramente focalizado em Ripley, os homens sejam qualificados como “attractive” (120) ou “handsome” (138). Nem impede que, por exemplo, depois de ver Dickie e Marge a beijarem-se ao longe, Tom Ripley tenha uma crise de ciúmes e alucine matar Marge como se ele fosse Dickie, dizendo: “You know why I had to do that […] You were interfering between Tom and me” (68).
Jamesianamente, nunca se clarifica a razão do fascínio de Tom Ripley por Dickie no romance. A aspiração de classe e o apelo de um modo de vida livre e requintado, que são certamente factores significativos, não o explicam inteiramente. A paixão de Ripley por aquele homem é indubitável, mas os seus contornos não são explicitados, e os equívocos em torno da identidade sexual de Ripley favorecem uma interpretação que encontre na sua psicopatia uma consequência da homossexualidade reprimida.
Anthony Minghella comentou em entrevista que, no seu filme, a psicopatia de Ripley é independente da sua homossexualidade, e de forma alguma uma consequência desta (Minghella 60-61). O filme evidencia a homossexualidade de Ripley desde muito cedo, numa cena de sedução em que este propõe a Dickie partilharem a banheira. E num outro momento posterior, antes de matar Dickie, Ripley chega a acusar o amigo de não assumir que o deseja também.
Na parte final do filme, Ripley desenvolve um relacionamento amoroso com Peter Smith-Kingsley, num passo em que Minghella torna efectiva uma sugestão aparentemente anódina contida no romance, na qual Peter (aí uma personagem terciária) convida Tom para passar uns dias na sua casa na Irlanda.
No filme, é esta personagem secundária que materializa a pulsão melodramática da narrativa. No relacionamento com Dickie, Tom Ripley – o actor real – fora vítima de (con)fusão dos amantes, em que o desejo de possuir o outro intersecta, em termos dificilmente apreensíveis, o desejo de ser o outro. Com Peter, ele aprende as lições (melodramáticas, é claro) do amor e da abnegação. Ele adquire, em suma, uma nova humanidade – e note-se que este potencial salvífico do amor homossexual opõe-se completamente ao tratamento da sexualidade no romance, se valorizarmos a ideia de que em Highsmith a psicopatia de Ripley parece poder ser um efeito da sua homossexualidade. Em Minghella, Peter Smith-Kinglsey encarna a estabilidade, a possibilidade de fuga ao domínio da representação e da entrega à verdade nua dos afectos. Em suma, ele exprime a possibilidade de um happy ending em que ser Ripley é para Tom uma condição desejável.
No final do filme, após conseguir – através da aplicação do seu talento para o engano – ilibar-se da culpa de todos os crimes que cometeu, Tom Ripley viaja com o seu companheiro num navio em direcção à Grécia. Encarando o céu e o mar, o casal abraça-se. Tom pergunta: “Sabes o que gostaria de mudar neste momento?”, apressando-se a responder ele mesmo: “Nada”. Estas linhas de diálogo de aparência perigosamente esvaziada são, na verdade, centrais na economia dramática do filme, pois marcam o primeiro momento em que Tom não deseja alterar a realidade que está a viver enquanto Tom Ripley. Ao contrário do que sucede no romance, em cujo final Ripley perversa e orgulhosamente assume “a sua liberdade e a de Dickie combinadas” (258), aqui insinua-se a possibilidade de um cenário futuro em que Ripley poderá viver liberto da assombração de Dickie, e disponível para ser, inteiramente, apenas ele mesmo.
Contudo, este cenário não se realiza porque, no mesmo navio, Ripley reencontra a Meredith Logue que conhecera na viagem para Itália, para a qual ele não é Tom, mas sim Dickie. Não podendo eliminá-la, uma vez que ela está acompanhada por outras pessoas que também o conhecem enquanto Dickie, Ripley vê-se obrigado a assassinar o único homem que ama, e que o ama de volta como quem ele é realmente (Meredith também o ama, mas como Dickie Greenleaf – o que denuncia um parentesco entre ela e Scottie Ferguson, de Vertigo [A Mulher que Viveu Duas Vezes, 1958]), para poder continuar a perpetuar a teia de mentiras em que se enredou, ou melhor, para poder continuar a viver usando os seus talentos, ou melhor ainda (e em termos adequadamente jamesianos), para poder continuar a viver a vida não vivida que o seu “unfortunate talent” lhe destinou.
Antes de matar Peter, Ripley diz-lhe – estando, na verdade, a falar consigo mesmo – que permanecerá sozinho e que jamais será encontrado. Diz-lhe ainda a frase que, segundo Minghella, é o emblema deste filme, e que, quanto a mim, compreende o essencial da sua força melodramática (e que, com outro tratamento, poderia ser trágica): “I always thought it’d be better to be a fake somebody than a real nobody”. Perplexo, Peter responde a única coisa que se pode responder a alguém que se ama: “You’re not a nobody”, e, enquanto enumera as qualidades de Tom Ripley na terceira pessoa (“Tom is talented, Tom is tender, Tom is beautiful…” [fina ironia no momento em que Tom está a ser condenado a voltar a assumir o papel de Dickie Greenleaf, sendo assim sentenciado a não mais poder existir na primeira pessoa]), é asfixiado por ele. Sugere-se que, com Peter, morrem todas essas qualidades de Ripley que não têm relação com o seu “talent for figures”, e, consequentemente, com Peter morre a possibilidade de Ripley poder desvincular-se do seu lamentável talento para se outrar. Tanto no enquadramento noir do livro como no enquadramento melodramático do filme, Tom Ripley está condenado a ser um cavelliano “homem desconhecido”.
Referências
Highsmith, Patricia. 1999. The Talented Mr. Ripley. London: Vintage.
Minghella, Anthony. 2013. Interviews (ed. Mario Falsetto). Jackson: University Press of Mississippi.