1.º La mort de Louis XIV (A Morte de Luís XIV, 2016) de Albert Serra – 56 pontos; 2.º Paterson (2016) de Jim Jarmusch – 49 pontos; 3.º The Lost City of Z (A Cidade Perdida de Z, 2017) de James Gray – 42 pontos; 4.º A Fábrica de Nada (2017) de Pedro Pinho – 41 pontos; 5.º Good Time (2017) de Benny Safdie e Joshua Safdie – 37 pontos; 6.º Little Men (Homenzinhos, 2016) de Ira Sachs – 35 pontos; 7.º Geu-Hu (O Dia Seguinte) de Hong Song-soo – 34 pontos; 8.º Toivon tuolla puolen (O Outro Lado da Esperança, 2017) de Aki Kaurismäki – 25 pontos; 9.º Aquarius (2016) de Kleber Mendonça Filho – 25 pontos; 10.º Ma Loute (2016) de Bruno Dumont – 24 pontos.
Este ano mudámos as regras do top: não houve espaço para ex aequos. Temos, portanto, pela primeira vez desde que há À pala de Walsh, exactamente dez filmes no(s) nosso(s) top(s). Este top 10 final espelha a diversidade de proveniências do grande cinema: 4 filmes norte-americanos, 4 europeus, 1 asiático e 1 sul-americano. Destes, temos de destacar, desde logo, o mais votado dos filmes deste ano: La mort de Louis XIV de Albert Serra. Esta obra, de co-produção portuguesa (pela Rosa Filmes), foi por três vezes eleita, entre os nossos walshianos, a melhor de 2017. A passagem do filme de Albert Serra não se ficou pelas salas de cinema, tendo chegado a Portugal também sob a forma de performance e exposição em galeria. Recordamos ainda que, aquando da exibição do filme anterior de Albert Serra, Història de la meva mort (História da Minha Morte, 2013), o À pala de Walsh publicou uma picante entrevista. Por falar em regressos acarinhados, Jim Jarmusch volta ao top do À pala de Walsh, depois de em 2014 ter chegado ao quarto lugar com Only Lovers Left Alive (Só os Amantes Sobrevivem, 2013). Paterson chega ao segundo lugar, mas não é o único filme norte-americano desta lista, nem tão-pouco o único repetente: James Gray, que nesse ano de 2014 ficara em segundo lugar por causa de The Immigrant (A Emigrante, 2013), coloca The Lost City of Z em terceiro lugar. Nesse filme, ganhou relevo a interpretação de Robert Pattinson.
Terá sido Robert Pattinson o actor do ano? É que também ele protagoniza Good Time, a mais recente obra dos irmãos Safdie, a primeira da dupla a estrear-se comercialmente em Portugal desde que há À pala de Walsh – entrevistámos os irmãos em 2014 a propósito de um filme seu que nunca se chegou a estrear comercialmente por cá. Ira Sachs e o seu delicado drama Little Men é o último filme norte-americano da lista. A Europa, na nossa lista, fala menos francês do que em anos anteriores. O mapa diversifica-se: para lá do primeiro lugar, espanhol/catalão, temos um filme português em lugar de respeito – A Fábrica de Nada ocupa o quarto lugar -, um filme finlandês – Aki Kaurismäki com Toivon tuolla puolen está em oitavo lugar, depois de com Le Havre (2011) ter chegado ao segundo lugar no nosso top 2012 -, um, apenas um, filme francês – Bruno Dumont com Ma Loute que ocupa o décimo lugar. Por fim, o sul-coreano Hong Sang-soo, o único realizador que teve dois filmes em posições cimeiras nos nossos tops (no ano passado e em 2013), chega ao sétimo lugar com Geu-Hu. E destaca-se outro realizador querido deste site: Aquarius do brasileiro Kleber Mendonça Filho, com porventura a actriz do ano, Sónia Braga, fica em nono lugar.
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La mort de Louiss XIV poderia ser o díptico de Història de la meva mort (História da Minha Morte, 2013), porque é a precisão do tempo cinematográfico que age e transforma a imagem. |
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Terminei o balanço do ano passado pedindo que o ano de 2017 fosse pelo menos tão bom como o que então passava. E não é que o sacana me ouviu? Logo na primeira metade de Janeiro estrearam dois filmes que entraram no meu top e de lá não mais saíram. Falo do comovente Little Men de Ira Sachs, em que os meninos brincam lá fora e os adultos guerreiam pelos espaços interiores, as casas, e falo do filme do ano, La mort de Louis XIV. A entrada na maturidade de Serra, o fim de um ícone do cinema moderno, Leáud, o humor na pura obscuridade. Como é difícil esquecer este filme que ainda sussurra Rossellini mas já nos faz confundir o peso com a graça, a leveza com a cor, o fim com um início qualquer. Depois escolhi dois filmes que lutam contra uma ideia qualquer de materialismo como life coaching, obras que trabalham sobre a apologia da simplicidade como filosofia de vida, de quotidiano, de criação. É a poesia de Jarmush em Paterson e as palavras cruzadas, os cactos, os cágados, os sorrisos (para espectador ver) de Harry Dean Stanton em Lucky. Outro par de filmes de que gostei muito são, por sua vez, construídos sobre a agitação, o excesso, o estar a caminho de algum sítio. É o falso desnorte da dança, do sexo, das festas ejaculatórias de uma juventude portuguesa entre a universidade e o incerto futuro profissional no Verão Danado do Pedro Cabeleira. E é, com esse irónico título, Good Time, o desesperado after hours dos irmãos Safdie, numa tocante e interminável noite em que irmão se sacrifica por irmão. |
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E ainda: Geu-hu de Hong Sang-soo; Plemya de Myroslav Slaboshpytskyi [Close-up: Observatório]; Nos Interstícios da Realidade ou o Cinema de António de Macedo de João Monteiro; Paterson de Jim Jarmusch; Split de M. Night Shyamalan; Mother! de Darren Aronofsky; The Lost City of Z de James Gray; I Am Not Your Negro de Raoul Peck; Toivon tuolla puolen de Aki Kaurismäki ; David Lynch – The Art Life de Jon Nguyen, Olivia Neergaard-Holm, Rick Barnes; Ma’ Rosa de Brillante Mendoza; Eshtebak de Mohamed Diab; Annabelle 2 de David F. Sandberg; Dog Eat Dog de Paul Schrader; Detroit de Kathryn Bigelow; Happy Death Day de Christopher Landon; Personal Shopper de Olivier Assayas; The Autopsy of Jane Doe de André Øvredal; It Comes at Night de Trey Edward Shults. O pior: Albert Serra [Palácio Pombal]; Centro Histórico de Aki Kaurismäki, Manoel de Oliveira, Pedro Costa, Víctor Erice; 3X3D de Edgar Pêra, Jean-Luc Godard, Peter Greenaway; Colossal de Nacho Vigalondo; Baby Driver de Edgar Wright; Tom of Finland de Dome Karukoski; Grave de Julia Ducournau: Ah-ga-ssi de Park Chan-wook; Dunkirk de Christopher Nolan. Por outro lado: Twin Peaks de David Lynch; Albert Serra [Cinemateca Portuguesa, Galeria Graça Brandão]; Jeannette, l’enfance de Jeanne d’Arc de Bruno Dumont; O Cinema de Pere Portabella [Cinemateca Portuguesa]; Retrospectiva Věra Chytilová [Cinemateca Portuguesa, doclisboa]; Home de Fien Troch [IndieLisboa]; Ku Qian (2016) e Fang Xiu Ying ambos de Wang Bing [doclisboa]; Hounds of Love de Ben Young [MOTELX]; Super Dark Times de Kevin Phillips; Dangsinjasingwa dangsinui geot e Bamui haebyun-eoseo honja, ambos de Hong Sang-soo; El Invierno de Emiliano Torres, O Peixe de Jonathas de Andrade [Mostra de Cinemas Ibero-americanos]; Anchiporuno de Sono Sion; Yoru wa mijikashi aruke yo otome de Masaaki Yuasa; Nagai iiwake de Miwa Nishikawa; Chang-ok’s Letter de Shunji Iwai; Umi yori mo mada fukaku de Hirokazu Koreeda. |
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Só me apercebi recentemente: tinha a sensação de que 2017 havia sido um bom ano de cinema, provavelmente pelas muitas e boas estreias que tive oportunidade de ver fora do circuito comercial (festivais, mostras) – ou terá sido, simplesmente, porque vi, no herético ecrã do portátil, uma data de magníficos filmes de outros tempos?… Seja como for, eis que, chegado ao balanço, constato a minha decepção, de tal forma que, pela primeira vez, cheguei a ponderar uma selecção de menos de dez títulos. À medida, porém, que fui contabilizando devidamente as coisas, encontrei dez filmes que, por diferentes vias e com diversas motivações, têm importantes coisas para nos dizer. Ou, pelo menos, para me dizerem a mim – e estas seriações, se forem importantes para alguém, são-no, acima de tudo, para nós próprios, nós que mapeamos grande parte dos nossos afectos, relações e memórias, enfim, que relacionamos aquilo que nos aconteceu durante o ano (durante a vida…) com as imagens que vemos na sala. Não são “os melhores filmes do ano” (isso interessa-me tanto como os livros recomendados pelo Mark Zuckerberg); são os filmes do meu ano. |
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É curioso que o meu top 10 deste ano seja encabeçado pelo realizador com que terminava a minha lista do ano passado: Ira Sachs, agora com Little Men, e antes com Love is Strange (O Amor é Uma Coisa Estranha, 2014). No fundo, é como se as duas listas tivessem uma continuação invisível, natural, harmoniosa. Também é uma conjugação interessante que os títulos dos meus favoritos sugiram uma espécie de duelo entre a luz (O Outro Lado da Esperança, Fai bei sogni, Lucky) e as trevas (La mort de Louis XIV, Silence). Foi por entre as duas coisas – portanto, no lusco-fusco – que encontrei os melhores momentos deste ano cinematográfico, muitos deles alicerçados em personagens singulares. Ver Jean-Pierre Léaud enfrentar a câmara em La mort de Louis XIV, como enfrentou em Les quatre cents coups (a memória do seu rosto de criança nesse filme de Truffaut), só é comparável ao mesmíssimo lance de Harry Dean Stanton em Lucky. São instantes absolutos, em filmes para lá de diferentes – desde logo pela opulência de um e o despojamento do outro –, mas que observam os gestos de dois homens com idêntico magnetismo. Por falar em homens, e voltando então ao realizador com que começámos este texto, Ira Sachs, o seu Little Men será o filme de uma amizade juvenil maravilhosamente retratada, com a delicadeza que evoca o modo como Ozu filmava vasos ou cafeteiras de chá. São corpos movidos por uma força romântica, observados na subtileza da(s) forma(s). (Texto originalmente publicado na revista Metrópolis.) |
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O ano cinematográfico, que começou praticamente com um novo Urso de Ouro em Berlim para uma curta portuguesa, tem de ser considerado como positivo para o cinema português, não só ao nível de prémios conquistados, mas também pela qualidade das obras: além de A Fábrica de Nada e El Dorado XXI, também Verão Danado, Ama-San e São Jorge deixaram boas memórias. No niilismo partilhado entre o filme de Pedro Pinho e Verão Danado, nesse “mergulho” apaixonado e apaixonante sobre estados de indefinição, cabem versões tão diferentes e com tantos pontos em comum sobre o que pode ser um país e um cinema. Foi também um bom ano para o cinema europeu, com filmes como Toni Erdmann, Plemya, Lady McBeth e The Square. E foi um ano notável para o cinema independente americano, com títulos como, além dos quatro que escolhi, Moonlight, Get Out, The Lost City of Z. A confirmar a surrealidade recente, pode-se até afirmar que, em 2017, o vencedor do Óscar para Melhor Filme foi bem melhor que o vencedor da Palma de Ouro em Cannes. |
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Em termos de estreias comerciais, 2017 foi estranho (no que toca a reposições foi bastante forte, como aliás os últimos três ou quatro anos). Por um lado, esta lista inclui quase todos os filmes de que gostei. Deixei muito pouca coisa de fora o que, embora não tenha visto alguns dos filmes que aparecerão noutras listas, poderia indicar um ano fraco. Por outro, os três primeiros classificados da minha lista são de tal forma extraordinários (arriscaria escrever que Lost City of Z é uma obra-prima) que deixarão uma memória bastante positiva de 2017. Os que se lhe seguem também não são maus (sobretudo Logan Lucky). |
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Visto com o comentário em over de Frémaux, Lumière! é interessante. Visto em silêncio, é uma séance. Tal como aconteceu com Górki no início, a realidade das imagens volta a perturbar, escandalizar e espantar. Acima de tudo, no momento de escolher “os melhores filmes do ano”, Lumière! torna evidente que o conceito de filme é insuficiente para lidar com o carácter oceânico do cinema. Um filme (entendido como cinema) não tem quadro, não é uma coisa com tempo ou espaço, não acontece entre a primeira e a última imagem, nem na tela ou no ecrã. É mental, acontece em nós, onde não há coordenadas ou leis. Por isso, esta lista não foi concebida como uma tentativa de esclarecimento, mas sim como uma celebração da natureza gasosa, imprecisa e elusiva da experiência do cinema. |
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Foi um ano com vários bons filmes. Isso fez dele um bom ano de cinema? Não forçosamente. O nível médio foi relativamente alto, mas houve poucos picos de entusiasmo. Num ano sem uma única obra-prima, houve, ainda assim, propostas arrojadas de cinema. Darren Aronofsky (o único filme do ano que me deixou estarrecido, sem saber se ria ou gritava), os irmãos Safdie (electricidade pura) e Pedro Cabeleira (electricidade pura, danada) são os que levam mais longe uma ideia destrutiva de festa. O filme de Campillo, celebração do amor como activismo e do activismo como amor, é também um tratado sobre a morte e a vida, o filme mais difícil de ver – e mais fácil de sentir – do ano. A morte é também o assunto central em O Futebol – pequeno e comovente filme vindo do Brasil -, La mort de Louis XIV – filme de um rigor formal extraordinário com a assinatura de Albert Serra – e Une vie – cineasta a continuar a seguir bem de perto, Stéphane Brizé. Uma nota especial para a viagem encantatória, embalada também ela pela morte, de James Gray. Por outro lado, Split é um filme-puzzle eivado de um muito old fashioned sentimento e prazer lúdico (devedor de Tourneur). Por fim, I Love You, Daddy é uma comédia agridoce que nos mete num quadrado onde a gargalhada ganha a densidade de uma culpa quase trágica. |
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A vida moderna é variada. Os filmes estreados em Portugal durante 2017 não dão de modo absoluto conta disso, mas também não seria razoável exigir que assim fosse. Deixo uma selecção branda e branda será provavelmente qualquer selecção que se ofereça do banquete deste ano. Esta lista, motivada por humores pessoais, deve também muito à contingência. Uma mão cheia dos filmes que por cá estrearam ficou, no meu caso, por ver. A vida moderna é variada, mas quase nunca fácil. Ainda assim, nela se encontra muitas vezes alguma beleza. Salve-nos isso. Se ao cinema chegámos sossegados, do cinema nem sempre saímos sossegados. Com mais ou menos respostas, que ao menos algum arrebatamento nos tenha acometido. Paterson: Morning, Donny. Donny: Ready to roll, Paterson? Paterson: Yeah. Everything okay? Donny: Well, now that you ask, No, not really. My kid needs braces on her teeth, my car needs a transmission job, my wife wants me to take her to Florida but I’m behind on the mortgage payments, my uncle called from India and he needs money for my niece’s wedding and I got this strange rash on my back. You name it, brother. How about you? Paterson: I’m okay. |
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E porque o cinema não é só filmes com mais de uma hora, nem filmes que têm distribuição comercial, deixo outros 13 (!) grandes filmes que se puderam ver por por cá durante este ano. Bom proveito. Depressive Cop (2016) de Bertrand Mandico
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Em 2017, o meu Top Ten entre as salas comerciais reúne filmes que se destacam pela construção de nova linguagem (Lucky e IT), pela sua depuração narrativa (Good Times e Lost City of Z), pela sua intervenção política sobre o presente (A Fábrica de Nada, Get Out, O outro lado da Esperança e War for the Planet of the Apes) ou pela meditação sobre o gesto criador (Paterson e O Dia Seguinte). |
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Pediu-me a comissão de gestão deste estaminé que lhe fizesse chegar o meu top 10 de 2017. Como facilmente se poderá constatar, o pedido foi aceite (entre lágrimas de júbilo de parte a parte), tal como aceite foi a exigência de complementar esse top com um extenso comentário da minha própria autoria sobre a crise do cinema contemporâneo (a editar a título póstumo em três tomos pelas Éditions du Ennui). Infelizmente, jantei esta noite com um robalo que não me assentou bem nas entranhas, e perdi a pouca vontade que ainda tinha de me dedicar a esse magno projecto. Em vez disso, limitar-me-ei preguiçosamente a fazer notar que, em 1957, quem chegava ao final do ano encontrava atrás de si (entre muitos outros) os seguintes títulos: O Grito (Antonioni); Morangos Silvestres e O Sétimo Selo (Bergman); Um Rei em Nova Iorque (Chaplin); As Noites de Cabíria (Fellini); A Águia Voa ao Sol e Ao Cair da Noite (Ford); Um Rosto na Multidão (Kazan); Donzoko e Trono de Sangue (Kurosawa); 12 Homens em Fúria (Lumet); O Grande Amor da Minha Vida (McCarey); Tokyo Twilight (Ozu); A Noite do Demónio (Tourneur); Noites Brancas (Visconti); Testemunha da Acusação (Wilder). Estou em crer que, para o bom entendedor de um escriba molestado por um robalo, isto servirá à laia de comentário crítico do ano da graça de 2017. (Texto originalmente publicado na revista Metrópolis.) |