Em conversa com Marc Maron para o podcast WTF, Noah Baumbach diz ter-se inspirado no avô paterno Harold, um pintor “que conseguiu sempre escapar-se ao sucesso”, ao criar a personagem de Danny Meyerowitz, o escultor interpretado por Dustin Hoffman em The Meyerowitz Stories (New and Selected) (2017). Ao que parece, Noah foi ensinado, desde tenra idade, a venerar a obra de Harold, cuja genialidade passava ao lado de quase todas as pessoas que não se chamavam Baumbach.
Vendo-se sem a parceira criativa dos seus dois filmes mais interessantes dos últimos tempos – Frances Ha (2012) e Mistress America (Mistress America – Quase Irmãs, 2015), co-escritos com Greta Gerwig, lançadíssima numa carreira a solo como realizadora -, Baumbach regressa a um tema que conhece bem: o ajuste de contas com um membro da sua família. Depois do pai [The Squid and the Whale (A Lula e a Baleia, 2005)] e da mãe [Margot at the Wedding (Margot e o Casamento, 2007)], vira-se agora para o avô. Ou este talvez seja apenas um pretexto para voltar a falar das desilusões, mal-entendidos e demais falhanços nas relações entre pais e filhos. A maior diferença de The Meyerowitz Stories em relação aos filmes anteriores é o destaque dado aos irmãos perdidos na escuridão da enorme sombra projectada pela figura patriarcal do grande artista incompreendido.
The Meyerowitz Stories é uma espécie de The Royal Tenenbaums sem os enquadramentos perfeitos, a estetização da depressão e as canções escolhidas a dedo do filme de Wes Anderson.
Demonstrando mais uma vez a perícia na escolha de actores, Noah Baumbach recruta à comédia esparvoada Ben Stiller e Adam Sandler (cuja presença surpreenderá somente aqueles que se esqueceram dos filmes de Paul Thomas Anderson, James L. Brooks e Judd Apatow em que participou) e resgata a espantosa Elizabeth Marvel ao anonimato dos papéis secundários televisivos. Os três compõem a desirmanada prole Meyerowitz: o mais novo, que “escapou” para Los Angeles, bem sucedido, endinheirado; o mais velho, divorciado, músico falhado que dedicou boa parte da vida adulta a tomar conta da filha; a irmã, apagadíssima, quase sempre deixada num canto, esquecida. A prole reúne de novo à volta do leito do pai negligente, invejoso, narcisista e egocêntrico, hospitalizado num estado aparentemente terminal. Para completar o ramalhete, o realizador nova-iorquino recupera ainda actores incompreensivelmente desaparecidos do cinema norte-americano: Candice Bergen, Judd Hirsch, Emma Thompson, até Dustin Hoffman.
The Meyerowitz Stories é uma espécie de The Royal Tenenbaums (The Royal Tenenbaums – Uma Comédia Genial, 2001) sem os enquadramentos perfeitos, a estetização da depressão e as canções escolhidas a dedo do filme de Wes Anderson, descobrindo o humor em momentos de desespero (a doença e morte iminente de um ente querido; o abuso sexual à irmã) e carregando no absurdo de certas situações (o casaco roubado no restaurante; os filmes excessivamente sexualizados da filha de Sandler). A história é similar, mas a câmara salta de uma personagem para a outra à procura da próxima deixa sobre erros do passado, falhas presentes e ilusões futuras, recorrendo sobretudo à simplicidade do campo/contra-campo.
O resultado é mais disperso e menos contundente do que em The Squid and the Whale, ainda o filme mais “perfeito” de Noah Baumbach (não necessariamente o melhor). Contundo, não se compreende a desconsideração dos distribuidores portugueses. Ou que filmes como este apenas sobrevivam graças a plataformas como a Netflix, facto provavelmente mais sintomático dos tempos correntes.