Actriz promissora relevada nos anos 20, durante o período mudo, Maria Emília Castelo Branco desapareceria com a chegada do cinema sonoro. Ainda assim, trabalhou com os principais realizadores do cinema português da década de 1920 e conquistou reconhecimento em Portugal e no Brasil, como comprova a capa do número 237 da revista brasileira A Scena Muda, de 8 de outubro de 1925. A crítica francesa ter-lhe-á chamado de “Francesca Bertini portuguesa” (uma das célebres Trágicas do Silêncio de António Ferro) e em Lisboa terá sido considerada a “Ana Magnani portuguesa”.
Estreou-se como actriz de cinema em O Destino (1922), num dos filmes de viragem na história da Invicta Film, realizado por Georges Pallu e que assinala também a única participação de Palmira Bastos no cinema (que desempenha o papel de mãe de Maria Emília), num enredo que cruza drama, suspense e viscondessas desonradas que regressam de terras brasileiras.
Nos primeiros meses do ano seguinte, trabalharia nas duas produções da aventura de Virgínia de Castro e Almeida enquanto produtora da Fortuna Films, ambos realizados por Roger Lion: a sua prestação em A Sereia de Pedra (1923), onde contracenou com um jovem promissor actor chamado Arthur Duarte, dar-lhe-ia algum destaque na imprensa portuguesa, como destaca Félix Ribeiro: “actriz dotada de excepcional fotogenia”; em Os Olhos da Alma (1923), o primeiro drama do cinema português ambientado na Nazaré, a jovem actriz teria um papel mais discreto.
Em 1925, Maria Emília Castello Branco viaja por Inglaterra e França, supostamente para filmar e para visitar os estúdios de cinema desses países, acabando o ano no Brasil. Em Setembro e Outubro está no Rio de Janeiro, por ocasião da estreia carioca de O Destino (A Sereia de Pedra havia estreado a 8 de Junho desse mesmo ano), onde é apresentada na imprensa como “estrela de cinema ‘double’ e mulher de letras” e onde proferiu duas conferências no Instituto Nacional de Música, uma dedicada ao fado e outra à arte cinematográfica. A revista feminina Única anunciava mesmo que “a jovem, formosa e inteligente artista que tendo filmado em Paris veio ao Rio organizar uma companhia de films nacionais”.
A jovem actriz voltaria ao cinema em 1927, para o mais célebre projecto cinematográfico do enigmático Repórter X, o filme de mistérios O Táxi N.º 9297 (1927). Logo de seguida, seria dirigida por Rino Lupo em O Diabo em Lisboa (1928), numa versão do mito lisboeta da Severa adaptada pelo realizador italiano, onde a jovem actriz interpreta precisamente a protagonista Severa. O filme nunca estrearia comercialmente e rezam as más línguas que o resultado foi tão mau que o próprio produtor, Artur da Costa Macedo, terá destruído deliberadamente os negativos do filme. Seria também com Rino Lupo que encerraria a sua carreira cinematográfica como actriz, interpretando a delicada Maria Genoveva em José do Telhado (1929), a transposição ao cinema das aventuras do célebre bandoleiro português.
Nos meses seguintes, sem se conhecer as razões, Maria Emília Castello Branco abandonaria a carreira de actriz para se tornar produtora de cinema, na casa de produção Mello, Castello Branco, Limitada, empresa em que o seu pai era um dos sócios e que assegurara já o lançamento de filmes como Fátima Milagrosa (1927, Rino Lupo).
A nova casa produtora lançaria novos e ambiciosos projectos poucos meses depois: A Dança dos Paroxismos (1930) de Jorge Brum do Canto; A Portuguesa de Nápoles (1931) de Henrique Costa e Tragédia Rústica (1931) (que assinala a estreia do actor de teatro Alves da Cunha na realização), para além de outros trabalhos documentais de cariz turístico ou de actualidades [por exemplo: Açores (1930); Azeitão e Arredores de Setúbal (1930); Como vive em Berlim Arthur Duarte (1930); Cultura da Cortiça em Portugal (1930); Exposição Agrícola, Pecuária e Industrial da Madeira (1930); Exposição Canina Internacional de Lisboa (1930); Tomar (1929); Total – Experiências Práticas de Extintores de Incêndio (1929); 13 de Maio (Fátima) (1927); Uma Tenta em Vila Nova da Rainha (1930); Uma Tosquia na Ilha da Madeira (1929)], à semelhança do que acontecia com a maioria das produtoras de cinema em Portugal nestas décadas. Entre as dezenas de filmes desta produtora, merece particular destaque a curta Conservas de Atum (1929), um filme com sequências de animação que publicitava as sardinhas e atum em conserva “no mais fino azeite” produzidas pela própria Mello, Castello Branco, Lda!
O primeiro projecto em que se envolveria seria A Castelã das Berlengas (1930), realizada pelo estreante António Leitão, que deixava de ser redactor d’O Século para se aventurar no cinema, e que aqui regista as primeiras imagens aéreas (filmadas a partir de um avião) do cinema português. A direcção de fotografia era assegurada pelo promissor jovem madeirense Manuel Luís Vieira, que chegava ao continente depois de uma interessante actividade cinematográfica na Madeira (realizador de O Fauno das Montanhas e A Calúnia, ambos de 1926), e que por estes anos se tornaria um colaborador regular de Maria Emília Castello Branco.
No final dos anos 40, depois de quase duas décadas de aparente apatia mediática, Maria Emília Castello Branco tentou voltar ao activo como produtora de um projecto sobre o rio Douro. A 30 de Setembro de 1948, o Diário de Coimbra noticiava que a longa-metragem A Tragédia seria a primeira produção da Fundação Cultural Pátria Filmes, uma pequena produtora fundada na cidade do Porto por Maria Emília Castelo Branco. O titulo completo do projecto seria revelado meses mais tarde pelo Boletim da Casa do Douro, em extenso artigo onde apresentava também os propósitos da obra e dos seus promotores: A Tragédia das Terras do Douro.
As primeiras rodagens foram feitas no Outono de 1948, aproveitando as famosas vindimas durienses, mas o projecto estagnou por falta de recursos financeiros. Para completar a rodagem do filme, Maria Emília Castello Branco pediu apoio financeiro ao Secretariado Nacional de Informação (SNI), enviando uma carta dirigida directamente a António Ferro em Maio de 1949. Para dar “peso” ao projecto, a produtora propunha a contratação dos experientes Perdigão Queiroga para a realização e Artur Costa Macedo e António Mendes [o operador de câmara de Douro, Faina Fluvial (1931) e Aniki-Bobó (1942)] como operadores de câmara. Para as interpretações, também se contratariam nomes de prestígio do cinema português: Madalena Soto, Brunilde Judice, João Villaret, Maria Olguim, Virgílio Teixeira, Vasco Santana, Robles Monteiro, Erico Braga, Óscar de Lemos e Laura Alves davam notoriedade a um elenco encabeçado pela própria Maria Emília Castello Branco. Como atracções musicais, eram apresentadas as irmãs Meirelles e, nada mais nada menos, Amália Rodrigues. Finalmente, como último argumento, a produção alertava que “os lugares onde se devem ‘rodar’ os exteriores são conhecidos dos Adidos Comerciais estrangeiros a quem interessa a importação do Vinho do Porto para os seus Países”. De acordo com o Diário de Coimbra de 6 de Julho de 1949, Maria Emília Castello Branco havia já comprado material técnico na Alemanha para um estúdio a construir no Porto e preparava-se para lançar o projecto da criação de uma Cidade do Cinema em Portugal.
Contra as expectativas da produtora, o apoio do SNI foi recusado. Ainda assim, as rodagens deste “filme de argumento forte, com um fundo essencialmente nacionalista”, foram retomadas em Setembro, sem Queiroga, Macedo ou Mendes, com a realização a ser assegurada pela própria produtora. Em Julho de 1950, nova carta da Castello Branco ao SNI declara que 15 das 50 páginas do guião estariam já filmadas. Nova resposta negativa do SNI, deixaria o projecto estagnado. No entanto, alguns anos mais tarde, a inconformada produtora terá usado material das rodagens já efectuadas para montar dois documentários [um de 410 metros de película intitulado Roteiros líricos do Douro (1957), e outro de 310 metros de película intitulado A Região do Douro e o Vinho do Porto (1958)] dos quais hoje pouco se sabe, apenas que foram produzidos e realizados por Maria Emília Castello Branco e que a própria iria depositar uma cópia na recém-criada Cinemateca Portuguesa.
Rebaptizado de Ressureição, o velho projecto de ficção de Maria Emília Castello Branco haveria de “ressuscitar” 15 anos depois: “há anos venho produzindo e realizando sem qualquer auxílio oficial ou combinação comercial, sacrificando à obra todos os meus bens materiais, tranquilidade, saúde e até arriscando a própria vida nas minhas duríssimas jornadas de trabalho sem apoio de ‘equipes’ ou de qualquer outro auxílio além do operador de imagem”, haveria de declarar em nova missiva ao SNI, onde voltou a pedir apoio financeiro em Dezembro de 1965. No mês seguinte, escreve a César Moreira Baptista, então o homem forte da política cultural, a solicitar “consideração para com o seu caso cinematográfico”: “Porque não se trata de um filme mas do filme – em si – apenas carecido de sonorização duma cópia de montagem em imagens de grande beleza plástica e muito digna representação”. Para concluir o projecto, pedia “apenas” um empréstimo de 60 contos e um subsídio a fundo perdido de outros 60 contos. No dia 1 de Junho de 1966, o SNI informa a produtora do indeferimento do pedido, o que terá marcado definitivamente o fim da multifacetada e conturbada carreira cinematográfica de Maria Emília Castello Branco.