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Quando a cabeça não tem juízo

De Carlos Natálio · Em 21 de Fevereiro, 2018

1922. (eu ainda não era nascido.) Salomé tinha dito a Jokanaan: “O teu cabelo é como as longas e negras noites quando a lua esconde a sua face”. (mais tarde a lua esconder-se-á, de facto, e já será tarde demais.) Ele afasta-a com um gesto de braço, brusco e mudo. “Para trás! Não profanes o templo do Deus.” Mas Salomé volta à carga: “A tua boca é como uma jóia de escarlate numa torre de marfim.” Mas não havia nada a fazer, o anjo da morte sempre estivera entre eles. Ela há-de pedir-lhe um beijo, ele recusá-lo-á várias vezes, chamando-a de “filha da Babilónia”. (eu reparava nas jóias iluminadas do seu cabelo encaracolado, no rosto irritado da actriz Alla Nazimova e nos mamilos pintados do aio). Despeitada, Salomé dançará para o tio babado, Herodes, para que, depois de meneares ululantes e véus provocantes, ela lhe possa pedir o que quiser. E ela quis, sabemos, a cabeça do seu querido Jokanaan, numa bandeja.

1974. (eu ainda não era nascido.) Não era a cabeça de Jokanaan que estava naquele saco de sarapilheira. Segundo rezam as lendas cinéfilas eram quilos de bife para atrair as moscas. Numa cena tétrica e comovente, Warren Oates, óculos escuros, alter-ego cocainado do realizador, apunhala desesperado um bloco de gelo e coloca a cachola do Alfredo debaixo do duche, numa bacia, a refrescar. (era o México, estava calor e eu fiquei a ver o vapor a exalar da carne putrefacta.) Também aqui havia um amor perdido, não entre um corpo santo e um corpo possuído pela paixão, como em Oscar Wilde, mas sim entre Elita, uma mulher solene e gasta pelo tempo (alguns confundiam-na com uma puta) e que apenas queria casar e amar o seu Bennie (Oates). Bennie também a amava mas precisava antes de decepar a cabeça do primeiro amor da vida dela, o dito Alfredo, pois isso significava dez mil dólares. Seriam ricos, caso sobrevivessem ao sepulcro e ao anjo da morte (figura balofa, pintada, imóvel de espadalhão na mão) que também, como em 22, parecia pairar entre o casal.

É isto, a cinefilia. Confessar aos mortos como se está triste ou feliz, ou ver na sua imobilidade, nas suas moscas, o sinal de uma vida qualquer.

Com 52 anos de diferença são dois filmes que juntam suas decepadas cabeças em estranho e surreal bailado. Um era um filme mudo de arte (coisa inaudita à época) e que brincava com personagens bíblicas (escândalo), o outro, um filme de baixo orçamento, niilista, violento – o preço a pagar pela possibilidade do seu autor ter o final cut. Sim, o CORTE final era esse cortar literal e simbólico da cabeça, liberta do corpo pesado e controlador dos estúdios. Um bailado de cabeças invisíveis, pois que a de Jokanaan estará sempre envolta num manto – Salomé beijá-la-á finalmente mas sem que a possamos ver, um beijo amargo com o peso da tragédia – e a de Alfredo nunca sairá do seu “esconderijo”, seja ele um caixão, um saco ou uma cestinha de vime. Se a cabeça é o que faz mover, é o corpo que se levanta e anda em tornos destes encefálicos apêndices. É a aura de santidade de Jokanaan que apaixona Salomé e amedronta Herodes e é a cabeça-prémio de 1 milhão, restituição da honra perdida da filha adolescente de um ditadorzeco. Basta pensar na cena logo após o ditador anunciar o prémio pela cabeça. Nela o realizador X junta, no que parece uma micro-sequência de montagem, os carros a sair apressados de casa do ditador, mas também há aviões e cavalos. É este o efeito do ganância pela recompensa, tudo a fazer pensar na busca da cabeça como uma corrida desportiva. é que a nossa cabeça é (mais ou menos) esférica e tudo pode ser um jogo, atribulado, em busca dessa valiosa bolinha.

Mas ainda não tinha falado muito de Herodes. Ele era um sacaninha da pior espécie. Tinha morto o irmão, arrebatado a sua esposa e estava disposto a tudo para obter as carnes da sua sobrinha. Lembrem-se, esta é uma história de amor. Salomé e Herodes são ambos impotentes para assegurar o seu petisco. O realizador Y, com a ajuda de Alla Nazimova (então sua esposa), encenam bem esse dilema. Não há riquezas que valham ao amor e todo o filme é uma loja das tentações, de adereços e brilhos: os cabelos pompons dos criados, anões músicos com cornos de rena, montanhas de diamantes, chapéus gigantes, mantinhas floreadas e cachuchos. “Podes ter metade do meu reino!”, diz Herodes à sobrinha. Mas ela nega-se a toda a riqueza. Só quer aquilo que já sabem, a obstinada. Herodes quer tudo menos decapitar o santo, pois ele percebe a perdição que se segue. Quando, a terminar o filme, ele ordena a morte da sobrinha, assim em maiúsculas “KILL THAT WOMAN!”, puff! Desaparece-nos o seu desejo, esfuma-se. E já só vemos os guardas a rodear Salomé com as suas enormes lanças, em coreografia. (e penso em Busby Burkeley, terminada a teatralidade, em torno de uma jaula onde estava encerrado Jokanaan e a zona do trono do rei.)

Talvez não fosse preciso chegar a tanto para isto.

2018. (eu ainda já sou nascido.) Tenho a cabeça decepada pela minha própria cinefilia. Ela é, no entanto, cabeça de duas faces: a que procura a bússola, em torno de compreender a história, e a que põe a bochecha à mercê do estalo do acaso. Receber imagens directamente de quartos (e ecrãs) escuros, perdido, para sentir randomly, e perceber que os filmes sempre foram feitos aos bocadinhos, nesta espécie de Youtube pré-histórico que são os circuitos da cachimónia. Nós, armados em espectadores de cabeça sem corpo, muito leves, a chorar e a rir frente a ruínas de coisas. A dada altura alguém matou o amor da vida de Bennie e ele acorda com terra na boca e não percebe o que lhe(s) aconteceu. Diz a Elita para acordar e ela nada. Dá-lhe palmadinhas no rosto e ela nada. São dois amantes, Romeus e Julietas prostrados na campa, cheios de pó. Mas a morte para ele só agora começara, pois que ela não acordará jamais.

Bennie, desesperado, começa a “fazer filmes na sua cabeça”. Isto é, começa a falar com a cabeça de Alfredo (que entretanto recuperara) pois que ela é o único símbolo que ainda o liga à sua falecida amada. É isto, a cinefilia. Transportar a nossa cabeça, de um lado para o outro, de cena para cena, de 1922 para 1974, do realizador Y para o realizador X. Confessar aos mortos como se está triste ou feliz, e ver na sua imobilidade, nas suas moscas, o sinal de uma vida qualquer. E depois, quando termina um filme (ou filmes) saímos da sala ou dos limites do ecrã e dizemos para a nossa cabeça – como Oates para a de Alfredo Garcia, depois de chacinar o ditador sanguinário e seus capangas – “Come on, Al, we’re going home”. E nesse regresso a casa dá-se o milagre operado pelo cinema, milagre que é também o deste filme de que vos venho alucinando: o que começou morto, vivo terminará.

(a caminho dos meus pensamentos, depois do “the end”, reparava, rejuvenescido, no esplendor de cada imagem, de cada raccord; e recuperava ainda os mamilos pintados do aio).

Nota: Os links para os dois filmes dançando agarradinhos nesta crónica podem ser visto aqui e aqui.

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1920's1970'sAlla NazimovaCharles BryantFrank KowalskiGig YoungIsela VegaKris KristoffersonNigel De BrulierOscar WildeRobert WebberSam PeckinpahWarren Oates

Carlos Natálio

«Keep reminding yourself of the way things are connected, of their relatedness. All things are implicated in one another and in sympathy with each other. This event is the consequence of some other one. Things push and pull on each other, and breathe together, and are one.» Marcus Aurelius

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