Se há pouco tempo escrevia sobre a importância de Greta Gerwig na recente filmografia de Noah Baumbach, concretamente sobre a falta da actriz, argumentista e agora realizadora em The Meyerowitz Stories (New and Selected) [2017], espanto-me agora ao também sentir a ausência do gosto do absurdo e de uma certa vivacidade cinéfila dele na primeira longa-metragem dela.
Como previsto, Lady Bird (2017) é uma comédia agridoce, que se desenrasca com razoável facilidade no já conhecido número de equilíbrio entre momentos de desespero ou tristeza e outros de irrisão e humor às vezes a roçar o burlesco. Demonstra igualmente aquela subtileza característica do cinema independente norte-americano quando trata dos problemas e desventuras de indivíduos em fase de crescimento. Desse modo, não só as origens de Greta Gerwig, que se formou no movimento Mumblecore ao lado dos irmãos Duplass e de Joe Swanberg, estão bem presentes nesta sua estreia na realização, como o próprio tema parece ser o mais adequado.
Não me lembro de outro filme que mostre tão bem como a fronteira entre os miúdos cool e os outros se traça na linha do caminho-de-ferro, símbolo eterno da mal disfarçada diferença de classes.
Para mais, por muito que Gerwig o tente desmentir, o filme é uma autobiografia pouco velada. Ambas, personagem e realizadora, são de Sacramento e têm o sonho de fugir para Nova Iorque, para poderem ser artistas longe daquele meio pequeno e claustrofóbico (que, apesar de tudo, adoram documentar). Ambas estudaram num colégio católico, ambas têm mães enfermeiras, e por aí fora. De resto, Lady Bird é um period piece. A acção decorre em 2002, ano da segunda invasão do Iraque pelos EUA, as memórias do 11 de Setembro ainda bem frescas, quando personagem e realizadora tinham exactamente a mesma idade.
Contudo, malgrado estas semelhanças, as qualidades de Greta Gerwig enquanto actriz (uma das personas mais corajosas e violentamente divertidas do cinema actual) não se traduzem na realização, genérica, anónima, a percorrer caminhos trilhados incontáveis vezes por gente menos talentosa, nem, ainda mais surpreendentemente, na escrita, árida, para não escrever insípida. Lady Bird seria diferente se Gerwig interpretasse um dos papéis? Talvez, mas a culpa não é de Saoirse Ronan, descobrindo-se sem medo no papel titular (poucas actrizes se permitiriam aparecer no ecrã sem maquilhagem, o acne bem à mostra), e muito menos da fabulosa Laurie Metcalf, a mãe permanentemente cansada e agreste, uma palavra azeda sempre na ponta da língua. Se mais nada, pode-se, pelo menos, elogiar a direcção de actores de Gerwig.
Mas há mais. Um motivo meio inesperado envolve todo o filme: o dinheiro. Não me lembro de outro filme de adolescentes que mostre tão bem como a fronteira entre os miúdos cool e os outros se traça na linha do caminho-de-ferro, símbolo eterno da mal disfarçada diferença de classes nos centros urbanos norte-americanos. Não é só um toque de realismo – que Greta Gerwig procura abertamente. Não há diálogos espirituosos a cada curva, nem personagens grotescas (todas têm lá as suas razões). E a extravagância esconde sobretudo inseguranças e acrescenta (revela, porventura) uma amargura e um rancor a um filme aparentemente liso. Faço esta ressalva também para me acautelar. Não é completamente improvável que Lady Bird melhore com visões futuras. Por ora, deixa muito a desejar. E levanta várias dúvidas sobre a realizadora Greta Gerwig.