Pedimos a três walshianos para nos indicarem 5 ou 6 filmes que, para eles, é imprescindível ver no IndieLisboa, festival que decorre no Cinema São Jorge, Culturgest, Cinemateca Portuguesa, Cinema Ideal e Palácio Galveis entre 26 de Abril e 6 de Maio (sendo 7,8 e 9 dedicado aos filmes premiados). Estas foram as escolhas de Carlos Alberto Carrilho, Miguel Patrício e Ricardo Vieira Lisboa.

- ★ (2017) de Johann Lurf
- As Boas Maneiras (2017) de Juliana Rojas e Marco Dutra
- Da xiang xi di er zuo (An Elephant Sitting Still, 2018) de Hu Bo
- Les garçons sauvages (2017) de Bertrand Mandico
- Have You Seen My Movie? (2016) de Paul Anton Smith
- Laissez bronzer les cadavres (2017) de Hélène Cattet e Bruno Forzani
Numa edição em que a secção Herói Independente sugere, em jeito de provocação, Lucrecia Martel como “a realizadora mais influente do século XXI”, preferimos um percurso por águas mais turvas, mesmo que não isento de riscos. Pela competição internacional passam duas obras que são do melhor que veremos ao longo do ano em Portugal: Les garçons sauvages (2017) de Bertrand Mandico e Da xiang xi di er zuo (An Elephant Sitting Still, 2018) de Hu Bo. Bertrand Mandico não é um desconhecido do público dos grandes festivais de cinema nacionais, por onde passou a maior parte da sua produção em curta-metragem. Les garçons sauvages, prémio da Semana da Crítica do Festival de Veneza 2017, é a sua primeira longa-metragem, não só uma fantasia queer em que rapazes são representados por raparigas, mas também a sublime evocação de um mundo perdido em que os efeitos visuais são produzidos durante as filmagens e os diálogos produzidos na fase de pós-sincronização, acrescentados a música hauntológica que parece ter saído do catálogo da Ghost Box. Da xiang xi di er zuo será sempre lembrado pelas piores razões, uma vez que o jovem realizador Hu Bo suicidou-se, meses antes de receber um prémio importante no Festival de Berlim. Na sua primeira e única longa-metragem, inspirada no mito grego de Jasão e os Argonautas, Hu Bo, também responsável pelo argumento e pela montagem, constrói um épico de quatro horas com alusões à obra de Jia Zhangke, retratando um dia na procura de uma cidade onde um elefante permanece sentado, indiferente à crueldade do mundo. Passando pela secção Director’s Cut, apresentada na Cinemateca Portuguesa, entre uma sessão de curtas metragens de Mark Rappaport e de Jean Rouch, paramos em ★ (2017) de Johann Lurf e Have You Seen My Movie? (2016) de Paul Anton Smith, filmes-arquivo que compilam, a partir da memória do cinema, planos de céus estrelados, no caso do primeiro, e sequências em que personagens entram na sala de cinema, no segundo. Numa noite de lua cheia, no terraço do Cine-Teatro Capitólio, a secção Boca do Inferno abre com uma sessão especial com o vencedor do prémio especial do júri no Festival de Locarno, As Boas Maneiras (2017) de Juliana Rojas e Marco Dutra, dupla responsável por alguns dos melhores exercícios recentes nas fronteiras do cinema de terror. Com estreia marcada nas salas portuguesas para a primeira quinzena de Maio, é uma imperdível mistura de terror, musical e subtexto político, que merece ser acompanhada pela releitura da entrevista de Marcos Dutra para o À pala de Walsh. Outra dupla posicionada na fronteira de géneros são os franceses Hélène Cattet e Bruno Forzani que, com Laissez bronzer les cadavres (2017), integram a Maratona Boca do Inferno no Cinema Ideal, que inicia pouco depois da exibição do restauro em 4k do clássico japonês Bara no sôretsu (Funeral Parade of Roses, 1969) de Toshio Matsumoto. Também vindos de Locarno, pela releitura do cinema italiano de género – giallo, western spaghetti, poliziotteschi ou erótico -, porventura diríamos que Hélène Cattet e Bruno Forzani nasceram no país e tempo errados.
Carlos Alberto Carrilho

- Caniba (2017) de Lucien Castaing-Taylor e Verena Paravel
- Bara no sôretsu (1969) de Toshio Matsumoto
- Grass (2018) de Hong Sang-soo
- Le Lion Est Mort Ce Soir (2017) de Nobuhiro Suwa
- Mutafukaz (2017) de Shôjiro Nishimi e Guillaume Renard
Ao contrário de outras edições anteriores (e da tendência comichosa da maior parte dos festivais nacionais), no Indielisboa deste ano há cinema japonês (ou cinema relacionado com o Japão) para tirar a barriga de misérias deste espectador cada vez mais em regime de dieta das salas. Espero de Caniba (2017) um mergulho de cabeça no mundo bizarro de Issei Sagawa, o canibal que nunca foi julgado devidamente e que ainda hoje se arrasta, à solta, babando-se, numa vivência tão repugnante como fascinante – quem o viu enquanto actor nos filmes mórbidos de Hisayasu Sato sabe que apenas enxergar o seu rosto equivale à vertigem de olhar para um abismo. De Mutafukaz (2017), a animação rápida e frenética do estúdio 4ºC na esteira do mestre Masaaki Yuasa: música aos altos berros, perseguições, tiroteios e mafiosos para purificar os caprichos da alma. Le lion est mort ce soir (2017) e Grass (2018) marcam o regresso de dois cineastas de festival. Se não pode haver 360 dias sem a presença das comédias idiossincráticas de Hong Sang-soo, já Nobuhiro Suwa, o japonês mais francês de todos, esteve bastante mais ausente da cena nos últimos anos. Esta, que é a sua primeira longa-metragem nos últimos 8 anos, promete um regresso à grande e à francesa com um Jean-Pierre Léaud ressuscitado – ou mortificado – naquela que poderá ser uma versão feliz de La Mort de Louis XIV (A Morte de Luís XIV, 2016). Mas, a grande alegria deste line-up (aliás, de todo o line-up do festival) é Bara no sôretsu (1969), o exercício inclassificável de Toshio Matsumoto que será apresentado numa nova cópia 4K para ver e chorar por mais. Na verdade, penso que ninguém percebeu bem a importância de mostrar um filme deste calibre. É, em todos os sentidos, muito mais grandioso do que o rótulo queer que pretende justificar a sua reabilitação.
Miguel Patrício

- Amor, Avenidas Novas (2018) de Duarte Coimbra
- A Brief Spark Bookended by Darkness (2018) de Brent Green
- Chris Olsen – The Boy Who Cried (2017) de Mark Rappaport
- Personal Truth (2017) de Charlie Lyne
- Playing Men (2017) de Matjaž Ivanišin
- Readers (2017) de James Benning
“Chamava-se Rita e era bonita.” Rima e é verdade. Amor, Avenidas Novas (2018) – filme de escola de Duarte Coimbra, aluna da ESTC, que depois da estreia mundial no IndieLisboa terá a sua estreia internacional no festival de Cannes, na secção Semana da Crítica – faz-se deste género de graças singelas que escondem um desejo de mundo, de universo: como comer um gelado da gelataria Alfarroba… até à morte. Uma espécie de romantismo desesperado por esquecer os dias, vivendo-os. Um niilismo infundido de romanesco. Já A Brief Spark Bookended by Darkness (2018), o novo filme de Brent Green – depois da longa de animação Gravity Was Everywhere Back Then (2010) ter competido no IndieLisboa 2011– é um deslumbrante conto sobre o amor em tempos cada vez mais negros, uma curta animação (feita à mão) que se poderia enquadrar entre os trabalhos iniciais de Tim Burton e David Lynch. Depois, Chris Olsen foi uma criança-actor que trabalhou com alguns dos mais importantes realizadores dos anos 50, apesar de nunca se ter tornado uma estrela. Aos dez anos “reformou-se”. The Boy Who Cried (2017) faz parte da série de autobiografias ficcionais de Mark Rappaport e será apresentado numa sessão com outras três curtas-metragens do realizador americano (já entrevistado pelo À pala de Walsh). E por efeito mimético, o choro do rapaz desceu-me também pela cara. Personal Truth (2017) – do realizador que já havia exibido no festival os deliciosos Beyond Clueless (2014) e Fear Itself (2015) – é uma investigação sobre o caso pizzagate feita questionamento sobre a natureza do crer. Mas a elegância do filme é que a claridade dos seus raciocínios, o envolvimento da sua retórica e a rectidão do seu argumentário são a matéria do engano que procura desfazer. Uma façanha paradoxal que nos tira o tapete debaixo dos pés enquanto nos ampara a queda (com o tapete que roubara). Em plena contemporaneidade, quando as questões de género preenchem o centro nevrálgico dos debates culturais e a naturalização do sexo é vista como gesto performativo, o realizador esloveno Matjaž Ivanišin questiona-se, em Playing Men (2017), sobre o que é isso de ser homem (com h minúsculo). Para isso compõe uma sinfonia de coreografias que tipicamente têm definido, em diferentes culturas, o que é ser-se homem. Mas o olhar de Ivanišin encontra em tudo o absurdo da inutilidade: cada regra exibe-se numa cristalização estética do etnográfico, sobrando apenas uma sucessão de movimentos centrípetos que simultaneamente espantam e hipnotizam. Por fim, a minha última recomendação: o cinema estruturalista de James Benning (outro entrevistado walshiano). Em Readers (2017), o realizador norte-americano filma alguns dos seus amigos a ler, em silêncio. Quatro amigos, quatro planos, quatro livros, quatro citações. É simples, e no entanto é uma das mais potentes experiências de cinema (a grande revelação deste meu ano cinematográfico). Um olhar que transforma cada gesto, cada pausa e cada respiração num monumento. Um filme que nos oferece o tempo do real como só o cinema é capaz.
Ricardo Vieira Lisboa (walshiano e também programador do IndieLisboa)