Nesta 22.ª edição do Queer Lisboa (que decorrerá entre 14 e 22 de Setembro no Cinema São Jorge e na Cinemateca Portuguesa) sinto-me comprometido em escrever uma linha que seja sem antes elencar a minha lista de incompatibilidades (o que serve, naturalmente, como forma de auto-promoção). São elas: a convite do festival integro o livro O vírus-cinema: cinema queer e VIH/sida com um ensaio sobre Mauvais Sang (Má Raça, 1986) de Leos Carax, que será lançado no próximo dia 15 pelas 16h30 no Cinema São Jorge; integro também o livro Queerquivo – arquivo lgbt português com um pequeno texto sobre o cinema de Reinaldo Ferreira, cujo lançamento ocorrerá no dia seguinte, 16 às 18h30, também no Cinema São Jorge (e do qual participarei lendo o meu próprio texto); e por fim, o meu ensaio audiovisual Os Motivos de Reinaldo (2018) integrará a competição de curtas-metragens do festival – estando o leitor convidado a, no dia 18 às 19h15 na Sala 3, vir acusar-me de conflitos éticos na cobertura de festivais de cinema. Posto isto, aqui ficam alguns dos meus destaques para esta edição do Queer Lisboa.
Filme de Abertura
Diamantino (2018) de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt — 14 de Setembro, 21h00 na Sala Manoel de Oliveira
Afirmar que Diamantino é um dos filmes a não perder nesta edição do Queerlisboa é redutor, na medida em que Diamantino é, já, um dos filmes mais antecipados da maioria dos espectadores portugueses. Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt fizeram A History of Mutual Respect (2010) que venceria o Pardi di domani em Locarno, depois Palácios de pena (2011) apresentado em Veneza e agora, a sua primeira incursão na longa-metragem foi apresentada na Semana da Crítica em Cannes, onde recebeu o grande prémio da secção. O novo filme da dupla parece conseguir a proeza de agradar a gregos e a troianos, que é como quem diz: a cinéfilos e ao espectador ocasional (o tema do futebol e a figura de um Cristiano look-a-like têm o poder de chamar o público popular; já por outro lado, será o pendor surrealista da trama, as desventuras políticas e o conhecido gosto pela alta e baixa cultura do cinema de Abrantes que atrairá os “espectadores mais exigentes”). Mas é exactamente essa terra de ninguém que só Gabriel Abrantes (e os seus co-realizadores) parece conseguir explorar, que o coloca cada vez mais no ponto fulcral do cinema contemporâneo. Só ele consegue reflectir sobre políticas de género, descolonização, o erotismo e a libertação sexual enquanto se apropria de uma estética e de uma linguagem cinematográfica típica do mainstream (com os irmãos Farrelly à cabeça).
Competição de Longas-Metragens
Girl (2018) de Lukas Dhont — 16 de Setembro, 22h00 na Sala Manoel de Oliveira
Outro título vindo do festival de Cannes deste ano é Girl que chegará ao Cinema São Jorge já com uma bagagem de prémios e boas críticas. Essa excelente recepção na croisette justifica, em parte, que já tenha distribuição comercial garantida nas salas portuguesas – pela mão da Legendmain Filmes, que, já agora, irá distribuir também o filme vencedor da Palma de Ouro, Manbiki kazoku (Shoplifters, 2018) de Hirokazu Koreeda. Entre os prémios recebidos na vila do sul de França contam-se vencedor de Melhor Actor (Victor Polster) da secção Un Certain Regard, a Caméra d’or (prémio máximo para a primeira obra), a Queer Palm e o prémio FIPRESCI da crítica internacional. Girl fala-nos de Lara, uma bailarina adolescente que luta com um corpo que não corresponde à sua identidade (num ambiente em que esse mesmo corpo é posto constantemente à prova).
Outros filmes que recomendo na Competição de Longas-Metragens: Tinta Bruta (2018) de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon – 21 de Setembro, 22h00 na Sala Manoel de Oliveira e Azougue Nazaré (2018) de Tiago Melo – 18 e 19 de Setembro, 22h00 e 17h15 (respectivamente) na Sala Manoel de Oliveira.
Competição de Curtas-Metragens
Ultra pulpe (2018) de Bertrand Mandico — 19 de Setembro, 19h15 na Sala 3
Os leitores do À pala de Walsh já conhecem o pequeno “culto” que alguns dos nossos redactores têm para com Bertrand Mandico e a sua trupe. Depois de o ano passado o realizador vencer a Semana da Crítica em Veneza com a sua primeira longa-metragem, Les garçons sauvages (2017) – exibido no IndieLisboa e também programado no QueerPorto (e sobre o qual lancei algumas linhas aqui) –, o realizador regressa às salas lisboetas com a sua mais recente curta-metragem que foi apresentada este ano na Quinzena dos Realizadores em Cannes e que já teve estreia nacional no Curtas de Vila do Conde. Os seus filmes já vêm sendo exibidos pelo Indie, Curtas e MOTELX, sendo que a propósito deste último escreveu Luís Mendonça sobre o delicioso Nôtre-Dames des Hormones (2015). O cinema de Mandico mistura o trash, a erotica, o pink, o exploitation, o survival e o body horror e a fantasia quase sempre em modo de citação (a piscar o olho aos apreciadores do género). Nem de propósito Ultra pulpe é sobre uma rodagem de um filme fantástico em que a realizadora se envolve com a sua actriz principal: Apocalypse e Joy, respectivamente.
Outros filmes que recomendo na Competição de Curtas-Metragens: Letters from Childhood (2018) de José Magro — 19 de Setembro, 19h15 na Sala 3, Inconfissões (2017) de Ana Galizia — 18 de Setembro, 19h15 na Sala 3 e Rouge Amoureuse (2017) de L. Garcia – 17 de Setembro, 19h15 na Sala 3.
Competição Queer Art
Escape From Rented Island: The Lost Paradise of Jack Smith (2017) de Jerry Tartaglia — 20 de Setembro, 23h30 na Sala 3
“I call it a ‘film essay,’ but it’s really a non-documentary film document that gives Jack Smith the chance to be heard without the intervention of talking heads, critics, and had-been friends.” A frase é de Jerry Tartaglia, o realizador deste ensaio que é também, ele mesmo, um realizador de cinema experimental queer em nome próprio. Mas Tartaglia têm ainda um outro chapéu sobre a cabeça, o de restaurador, preservador e divulgador do trabalho e do legado de Jack Smith – nome maior da cultura underground norte-americana nos anos 1960 e 1970, nomeadamente no cinema, com filmes fundamentais como Flaming Creatures (1963) ou Blonde Cobra (1963). Neste ensaio audiovisual, Tartaglia percorre a obra de Smith através de vinte e um eixos temáticos: Capitalismo, Glitter, Performance, Sorte, Aborrecimento, Roubo, Injustiça, Maria Montez, entre outros. Um filme que faz tanto mais sentido quando o festival organiza este ano ciclo, na Cinemateca Portuguesa, O vírus-cinema: cinema queer e VIH/sida (síndroma que causou a morte do realizador, no final dos anos 1980).
Outros filmes que recomendo na Competição Queer Art: Inferninho (2018) de Guto Parente e Pedro Diogenes — 16 e 19 de Setembro, 21h30 e 17h00 (respectivamente) na Sala 3, Luk’Luk’I (2017) de Wayne Wapeemukwa — 15 de Setembro, 19h15 na Sala 3 e A Moça do Calendário (2017) de Helena Ignez – 21 de Setembro, 19h15 na Sala 3.
Panorama
Disobedience (2017) de Sebastián Lelio — 19 de Setembro, 22h00 na Sala Manoel de Oliveira
Depois de Gloria (2013, sobre o qual escreveu Ricardo Gross aquando do Leffest 2013) e de Una Mujer Fantástica (Uma Mulher Fantástica, 2017) – que venceu o Oscar para melhor filme estrangeiro este ano, depois de ter vencido no ano anterior tanto o Teddy Award como o Urso de Prata em Berlim –, Sebastián Lelio regressa às vistas dos espectadores portugueses com Disobedience – antes de mostrar o remake americano de Gloria que acaba de estrear no festival de Toronto, com Julianne Moore no papel homónimo. Esta é uma história sobre uma relação proibida entre duas mulheres (amigas de infância) numa comunidade judia ortodoxa, o que parece confirmar Lelio como o mais sólido realizador de “cinema de mulheres”, uma vez que Pedro Almodóvar parece já ter perdido esse estatuto.
Outros filmes que recomendo na secção Panorama: Anjo (2018) de Miguel Nunes, Flores (2017) de Jorge Jácome e Self Destructive Boys (2018) de André Santos e Marco Leão – três curtas portuguesas exibidas num programa dia 21 de Setembro, às 19h30 na Sala Manoel de Oliveira.
Filme de Encerramento
Bixa Travesty (2018) de Claudia Priscilla e Kiko Goifman — 22 de Setembro, 21h00 Sala Manoel de Oliveira
O filme de encerramento do Queer Lisboa é também o de abertura do Queer Porto o que é bonito – no modo como liga ambos os eventos e promove um efeito de continuidade entre duas cidades unidas por um mesmo cinema – mas também é sintomático do próprio filme, ou melhor, da sua protagonista, Liin da Quebrada. A cantora nunca poderia ser razão de fecho, já que a sua presença e a sua música só caminham no sentido da abertura. Oriunda de um bairro desfavorecido pobre de São Paulo, a cantora trans compõe canções funk como armas contra o machismo de um Brasil conservador – aliás, o modo como transforma o português no exercício do trocadilho faz das suas letras poços lúdicos onde a língua se mostra irradiada de vida. Bixa Travesty é um retrato documental daquela que é a mais fulgurante figura da cultura queer brasileira da atualidade. O filme venceu o Teddy Award para melhor documentário queer na edição deste ano do festival de Berlim e é co-assinado por Cláudia Priscilla que co-assinara A Destruição de Bernardet (2016), provavelmente o melhor filme que vi o ano passado no festival.