Flores (2017) é um filme maior do que o conjunto das suas partes. É um filme que se expande, que também ele se propaga como as hortênsias japonesas que nos Açores de Flores estão por todo o lado. O seu efeito de contágio é amoroso. O estado de torpor que induz é parte do processo de inoculação.
Atravessamos o filme de Jorge Jácome num estado febril sem dor. Uma espécie de delírio que traz paz e que só condiciona sentidos periféricos. Flores não entra dentro de nós; nós é que entramos dentro dele. Desejamos aquela cor. Desejamos aquele amor. Desejamos que o filme nos chame pelo nome. O efeito de sedução é a sua maior verdade. E é todo construído, tal como uma ficção.
Onde o filme existe no sentido mais puro, os corpos deixaram de ser corpos. Serão também flores.
As ilhas estão desertas de gente, tirando alguns militares. Os espaços encerram a memória do que foram antes. As presenças dos soldados Rosa e Andrade corporizam uma história passada. Flores é como que a reconstituição e o eco verdadeiro de algo que aconteceu. O filme mostra frequentemente as costuras do cinema mas por outro lado parece que aquilo existiu de verdade. Que estamos a assistir a vestígios que nos chegam de outro tempo. Alguém guardara aquelas imagens para que chegassem a um momento futuro qualquer. Mas o realizador participa do processo mostrando que as imagens estão também a acontecer por sua intervenção. E assim ficamos, suspensos de querer separar o que é dali do que ali foi parar.
O elemento amoroso de Flores tem por metáfora dominante o leito. Toda a superfície que é terra é uma cama de flores. Os dois rapazes poderiam deitar-se a qualquer altura, vemo-los uma vez entrar numa pequena tenda que têm a cor entre o azul e o roxo de todas as flores, do céu e do mar. O espaço físico do filme é intencionalmente vago. Flores convida a que nos orientemos por ele tacteando as suas imagens, palavras e música (a cama musical utilizada é a peça minimalista In C, do norte-americano Terry Riley).
O acto de avançar tacteando tem a conotação de sensorialidade mais que de sensualidade. Onde o filme existe no sentido mais puro, os corpos deixaram de ser corpos. Serão também flores. É como se o filme de Jorge Jácome procedesse a uma deslocação até a tempo primordial, rarefeito de pulsões, a um todo harmonioso. E então depois o filme enceta as suas despedidas, nomeando uma a uma as pessoas que são também parte daquele fio de memórias ficcionadas, de uma memória que não coincide com o tempo da recordação central do filme, para que o todo difuso se renove para futuras descobertas.
Os ecos de Flores serão sempre novos e fruto dessa imponderabilidade em que o filme se constrói em expansão.
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De 13 a 20 de Outubro decorre na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão o terceiro episódio do Close-up – Observatório de Cinema, com cerca de 40 sessões de cinema contemporâneo cruzadas com histórias do cinema, sob o mote do lugar, incluindo filmes-concerto. Flores de Jorge Jácome será exibido no dia 17, pelas 18h30 no Pequeno Auditório, juntamente com Isle of Dogs (Ilha dos Cães, 2018) de Wes Anderson.