Para Vang Gogh, a pintura era o lugar de uma experiência experimental, onde se figurava a natureza expressionante do ser: o intempestivo traço de gouache onde o sol se modelava segundo os humores de um camponês neurastênico, como no rugoso estriado de luz de um impromptu a óleo as anfractuosidades de um caráter; este experiment perilous do ser como reserva pática era uma eminente prova existencial, através da qual os tormentos do artista se expiavam em luz e alamedas de sombras, mas também o lugar de invocações de natureza social, onde a Cena do mundo, agora representada, secretava seu quid agonístico. “Na pintura que eu faço de um café, tentarei exprimir que o café é um lugar onde podemos ficar loucos e cometer crimes”. Sim, cometer crimes por influência do meio, behavorismo “último homem” que a pintura transfigura em tragicidade cromática; o décor do café é a princípio idealmente confecccionado para o cultivo da parte maldita, porque a meia-luz amniótica, os humores aquosos do absinto e o hálito cálido de desconhecidos tudo turvam e alteram afetivamente, submergindo o sujeito sob a máscara de um Outro.
Mas e da perversão? quando o décor é outro, e no entanto não menos onimosos os crimes sugeridos por ele, como abominações de interdito perpetrados? E quando este a princípio se oporia frontalmente a este gênero de “desperdício” pulsional, e antes pareceria ideal para manietar, controlar, submeter o Desejo a instâncias reificadas de vida? Não é próprio aliás da perversão, do Freud da segunda teoria das pulsões, Laplanche ao Lacan que releu o homem dos lobos, este “mascaramento mimético”, índice da suprema eficiência? Mas e quando agora o décor privilegiado para que se consumam épicas de profanação é aquele “neo-pietista funcional arrecadador” de um escritório da bolsa de valores? Quando finalmente é o dinheiro, e não mais o absinto, o médium da “part maudite” e, então seviciado pela demoníaca Hubris da acumulação a qualquer custo, a tudo pode devastar? Force of Evil (A Força do Mal, 1948), que Polonsky nos deu em 1948, é um experimento perverso desta natureza; num ano em que, de Le sang des bêtes (1949), I Shot Jesse James (Matei Jesse James, 1949), The Lawless (Intolerância, 1950) a Germania anno zero (Alemanha, Ano Zero, 1948), o cinema experimentou o lugar onde o centro cedia decididamente o topo para as margens sociais, pulsionais, excremenciais do ser e da Cidade, o filme deste “materialista patético” se inseria nesta corrente de subversão tardia da suntuosidade (de “mise”) e da racionalidade (de estrutura, telos) paternas, mas da maneira enviesada que tentei assinalar nesta introdução, o que talvez tenha sido o agente responsável por sua fecunda posteridade, já que não foi por exemplo ao mascarar-se de, respectivamente, esnobe e burocrata que, segundo Adorno, aquelas flores fragilmente geniais que foram Proust e Kafka sobreviveram a seu tempo e a si mesmos?
Em Empire, o experimento mortis de 1964 onde Andy Warhol retinha por 8 horas nossa atenção sobre o Empire State Building, a falocrática sede do poder capitalista, o artista serial “diferia” a percepção do espectador através da incessante superexposição da luz, e assim nos preservava do sono ou da dispersão; em Force of Evil, Polonsky também começa vertical e falocrático, mas a atenção deste experimento entomológico logo se desvia da sede da Bolsa para capturar, no aterrador desta plongée averiguadora que antes parece mimetizar o ponto de vista “da cobertura” dos senhores fiduciários da terra, os homens atarefados em atravessar a Cidade lá embaixo. Mas este desvio de uma verticalidade acintosa para uma horizontalidade citadina “achatada” é antes um trompe l’oeil, pois a topografia descrita pelo filme será outra. Sim, revejam Citizen Kane (O Mundo a Seus Pés, 1941) para se recordar daquele envelopamento infinito de portas atravessadas por um Kane letárgico; o decorativismo “infinitista” da foto de Gregg Toland nos figurava de forma um tanto demonstrativa demais para estar viva que Kane dominava o mundo sem propriamente nele habitar, pois o zumbi que atravessava as portas a rigor não conseguia encaixar-se e entrar por nenhuma delas. A figuração de Force of Evil fala-nos de uma vontade de potência igualmente incoercível, mas que agora se deu os meios ativos para atravessar hapticamente o décor e se apossar do mundo enquadrado no vitral; o que em Kane ainda era estática contemplatio narcisista do enfant terrible Welles aqui se anima, centrífugamente excentrada: esta primeira e lancinante entrada do advogado da empresa Tucker, John Garfield, por exemplo, vai dar o leitmotif estrutural de todo o filme; antes de tudo, uma relação da profundeza com a superfície, agora vistas “como uma relação”; desenvolvo com cuidado a seguir esta primeira condição, já de antemão estabelecida.
Neste homem que, celeremente implacável, atravessa as portas e, propo hiperbólico, faz o décor se movimentar para diante ao bel-prazer de seu dynamos empreendedor, devemos ver uma fenomenologia do arrivista em ação; sim, do arrivista. E o que é o arrivista, para Polonsky? É um homem que não hesitará diante de nada (e veremos o que acontecerá a seu irmão) para lançar suas garras sobre o mundo e plasmá-lo à sua imagem e semelhança; uma demiurgia da garra enluvada, como da pelica férrea porque, como bem sabemos, ainda estamos num universo classicista, e o golpe tem de ser aveludado, como plano o assalto e suturado o corte; mas ,como de hábito, trata-se de “saber ver”: é na continuidade assombrosa com que Garfield projeta seu corpo para diante que veremos que para sobreviver num mundo reificado pelo “valor de troca” o arrivista necessitou lapidar-se segundo o diapasão de outra Figura, não mais humana talvez: ele é esta rajada energética em estado puro que, se pico cocainômano, fulminaria a mais empedernida das veias; ele é este corpo “só reta indecomponível” onde se figura o estupro numa horizontal de salto; mas é também um conglomerado estelar de prótons desgarrados que, atraídos pela decisão übermensch do arrivista predatório, acabaram por submeter seu desgarre ao bloco tenso e vibrante de músculos, e agora agem a seu serviço: afinal, quem o poderá deter? A mise en scène, talvez. Neste filme decididamente materialista onde se reedita o trágico segundo um modus infra-estrutural, o homem, mesmo quando afetado paticamente como Garfield o será (apaixonado novamente, as relações com o irmão), jamais será o primeiro impromptu da sonatina ou o arremate sinfônico da vida; ele é antes de tudo um ser em absoluta situação. E o que isso nos revela? Que às relações entre indivíduos preexistem consórcios de contratos, aos contratos trusts afetivos, como às figuras Forças demoníacas, e que todos aliás acabaram por achar no dinheiro, meio material e fantasmático excelso, uma “moeda sonante” adequada para fazer circular entre todos o Fantasma; “meio materialista e fantasmático”; vocês viram o que eu escrevi? O dinheiro, o cinema: não haveria entre eles a mesma solda, como um destino “de troca” em comum de fazerem circular o Fantasma entre sócios e espectadores?
Da absoluta situação; devem recordar-se da primeira condição que eu vislumbrei no filme para propiciar a marcha autômata de Garfield ao entrar no escritório; uma relação profundamente superficial entre os fundos e a superfície; e completo eu: relação através da qual a superfície (front do plano) se deixa revolver pela profundeza, ou a profundeza se expia em espetáculo. Explico-me. Vocês bem o sabem que o cinema moderno, pelo menos aquele de que André Bazin fez o panegírico de maior posteridade crítica, se caracterizou pelo uso radical de meios que dinamizassem ou aprofundassem a noção de realismo: plano sequência e locação, luz natural, e teatralidade apenas tolerada se over, pois daí se depreenderia que a voz projetada, o gesto hierático, etc, se encaixariam na rubrica “um documentário sobre uma representação teatral”. O caso da profundidade de campo merece um estudo à parte, pois a sua volta no cinema moderno depois da Cena primitiva engrandece tudo segundo uma questão transcendentalista de sentido; sim, pois o plano profundo nestes filmes tenta trazer para a arte a instabilidade humorística e a equivocidade hermenêutica da vida, e nos leva a ver que um filme é, além de uma “janela mais ou menos encoberta ( o cache) para o mundo”, também um objeto afetivo e de leitura, onde o mundo é registrado como um container pático-existencial e uma Summa de significantes reveladores; em Rossellini, nos melhores De Sica, no Visconti caligrafista-realista, Bazin viu esta ontologia esquizo do cinema moderno, onde a afetividade e a intelecção se cortejaram reciprocamente, e fecundaram uma arte agora plurívoca, pois aberta à inervação da hipótese especulativa, da rêverie, do simbólico tout court, enquanto podemos pensar, a título é claro de categorização kantiana, que os clássicos só se interessavam em “revelar mundo” e fascinar o espectador.
Há um uso da profundidade em Force of Evil distorcido, ou refratado ao bel-prazer dos propósitos de quod erat (isso é um elogio, neste contexto) do que se mostra aqui; a profundidade de campo dinamizadora do Real não mais acompanha o personagem em interação com Outro e mundo, tridimensional ente, pois ela antes, agora índex de situação social da res, o transfixa e estratifica neste plano onde os que habitam os fundos observam, julgam, contemplam fascinados ou suspendem-se temerários diante do Outro que se exibe na frente, mas retoma-se a ronda e espectadores de hoje podem converter-se em stars na sequência seguinte; todos os que no filme se exibem para nós o fazem secundariamente, pois a lógica especular e espetacular de Force of Evil exige antes de tudo que eles se exibam entre si, e sobretudo para este arrière-fond expectativo; o front é o elo de uma “economia do teatro social”, onde coxias e proscênio interagem ativamente, compartimentando-se e trocando-se segundo esta ronda incessante, tradução em uma fenomenologia melodramática de ubíqua interação entre agentes da relevância do Grund da infra-estrutura “oclusa” para a superestrutura evidente: não flagramos pelo menos três triângulos de personagens, onde um espectador recuado assiste às ententes dos dois outros à frente? Aprende ele uma lição, recita o papel do Outro para sucedê-lo na réplica? Os exemplos deste “fundo que julga a figura” proliferam: Marie Windsor se esgueira felina pela porta do quarto do amante Garfield, ao telefone; os empregados que espiam o patrão apoplético pela porta entreaberta; o ascensorista que, no primeiro flerte romântico entre Garfield e Pearson, espera excitado por eles do elevador; a mãe e o filho grandalhão, empregados do irmão, que temerários sobre o destino de seus empregos experimentam-se intérpretes de ventríloquos; Pearson numa cabine ao fundo enquanto Garfield, ao telefone, charmoso para o garçon ou casual pensativo digressiona à frente; as crianças, atarefadas em abandonar a interioridade ensimesmada do olhar-em-si e adestrar-se na interioridade leitora do olhar-para-si, aglomeradas no topo da escadaria durante a cena da prisão; o contador observado por Paerson, e depois pelos policiais na rua…
Force of Evil é um filme onde assistimos tantos assistir, mas este en abîme especular me parece ter, como dito acima, um valor heurístico, pois é a forma materialista de um grande cineasta (e, portanto, um poeta materialista) provar a justeza da reflexão marxista sobre os elos, as cadeias, as trajetórias que ligam a infra à superestrutura, e conseqüentemente a codjuvância do ser, da Cidade, da classe e do olhar ao protagonismo; o genial under casting da Holywood clássica aqui comparece assinalado pela refração deste ponto de vista dos atravessadores, dos apostadores de cavalos e corridas, dos agregados e “alugados” lumpens, de todas aquelas margens centrípetas sem as quais a centralidade demiúrgica do classicismo americano e francês nada teria sido senão o refrão mortificado de um Mesmo academicista; são os fundos que agora nos observam, a título de aprendizagem, julgamento “experimentado”, treinamento escópico digno de todo sobrevivente; este para-si encarnado no olhar espectador recolhido pela diegese dá a este classicismo lustroso e de pace cadenciado de Force of Evil uma surpreendente modernidade, e isto sem que a forma sofra a fissura introduzida pelo rough cut desajeitado de tantos espécimes ultra-modernos, pois é na cognição experiencial dos personagens “em torno e atrás de nós’”que tudo se centra; e ser moderno não foi justamente abandonar, parcial ou totalmente, o claustro endógeno do filme em nome da exterioridade pânica da Linguagem? Mas, como nos filmes faux-semblant ultra-tardios da Diagonale, o classicismo se experimenta aqui a partir de suas sutilmente tamisadas, reverberantes interferências modernas, que o ponto de vista e a palavra se encarregam de figurar, sem quebrar “o espelho” da identificação transparente; uma certa trajetória perversa do cinema como contrabandismo de experimentos linguísticos em terreno ainda fabulístico-encantatório tem em Force of Evil o seu antecessor “moderno”.
Mas um parênteses: há um espaço huis clos de intimismo devaneante, em que a “teia” de cúmplices e observadores da ação se suspende; é quando dos encontros amorosos entre a personagem de Pearson e Garfield, Polonsky nos revela aqui que o amor é, não tanto como pensávamos “quando românticos”, o lugar de uma profundeza tão recôndita que só achava lugar para um pleno desabrochamento na transfiguração da morte, mas agora um sursis de superfície apaziguada, que emerge a custo da profundeza paranóica da comunidade escrutinadora. Em três quartos de perfil, luz entrevelada de abajur e gesto litote, os personagens parecem enfim encontrar o décor idealmente plástico à afetividade jubilosa, e se começassem a cantar eu não me espantaria, pois não foi cantando contra os fundos tenebrosos da Depressão que os musicais dos 30 celebraram o amor e a alegria como vitórias taumatúrgicas sobre a borrasca? Eles se experimentam Mesmo e Outro como aspirantes a uma comunidade, só que agora topicamente afetiva e não mais tentacularmente extorsiva; Pearson é um pequeno pássaro esquivo, que precisa se aconchegar à treva e ao sfumato desses closes que a expõem na mesma medida em que a retraem protegida; na cena do encontro na casa de Garfield, a sua pose “mãos no regaço e olhos que se furtam tateantes” é o impromptu para a Cena do amour courtois de que o homem será, não tanto o maestro, mas o contrapuntístico beat percussivo: aquele que a observa, mas unicamente para esperar a hora de sua “deixa” e , prestimoso, oferecer a água para o café ou lançar a réplica esperada; e não é sempre assim no amor, esta Cena musical feita de suspensões e reverberações entre o Ágape do silêncio e o Eros do corpo extasiado? São cenas curtas, como stacatti antes do silêncio definitivo, porque no filme tudo deve se decidir na arena social e segundo o valor de troca dos planos de conjunto “nós contra eles”; o huis clos do amor, destinado unicamente ao valor de uso infinitista da jouissance,é uma etapa a ser superada em direção ao embate protagonista do Eu em consórcio, “sociedade limitada”, negociata com todos. É apenas ao final trágico que um novo vórtex de clareira vai se abrir novamente no filme, e a contemplação, agora “Vista geral da ponte do Brooklyn”, terá a palavra de arremate.
O que interessa a Polonsky não é evidentemente um registro realista, mas a presentificação afetiva do “à bout de souffle” paranóico característico destas vidas que se equilibram na balança sempre injusta – uma vez aqui, outra… – do valor de troca.
Force of Evil também é um fascinante espécime “retrovisor” onde o uso da ancestralidade expressionista me parece magnificamente moderno, ao contrário (só novamente a título de ilustração) do expressionismo “estudo megalômano de caso Madame Trussaud” de Kane e certos William Wyler. Em Force of Evil, o expressionismo ‘retorna’, mas para uma presentificação musical do Fantasma. Peguemos as sequências chaves do assassinato do contador e da troca de tiros de Garfield com os dois homens, no escritório perto do final. São sequências espectrais à força de um uso estilhaçado do découpage sinfônico, onde a letra do fantasma da mercadoria marxista é espiritualizada por uma modulação do figurativo pelo Figural da ansiedade paranóica; os éclairs libidinosos de sombras barrocas esparzidos pelo décor ao longo de todo o filme (foto de Barnes burilada segundo uma água-forte do chiaroscuro infiltrado) aqui deságuam para justificar a constatação, orientadora de Force of Evil, de que o mundo sob a égide do capitalismo é um conglomerado de presenças ainda – como no classicismo tout court -, mas que estão ameaçadas a qualquer momento de naufrágio ou solapamento; se a “paranóia à espreita” se atesta neste sincretismo entre classicismo e barroco estigmatizado pela foto e découpage “colorido” de sequências chaves, é porque é o índice de uma vida frequentemente cortejada pelo abismo, de que o crash econômico é o evento estrutural.
Na sequência do assassinato do contador e seqüestro do irmão de Garfield, a fulgurância de tudo é um exemplo deste gênio do stacatto fulminante desenvolvido pelo melhor do filme; o assalto ao bar onde se encontram para tomar um conhaque e compartilhar apreensões dura um minuto, se tanto? Mas é indescritivelmente inscrito em nossa memória pelo découpage que emula uma jam session jazzística, já que se centra no riif parcial – closes nos olhos arregalados do homem, plano de conjunto de clientes rendidos pela arma em riste, salto do barman para trás, via-crucis do irmão carregado para fora, tudo ulcerado de sempiterno por esta sombra que revolve a epiderme do plano – para proceder a uma reconstituição impressionista do conjunto na cabeça do espectador; o que interessa a Polonsky não é evidentemente um registro realista, mas a presentificação afetiva do “à bout de souffle” paranóico característico destas vidas que se equilibram na balança sempre injusta – uma vez aqui, outra…- do valor de troca, que abdicaram ou edulcoraram os laços existenciais para “jogar”, e acabaram como esperado apanhados pelo xeque-mate de um peão maior. Esta sequência extraordinária, que está entre as minhas favoritas da história do cinema, nos dá uma concentrada ideia dos poderes de imantação do visível pelo invisível do afeto ou pelo mediúnico da impressão a que uma arte materialista e fantasmática nos pôde conduzir.
Na cena da troca de tiros no escritório, Polonsky talvez avança um passo além e nos revela um mundo completamente alienado, mas do eidos da presença, como das coordenadas do espaço-tempo; quando apagam-se as luzes sob o pretexto diegético de que o “alvo” perca a chance de se situar, é quase impossível nos orientar por este scuro sem remissão porque é a descontinuidade temporal e a intermitência figurativa o metro fantasmático da presença agora; Garfield é um rastro cinético evanescente, under figurado nesta cadeira vazia que gira implacavelmente, os closes que temos dos homens são canyons de sombra carcomida, os gestos estalactites ramificadas pela caverna mineral do ser, como nos planos médios estudamos a filogênese deste animal estranho que, inteiriçado de medo e ansiedade, retomou-se baixo-relevo rupestre na pedra da caverna para fugir ao onipotente bisão: estranhas simbioses! Já falei do meu fascínio pelo filme noir como um “médium” figurativo e moral para conversões, regressões e transfigurações, mas em Force of Evil este processo encontra-se formalmente acabado, pois esta metragem curta e esta divisão trágica em atos esposam admiravelmente o prodígio sintético e sincrético solicitado por estes hibridismos monstruosos, revelando com clareza de címbalo ao luar o processo em ação.
O filme se arremata ao sol e ao largo da ponte do Brooklyn, e me parece significativo de sua démarche “trágico reconciliada” – o encontro do cadáver do irmão, jogado no píer – que tudo agora nos apareça sob a diafaneidade do Verão; não foi afinal para esta clareza e distinção cristalinas do que é que foi feito certo cinema nascido sob o signo da Veritas? E que melhor esconjuro para alienações fantasmáticas que o desinfetante da luz do sol?