1.º Phantom Thread (A Linha Fantasma, 2017) de Paul Thomas Anderson – 58 pts.; 2.º First Reformed (No Coração da Escuridão, 2017) de Paul Schrader – 51 pts. [mediana: 8]; 3.º Happî awâ (Happy Hour: Hora Feliz, 2015) de Ryûsuke Hamaguchi – 51 pts. [mediana: 7.5]; 4.º Le livre d’image (O Livro de Imagem, 2018) de Jean-Luc Godard – 46 pts.; 5.º Roma (2018) de Alfonso Cuarón – 34 pts.; 6.º Call Me by Your Name (Chama-me Pelo Teu Nome, 2017) de Luca Guadagnino – 27 pts.; 7.º Western (2017) de Valeska Grisebach- 26 pts.; 8.º L’amant d’un jour (O Amante de Um Dia, 2017) de Philippe Garrel – 22 pts.; 9.º Ramiro (2017) de Manuel Mozos – 17 pts.; 10.º Zimna wojna (Cold War – Guerra Fria, 2018) de Pawel Pawlikowski – 16 pts.
Este ano procurámos reunir a nata das nossas escolhas. Não houve ex aequos, mas, no top final, as coisas estiveram renhidas para o segundo lugar – desempatado através do cálculo da mediana. No entanto, podemos dizer que 2018 – como já é hábito nos tops do À pala de Walsh – é um ano cinéfilo relativamente intercontinental. No entanto, não podemos deixar de notar um predomínio do cinema americano este ano, com os últimos de Paul Thomas Anderson e Paul Schrader a ocuparem os lugares cimeiros – nunca nos 6 anos de À pala de Walsh um filme americano tinha ficado com o ouro. O romantismo – mesmo que venenoso – do filme de PTA serve de diapasão para outras escolhas, por exemplo, para os corações destroçados de Call Me by Your Name, L’amant d’un jour e Cold War. O romance pintado com tons trágicos parece ter ocupado o espírito dos nossos walshianos. A única comédia entre os títulos escolhidos é a comédia triste de Manuel Mozos, Ramiro, único filme português no top num ano em que, apesar de tudo, as escolhas de qualidade eram muitas (como se vê aqui e ali na escolha de outros filmes portugueses nos tops individuais).
Por fim, nestes dias em que digerimos ainda o iminente encerramento do histórico cinema Monumental, não podemos deixar de nos interrogar sobre um aspecto: a quantidade louca de filmes que estreiam nas nossas salas, mesmo sendo estas em cada vez menor número, ou cada vez mais remetidas para o interior de centros comerciais que vendem pipocas sob o pretexto de venderem bilhetes de cinema, em que, enfim, o consumo atinge a claustrofobia. Em 2017 terão estreado em sala, sem reposições, 416 filmes. Em 2018 foram 438 as estreias em sala sem reposições e contando com o magnífico Happî awâ, obra monumental que foi dividida em três sessões, como apenas uma estreia. Há mais filmes estreados do que dias do ano. Mesmo nós, que nos dedicamos com algum empenho a ver filmes, temos enormes dificuldades de abarcar esta avalanche de oferta fílmica. Face ao ocaso das salas de cinema, isto devia ser motivo de reflexão. Um estudo recente chegava à conclusão – quiçá surpreendente – de que, afinal, os serviços streaming não estão a demover os espectadores de frequentarem as salas de cinema. As pessoas que gostam de cinema vão ver o cinema que lhes interessa onde quer que ele esteja. Ora, talvez seja importante que as salas comecem a programar cinema com base mais na qualidade do que na quantidade, atendendo, também, às exigências de conforto e estilo de vida do novo espectador. O mercado das salas precisa de se repensar e não ficar especado a assistir ao seu descalabro. Esta é a nossa mensagem – e o nosso desejo – para o ano de 2019.
Bernardo Vaz de Castro
- Le livre d’image (O Livro de Imagem, 2018) de Jean-Luc Godard
- Phantom Thread (A Linha Fantasma, 2017) de Paul Thomas Anderson
- Correspondências (2016) de Rita Azevedo Gomes
- Jusque’à la garde (Custódia Partilhada, 2017) de Xavier Legrand
- Manbiki kazoku (Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões, 2018) de Hirokazu Koreeda
- Lean on Pete (O Meu Amigo Pete, 2017) de Andrew Haigh
- Happî awâ (Happy Hour: Hora Feliz, 2015) de Ryûsuke Hamaguchi
- Barbara (2017) de Mathiew Almaric
- Zama (2017) de Lucrecia Martel
- No Intenso Agora (2016) de João Moreira Salles
Devo confessar que 2018 não foi particularmente estimulante pelas salas portuguesas, no entanto dificilmente encontro um ano em que as minhas escolhas possam ser tão díspares, o que reflecte uma curiosa e rara multiplicidade de propostas no universo cinematográfico. Se os três primeiros filmes atestam uma coerência para com o meu horizonte de expectativas, na medida em que Godard, Anderson e Rita Azevedo Gomes fazem parte de uma constelação que habitualmente estimo, a surpresa do último Koreeda, de João Moreira Salles e sobretudo de Andrew Haigh são exemplos que contradizem as expectativas para com estes cineastas. Espaço ainda para três últimas observações – surpresas de 2018: a primeira longa-metragem de Legrand é um marco notável e Happy Hour corrobora qualquer expectativa e burburinho em torno; e incluo Barbara no top deste ano, dada a estreia comercial em Portugal ter ocorrido após o lançamento do anterior top dos melhores do ano e creio que não era justo para com um dos meus filmes predilectos a sua ausência.
Carlos Natálio
- Western (2017) de Valeska Grisebach
- Le livre d’image de Jean-Luc Godard
- Happî awâ de Ryûsuke Hamaguchi
- Estiu 1993 (Verão 1993, 2017) de Carla Simón
- Ramiro (2017) de Manuel Mozos
- Lazzaro Felice (Feliz Como Lázaro, 2018) de Alice Rohrwacher
- Dogman (2018) de Matteo Garrone
- Mandy (2018) de Panos Cosmatos
- Call Me by Your Name (Chama-me Pelo Teu Nome, 2017) de Luca Guadagnino
- First Reformed (No Coração da Escuridão, 2018) de Paul Schrader
Muito bem. Antes que o fétido odor a filhoses e coscorões empeste o ar e torne tecnicamente inviável as condições para a prática de visionamento de filmes, assim como da leitura de textos inúteis sobre os mesmos, umas palavras sobre as minhas 10 pílulas de felicidade cinéfila no ano que agora nos finda. No topo o filme da Valeska. Não tanto por aquilo que seria a recriação de um western contemporâneo, mas mais como proposta política, um filme que devia ser mostrado diariamente no Parlamento Europeu até que se parasse de colocar as palavras “crise” e “refugiados” na mesma frase. Depois, o nosso tirésias do cinema, Godard, aqui travestido em Nostradamus. O Livro das Imagens é uma viagem sem fim que começa na voz rouca e testamental do cineasta e que percorre tantos caminhos, muitos deles infames como a da “sacrosantidade” da guerra. Último lugar do pódio para o primeiro filme que vejo do japonês Hamaguchi, cinco horas felizes de cinema, um tempo em suspenso, um cubismo existencial que por vezes parece Cassavetes e noutras Rohmer. Quarto lugar é da realizadora catalã, Carla Simón, por nos dar uma câmara à altura da infância, nos mostrar como o cinema pode apanhar a percepção de uma criança e por explicar a Alfonso Cuarón como se pode revisitar a infância sem tirar partido da criadita. Depois, o nosso herói maravilhoso, Ramiro, homem sem grandes aspirações, estátua sorridente numa Lisboa gentrificada. Este foi aliás um ano em que descobri Mozos como o nosso “poeta da desolação e da melancolia“.
O lázaro da realizadora Rohrwacher é um hino à bondade e pureza e é por isso que ele faz menos lembrar o burro de Bresson (não confundir com a expressão “o burro do Bresson”) e os rostos e a santidade perversa de Pasolini. Dogman é mais um dos herois frágeis do ano, juntamente com este Lázaro e com Ramiro. Garrone sabe apanhar um actor e com a sua câmara não larga o osso, numa fábula David contra Golias, domador contra besta raivosa. Aliás, Marcello Fonte e Adriano Tardiolo do filme anterior põe a representação italiana num patamar que não conhecíamos desde Ninetto Favoli, Alberto Sordi ou Marcello Mastroianni. Mandy é um daqueles doces hiper-calóricos, que nos pinta o céu da boca e nos destrói uns quantos neurónios, só isso. E isso já é muito para mim. Quase a fechar o top, um dos poucos filmes delicados que me convenceram (houve vários que não o fizeram, por exemplo, o Kogonada, o último Garrel, mesmo o PTA, nosso “filme do ano”). Call Me by Your Name é um Verão doce, alegre e triste, com Timothée Chalamet a acreditar na sua personagem e nós com ele. Finalmente, não desgostei do regresso de Schrader, um tanto overhyped contudo, e talvez não pelas mesmas razões. Não há muita pachorra por estes lados para um reaquecimento de Bresson, mas há no entanto um interesse pela possibilidade de ligar uma ideia cósmica de fé ao trabalho de hoje muito activo sobre a ecologia. E First Reformed tem isso.
Desilusões: Paul Thomas Anderson em modo piloto, Garrel com pouca coisa a dizer, Martel em modo activista histórico, Haneke apaixonado pelo choque que não choca, o terror sério e inefável de David Gordon Green e Luca Guadagnino, o formalismo de Massadian e o último do Aguilar que me deixou à porta. Filmes “agradáveizinhos”: Que le diable nous emporte, The Shape of Water, The Killing of a Sacred Deer, Frost, Columbus, La Ciambra. Finalmente, aqueles que tive pena de não lhes ter posto a vista em cima: Shoplifters, Correspondências, Jusque’à la garde, Franz, Les gardiennes, os Spielbergs, o James Wan, Cold War, The Other Side of the Wind, Annihilation, The Death of Stalin.
E “prontos”… vão lá à vossa vida.
Carlos Alberto Carrilho
- The Post (2017) de Steven Spielberg
- Le livre d’image de Jean-Luc Godard
- As Boas Maneiras (2017) de Juliana Rojas, Marco Dutra
- Correspondências de Rita Azevedo Gomes
- BlacKkKlansman (O Infiltrado, 2018) de Spike Lee
- Hereditary (Hereditário, 2018) de Ari Aster
- L’amant d’un jour (O Amante de Um Dia, 2017) de Philippe Garrel
- Šerkšnas (Geada, 2017) de Šarūnas Bartas
- The Strangers: Prey at Night (Predadores da Noite, 2018) de Johannes Roberts
- Madame Hyde (2018) de Serge Bozon
Os melhores filmes do ano também passaram por Portugal: Les garçons sauvages (2017) de Bertrand Mandico [IndieLisboa 2018], Un couteau dans le coeur (2018) de Yann Gonzalez [MOTELX 2018].
E ainda: 47 Meters Down de Johannes Roberts, The Shape of Water de Guillermo del Toro, The Florida Project de Sean Baker, Que le diable nous emporte de Jean-Claude Brisseau, Gok-seong de Na Hong-jin, Death Wish de Eli Roth, You Were Never Really Here de Lynne Ramsay, A Quiet Place de John Krasinski, Zama de Lucrecia Martel, First Reformed de Paul Schrader, Happy End de Michael Haneke, La Villa de Robert Guédiguian, Revenge de Coralie Fargeat, Mariphasa de Sandro Aguilar, Happî awâ de Ryūsuke Hamaguchi, Thelma de Joachim Trier, Halloween de David Gordon Green, The Endless de Justin Benson, Aaron Moorhead, Under the Silver Lake de David Robert Mitchell.
Por outro lado: Burning (2018) de Lee Chang-dong, Summer of 84 (2018) de François Simard, Anouk Whissell, Yoann-Karl Whissell, Roi Soleil (2018) de Albert Serra, The Witch in the Window (2018) de Andy Mitton, Pyewacket (2017) de Adam MacDonald, The House That Jack Built (2018) de Lars von Trier [LEFFEST’18], The Wild Pear Tree (2018) de Nuri Bilge Ceylan [LEFFEST’18], Stan Brakhage: A Arte da Visão [Cinemateca Portuguesa], James Benning [doclisboa’ 18], An Elephant Sitting Still (2018) de Hu Bo [IndieLisboa 2018], Si Hun Ling (Dead Souls, 2018) de Wang Bing [doclisboa’ 18], Monrovia, Indiana (2018) de Frederick Wiseman [doclisboa’ 18], The Incubus (1982) de John Hough [Vinegar Syndrome], Les expériences érotiques de Frankenstein, La fille de Dracula, Les démons, Tender Flesh de Jess Franco [Artus Films], Rainer Werner Fassbinder – Volumes 1 & 2 [Carlotta Films], Ingmar Bergman’s Cinema, Collector’s Edition [The Criterion Collection], The Haunting of Hill House (2018) de Mike Flanagan [Netflix], Coincoin et les z’inhumains (2018) de Bruno Dumont [ARTE].
O pior: Linhas de Sangue de Sérgio Graciano e Manuel Pureza, Call Me by Your Name de Luca Guadagnino, Djon África de João Miller Guerra e Filipa Reis, Phantom Thread de Paul Thomas Anderson, Suspiria de Luca Guadagnino, The Killing of a Sacred Deer de Yorgos Lanthimos, Meg de Jon Turteltaub, The Nun de Corin Hardy, Ghostland de Pascal Laugier, Venom de Ruben Fleischer.
Francisco Noronha
- L’amant d’un jour (O Amante de um Dia, 2017) de Philippe Garrel
- Ramiro de Manuel Mozos
- Zimna wojna (Cold War – Guerra Fria, 2018) de Pawel Pawlikowski
- Phantom Thread de Paul Thomas Anderson
- Roma (2018) de Alfonso Cuarón
- Le livre d’image de Jean-Luc Godard
- Call Me by Your Name de Luca Guadagnino
- Frantz (2016) de François Ozon
- First Reformed de Paul Schrader
- Hereditary de Ari Aster
Outros filmes (estreias comerciais apenas) que levo comigo de 2018: Lean on Pete, Jusqu’à la garde, Lady Bird, Der Hauptmann, Visages villages, Three Billboards Outside Ebbing, Missour, As Boas Maneiras, Milla, Ana, mon amour, Happy End, Thelma.
Tenho sentido a felicidade de, todos os anos, encontrar um filme, pelo menos, com o qual crio uma relação especial, distinta da que mantenho com todos os outros. Isso não faz dele, evidentemente, “melhor” do que os restantes; esta não é a lista dos “melhores do ano” (isso pode ser encontrado nas indiewires desta vida), mas sim, mais modestamente, a lista d’os filmes do meu contentamento. Seriações como esta são apenas isso mesmo: diários de afectos que folhearemos daqui a uns anos e que então nos remeterão para aqueles que ama(á)mos, para noites mal dormidas ou refasteladas tardes de praia, pontadas no peito cuja electricidade desce pelo tronco e faz com que a perna esquerda adopte um passo estranhamento sincopado, diferente do habitual. Em 2018, talvez pela primeira vez, nenhum filme me abraçou dessa forma. Culpa dos filmes, culpa minha? A culpa é sempre dos dois. Reterei, porém, Cleo caminhando em frente; Cleo de pé, sempre. Nunca tentando nadar, apenas caminhando, nenhuma onda capaz de a abalar – no máximo, um cabelo colado às pálpebras que uma mão rapidamente sacode. Cleo.
Inês N. Lourenço
- Phantom Thread de Paul Thomas Anderson
- First Reformed, de Paul Schrader
- Roma de Alfonso Cuarón
- Happî awâ (Happy Hour: Hora Feliz, 2015) de Ryusuke Hamaguchi
- Dogman de Matteo Garrone
- Isle of Dogs (Ilha dos Cães, 2018) de Wes Anderson
- Lazzaro Felice de Alice Rohrwacher
- Le livre d’image de Jean-Luc Godard
- Shoplifters de Hirokazu Koreeda
- L’amant d’un jour de Philippe Garrel
Este foi o ano em que me deixei levar pelo sortilégio escondido nas costuras de Phantom Thread. Um filme que deu ao início de 2018 um certo tom de esperança, confirmado mais ou menos a meio com First Reformed (estreou em Julho), e, grosso modo, renovado agora em Dezembro com Roma. Esta trilogia acaba por representar o cinema que me tocou pelas suas sublimes, e diferenciadas, expressões de transcendência – também pela transcendência se define o belíssimo Lazzaro Felice.
A minha grande descoberta pessoal foi, no entanto, o japonês Ryusuke Hamaguchi e o seu Happî awâ, subtil monumento da intimidade, com pouco mais de cinco horas “felizes”. Por sua vez, a justaposição mais divertida que se pode fazer olhando para esta lista (apercebi-me dela enquanto percorria a formatura do meu gosto) é entre a matemática visual de Wes Anderson e o seu Isle of Dogs, e a gramática tempestuosa de Godard e Le livre d’image… Ficam de fora outras belezas estreadas em 2018 nas nossas salas: Call Me By Your Name, Frantz, Frost, Les gardiennes, e sobretudo – excluído por se tratar de uma estreia Netflix – The Other Side of the Wind (O Outro Lado do Vento, 2018), notícias do Além de Orson Welles.
João Araújo
- First Reformed de Paul Schrader
- Happî awâ de Ryûsuke Hamaguchi
- Columbus (2017) de Kogonada
- Shoplifters de Hirokazu Koreeda
- Phantom Thread de Paul Thomas Anderson
- Call Me by Your Name (Chama-me Pelo Teu Nome, 2017) de Luca Guadagnino
- Roma de Alfonso Cuarón
- You Were Never Really Here (Nunca Estiveste Aqui, 2017) de Lynne Ramsay
- Cinema Novo (2016) de Eryk Rocha
- Western de Valeska Grisebach
Uma menção “honrosa” para filmes que podiam também estar nesta lista: Lazzaro felice de Alice Rohrwacher, The Florida Project de Sean Baker, No Intenso Agora de João Moreira Salles, A Ciambra de Jonas Carpignano, Zama de Lucrecia Martel, The Killing of a Sacred Deer de Yorgos Lanthimos, BlacKkKlansman de Spike Lee, A Quiet Place de John Krasinski, L’amant d’un jour de Philippe Garrel, e finalmente, Le livre d’image de Jean-Luc Godard. Menção ainda para o melhor filme deste ano sem direito a estreia comercial: Annihilation de Alex Garland.
“A arte que não desaparece”, ouço a certo ponto do novo filme de Godard, o último que vi para elaborar esta lista, será que se refere ao cinema? A verdade é que este mostra provas contínuas de regeneração e o ano de 2018 foi um dos melhores dos tempos recentes, se pensarmos nesta selecção de dez títulos. Veja-se a derradeira (?) obra de Paul Schrader, um autor proscrito e “prescrito”, que tem aqui um último gesto de revolta e vitalidade num filme em que a dúvida e a fé estão lado a lado; ou a descoberta, mesmo que tardia, da obra de Ryûsuke Hamaguchi, com um épico comovente que junta um leque memorável de personagens enquanto questiona o que pode ser compreendido como uma família, tema também explorado pela “re-invenção” ou regresso às origens de Alfonso Cuarón, tal como Hirokazu Koreeda que depois de filmar as crianças como adultos filma agora os adultos como crianças. Considere-se também a beleza do filme-ensaio de Eryk Rocha, filho a prestar homenagem ao pai e outra descoberta, a primeira obra de Kogonada, em que um filho tenta despedir-se do pai ajudado por uma nova perspectiva (a revelação: Haley Lu Richardson). A viagem às profundezas da solidão e obsessão da personagem interpretada por Ethan Hawke em First Reformed pode ser equiparada à de Joaquin Phoenix no filme de Lynne Ramsay, mas também podemos pensar no cowboy solitário de Valeska Grisebach ou na personagem indomável de Daniel Day-Lewis em Phantom Thread; mas no fim, como sempre, o amor como salvação: é o que parece querer dizer desde o início o filme de Luca Guadagnino (melhor confissão do ano: a conversa à volta da fonte e no sofá com o pai), e ainda o casal do filme de Paul Thomas Anderson (arrebatadora Vicky Krieps), ou os abraços finais de Columbus, Roma e First Reformed.
João Lameira
- Phantom Thread de Paul Thomas Anderson
- Mission Impossible – Fallout (Missão: Impossível – Fallout, 2018) de Christopher McQuarrie
- The Death of Stalin (A Morte de Estaline, 2017) de Armando Iannucci
- Columbus de Kogonada
- Western de Valeska Grisebach
- First Reformed de Paul Schrader
- Call Me by Your Name de Luca Guadagnino
- Happî awâ de Ryûsuke Hamaguchi
- The Post de Steven Spielberg
- American Animals (2018) de Bart Layton
Já vem sendo hábito desconfiar da distribuição em Portugal, da produção de cinema em geral e/ou da minha capacidade de ir ver os melhores filmes do ano às salas. Como aconteceu com listas recentes, tive dificuldade em completar esta. Nos últimos quatro lugares, estão filmes de que provavelmente me esquecerei ou não compreenderei por que incluí. Escrito isto, gosto muito dos primeiros cinco, postos assim como podiam estar assado (a ordem pouco interessa): Western e Columbus, que associo por ter visto na mesma altura, dois belos exemplos de cinema rigoroso e preciso, ao osso; The Death of Stalin, assente no excelente texto de Iannucci, de um humor negro hilariante até ao murro no estômago final; Mission Impossible, fabuloso filme de acção, demonstrativo do óptimo faro de Tom Cruise para encontrar os colaboradores ideias (a parceria com McQuarrie tem sido particularmente frutuosa); Phantom Thread, obra-prima de Paul Thomas Anderson, que revela um humor quase grosseiro (por favor, o protagonista masculino chama-se Woodcock) num perverso conto de fadas, ora seco ora luxuriante. First Reformed, não me tendo deleitado como aos demais, é mais uma façanha formal, filmando em 4 por 3 o diário de um pároco de aldei… perdão, cidadezinha estado-unidense.
De fora, por motivos alheios (as regras deste jogo, que só permite estreias comerciais em sala de filmes contemporâneos), ficam A Ghost Story de David Lowery, que cobre Casey Affleck com um lençol e dá a Will Oldham o melhor arrazoado da saison, lançado directamente em DVD, e todo o ciclo d’Os Grandes Mestres do Cinema Francês, no qual se estrearam dois filmes de Sacha Guitry e sobretudo duas belíssimas obras de Marcel Pagnol [La femme du boulanger (1938) e La fille du puisatier (1940)]. (Se o magnífico Le crime de Monsieur Lange (1936) de Jean Renoir também se tiver estreado este ano, junto-o a estes.)
José Bértolo
- Frantz de François Ozon
- Happî awâ de Ryûsuke Hamaguchi
- Cold War de Pawel Pawlikowski
- Call Me by Your Name de Luca Guadagnino
- Kedi (Gatos, 2016) de Ceyda Torun
Frantz não é sobre os efeitos da Primeira Guerra, Happî awâ não é sobre a falência do casamento enquanto instituição, Cold War não é uma alegoria da Guerra Fria, Call Me by Your Name não é sobre a homossexualidade, e Kedi não é sobre a proliferação de gatos vadios na Turquia. Reduzir qualquer um destes filmes ao estatuto de sintoma é o princípio da aniquilação da arte e, porventura mais grave, da inteligência. Contrariamente ao que poderá parecer ao espectador arguto, o que cada um destes filmes ensaia é a potência que o cinema encerra de produzir formas, ideias e pulsões que não têm – porque não podem ter (é essa a faculdade essencial do cinema) – referentes concretos, análogos, na nossa realidade. Ver filmes em função de redutoras grelhas de referencialidade (ou de representabilidade) não os torna mais próximos de nós ou mais reais; pelo contrário, estilhaça-os e impede-os de passar a integrar o real, pois eles deixam de poder penetrar em nós enquanto mistério. E a única maneira de um filme transformar o real é habitando-nos misteriosamente, sobretudo nos recantos ignorados, ignorantes.
É preciso reabilitar o carácter inumano do cinema, porque é nele que reside a sua humanidade, e talvez a nossa.
Luís Mendonça
- Phantom Thread de Paul Thomas Anderson
- Happî awâ de Ryûsuke Hamaguchi
- First Reformed de Paul Schrader
- L’amant d’un jour de Philippe Garrel
- Roma de Alfonso Cuarón
- Que le diable nous emporte (Que o Diabo Nos Carregue, 2018) de Jean-Claude Brisseau
- Aquaman (2018) de James Wan
- Le livre d’image de Jean-Luc Godard
- A Árvore (2018) de André Gil Mata
- Le secret de la chambre noire (O Segredo da Câmara Escura, 2016) de Kiyoshi Kurosawa
Foi um ano de alto nível. Para mim, 2018 teve como “palavra do meio” o melodrama. Os seus pontos mais altos foram o melodrama extático e bem perverso de Paul Thomas Anderson e o melodrama que flui como um rio de Ryûsuke Hamaguchi. Segue-se, bem perto, a ressurreição de Paul Schrader como um cineasta de corpo inteiro. Garrel regressa com um dos seus filmes mais delicados dos últimos anos, um hino ao amor e à cumplicidade entre mulheres. Cumplicidade e amor são também palavras que podíamos usar para caracterizar Roma de Alfonso Cuarón, mas o que impressiona mais aqui é a forma como a câmara, num siderante “back and forth”, empatiza e cria distâncias com o espaço, as personagens, o movimento da vida… Brisseau assina uma espécie de transcendental Viskningar och rop (Lágrimas e Suspiros, 1972), um “filme de mulheres” que joga ao cosmos as questões que suscita. Aquaman é um puro espectáculo cinético, uma história de encantar que tem o décor como principal protagonista, mas que não se esquece das suas personagens. Le livre d’image é Godard a levar ainda mais longe a sua “bela inquietação”, a montagem, produzindo em chamas uma das mais esfuziantes tapeçarias de imagem e som. A Árvore é uma hipnótica viagem de câmara, fábula que nos conta em surdina a história dos conflitos armados na Bósnia, que lembra tanto Béla Tarr como The Night of the Hunter (A Sombra do Caçador, 1955). Por fim, um Kurosawa subestimado, um dos seus filmes mais conseguidos, história em que a fotografia e o seu “realismo espectral” são assuntos levados até à obsessão.
Este ano vi exactamente 63 filmes (dos elegíveis para esta lista). Deixo como menções honrosas (por ordem de preferência): A Quiet Place, Frantz, Ramiro, Columbus, The Strangers: Prey at Night, Mariphasa, O Terceiro Assassinato, Western, Vazante, En guerre e Isle of Dogs.
Ricardo Gross
- Roma de Alfonso Cuarón
- Western de Valeska Grisebach
- First Reformed de Paul Schrader
- The Equalizer 2 (The Equalizer 2 – A Vingança) de Antoine Fuqua
- Phantom Thread de Paul Thomas Anderson
- Jusqu’à la garde de Xavier Legrand
- Call Me by Your Name de Luca Guadagnino
- Que le diable nous emporte de Jean-Claude Brisseau
- Happy End (2017) de Michael Haneke
- Mission: Impossible – Fallout de Christopher McQuarrie
Estou muito satisfeito com a minha lista. Não tive de empurrar filmes para dentro dela. Já se me tivessem pedido 15 títulos, o caso mudava de figura. Foi um ano em que me dei ao luxo de rever dois filmes que estariam sempre na lista, para comprovar se a opinião que deles guardava se alterava em sentido mais positivo ainda. Não aconteceu. Ficou como estava nos dois casos. Isto não deita por terra uma teoria pessoal de que são mais importantes os filmes que temos vontade de rever; o tempo é que não terá sido o suficiente para reforçar esta crença pessoal. Talvez se trate de revisões precipitadas, embora igualmente gratificantes. As últimas palavras vão para o meu filme do ano, Roma. Quando terminou o visionamento a minha sensação mais imediata foi de que seria evidente para quase toda a gente as enormes qualidades deste filme. Um planetário da memória, fortemente imersivo (para mim) e concebido como um movimento contínuo de ascensão. Exclamei ali para os presentes, rompendo com a formalidade relativa da ocasião, que até prova em contrário aquele era o melhor filme estreado em 2018. Tenho escutado e lido opiniões em todos os sentidos, e nem tantas como isso coincidentes com a minha. Esta subjectividade com a qual vemos os filmes, se por um lado pode dar uma sensação de exclusão quando em minoria, é por outro o que de mais enriquecedor acontece quando termina o processo tecnológico que permite vê-los. Quando do filme fica só a memória pessoal e transmissível da experiência. É assim que olho para as nossas listas. Como um prolongamento dessa partilha inesgotável de experiências.
Ricardo Vieira Lisboa
- Skyscraper (Arranha-Céus, 2018) de Rawson Marshall Thurber
- Phantom Thread de Paul Thomas Anderson
- First Reformed de Paul Schrader
- Le livre d’image de Jean-Luc Godard
- How to Talk to Girls at Parties (Como Falar Com Raparigas em Festas, 2017) de John Cameron Mitchell
- Lazzaro felice de Alice Rohrwacher
- L’amant double (O Amante Duplo, 2017) de François Ozon
- The Commuter (The Commuter – O Passageiro, 2018) de Jaume Collet-Serra
- Ramiro de Manuel Mozos
- Mariphasa (2017) de Sandro Aguilar
Porque a distribuição comercial de cinema em Portugal deixa muito a desejar, aqui ficam outras listas do melhor que me passou pela vista noutros circuitos cinematográficos.
8 melhores longas metragens exibidas em festivais nacionais: Readers de James Benning, Playing Men de Matjaž Ivanišin, ★ de Johann Lurf, Un couteau dans le coeur de Yann Gonzalez, Lembro mais dos Corvos de Gustavo Vinagre, Terror Nullius: A Political Revenge Fable in Three Acts de Soda Jerk, Fotbal infinit de Corneliu Porumboiu, Le Lion Est Mort Ce Soir de Nobuhiro Suwa.
8 melhores curtas metragens exibidas em festivais nacionais: Inconfissões de Ana Galizia, Ultra pulpe de Bertrand Mandico, A Brief Spark Bookended by Darkness de Brent Green, Chris Olsen – The Boy Who Cried de Mark Rappaport, Silica de Pia Borg, An Empty Threat de Josh Lewis, Painting With Joan de Jack Henry Robbins, The Men Behind the Wall de Inés Moldavsky.
8 melhores filmes portugueses (ainda) sem distribuição comercial, exibidos em festivais nacionais: Diamantino de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, Bostofrio, où le ciel rejoint la terre de Paulo Carneiro, Sunstone de Louis Henderson e Filipa César, Anteu de João Vladimiro, Amor, Avenidas Novas de Duarte Coimbra, Os Mortos de Gonçalo Robalo, A Volta ao Mundo quando tinhas 30 anos de Aya Koretzky, Sombra Luminosa de Francisco Queimadela e Mariana Caló.