Hoje, o mercado cinematográfico português é dominado, directa ou indirectamente, pelas grandes majors americanas. Mas nem sempre foi assim. Nas primeiras décadas de cinema, as salas eram dominadas pelos filmes das casas produtoras europeias, nomeadamente a Pathé, a Gaumont, a Films d’Art, a Italo Films, a Ambrosio e a Eclair, representadas pela Empresa Cinematográfica Portuguesa, fundada em 1908 pelo austríaco Karl Stella.
Em 1912, Stella associa-se ao luso-irlandês Leopoldo O’Donnell e ao alemão Arthur Gottschalk para criar a Companhia Cinematográfica de Portugal, uma distribuidora ainda mais forte. Nas salas nacionais, o cinema americano era então escasso e pouco conhecido, resumindo-se essencialmente a alguns filmes de Edison, sendo dominantes as produções francesas, italianas, alemãs e escandinavas.
No entanto, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) alterou substancialmente esse cenário inicial. Após 1916, com a declaração de guerra aos alemães, Portugal abandona a neutralidade e entra no conflito. De imediato, Stella e Gottschalk são expulsos do país. José Maria Castello Lopes e José Otovide Sequeira, funcionários da Companhia Cinematográfica de Portugal, associam-se a Luis Ochoa e Abraão Maurício de Carvalho para comprar a distribuidora, que entretanto, desde 1916, controlava o Cinema Condes, a mais recente sala de estreia da capital.
Castello Lopes assume a gerência da firma e é responsável por uma estratégia que mudaria para sempre o mercado cinematográfico português: entre 1918 e 1920, assina contratos exclusivos para representar em Portugal as americanas Famous Players-Lasky Corporation (mais tarde Paramount), a Goldwyn (mais tarde MGM), a First National e a Vitagraph. Em poucos meses, o cinema americano passaria a ser o mais popular entre os espectadores portugueses.
Em 1923, pouco após a criação da Castello Lopes, Limitada, a estreia nacional de Intolerance (Intolerância, 1916) de D. W. Griffith seria o grande acontecimento do ano. Então, a Castello Lopes apresentava um catálogo de filmes recheado de novas estrelas: Liró (Harold Lloyd), Caralinda (Harry Polard), Pencudo (Larry Semon), Faty (Fatty Arbuskle), Conde Hugo (Francis Ford), Pafúncio (Monty Banks), Douglas Fas-Bancos (Douglas Fairbanks), entre outros.
Rendidos aos novos gostos populares, os concorrentes de Castello Lopes, nomeadamente a Companhia Raúl Lopes Freire e a Internacional de Arthur Emaúz, começam também a assegurar estreias de fitas americanas de novos realizadores como John Ford, Buster Keaton, Erich Von Stroheim, Alan Crosland, Robert Flaherty, William Duncan, Sidney Franklin ou Rex Ingram, entre outros.
Em 1927, atenta ao negócio, e percebendo o potencial do mercado português, então com cerca de 150 salas de cinema, a Paramount decide abrir uma sucursal em Lisboa. O pânico instalou-se entre os distribuidores, enquanto o optimismo animou os exibidores: em 1929, o número de salas havia duplicado, totalizando então as 302, com a contagem a crescer nos anos seguintes. Sem querer perder o comboio, outras majors americanas seguiram o exemplo e abriram as suas sucursais em Lisboa: Metro-Goldwyn-Mayer (1928), que também representava a toda poderosa First National; RKO (1931); Fox (1936).
As distribuidoras portuguesas remediaram-se com os “restos”: a Castello Lopes ficou com o exclusivo dos catálogos da United Artists, da Warner e da Universal, enquanto Lopes Freire garantiria a Columbia e a velhinha Companhia Cinematográfica de Portugal sobrevivia graças à Fox. Com menos filmes, estas distribuidoras também ficaram com menos salas, ocupadas pelas estreias das concorrentes americanas: estreias da Fox às Segundas-feiras no Tivoli; estreias da Metro às Terças no São Luiz; estreias da Warner e Paramont às Sextas no Eden.
Com Lisboa sitiada, Castello Lopes avança para a exploração de salas em Cascais e Sintra e para a inauguração, no interior alentejano, do Beja-Cine, uma moderna sala de cinema com capacidade para 1200 espectadores. A concorrência pela ocupação das salas era de tal maneira feroz que, até 1940, foram raros os filmes que ultrapassaram uma semana de exibição em cinema de estreia: o aguardado The Big Parade (A Grande Parada, 1925) de King Vidor, que permaneceu em exibição contínua no Odeón entre 28 de Janeiro e 2 de Maio de 1928; e o inesperado João Ratão (1940) de Jorge Brum do Canto, que permaneceu 10 semanas consecutivas em exibição no São Luiz, entre 29 de Abril e 2 de Agosto de 1940.
A transição do mudo para o sonoro consagrou definitivamente a invasão americana: na temporada cinematográfica 1927-1928, os filmes americanos representavam já 75% dos filmes exibidos em Portugal. Durante a Segunda Guerra Mundial, a produção europeia seria novamente afectada, beneficiando novamente uma consolidação das posições americanas no mercado cinematográfica português.
A “ocupação” americana haveria de terminar na viragem da década de 1960 para a seguinte, com as majors a encerrar os seus escritórios lisboetas (Paramount fechou em 1969, a Fox em 1972 ) e a confiar novamente os seus interesses aos distribuidores nacionais, nomeadamente a Lusomundo e a Castello Lopes. Ainda que se retirassem fisicamente, os interesses dos majors estariam assegurados para as décadas seguintes.