Um ano depois de Stan Brakhage: A Arte da Visão, a Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema regressa aos clássicos do cinema experimental norte-americano com O Cinema de Michael Snow, apresentação da obra fílmica completa, desenvolvida pelo autor canadiano para a sala de cinema, não considerando, portanto, o trabalho vocacionado para contexto expositivo. A mostra decorre ao longo da segunda quinzena de Fevereiro, tendo Michael Snow, que já completou noventa anos, participado em duas sessões: na sessão de abertura do ciclo com a projecção do incontornável Wavelength (1967), acompanhado por A to Z (1956), New York Eye and Ear Control (1964) e Short Shave (1965); e numa conversa com o público, que contou também com a presença de Peggy Gale, historiadora de arte e curadora, directora de pesquisa de “anarchive 2: Digital Snow”, DVD-ROM posteriormente transformado em plataforma online, que se apresenta como uma verdadeira enciclopédia virtual do trabalho que Michael Snow desenvolveu em diferentes media, contextualizado por entrevistas, música, excertos de obras e documentários raros.
Figura marcante da arte contemporânea desde meados do século XX, Michael Snow desenvolve actividade artística como artista plástico, músico e cineasta. O seu trabalho em filme ou vídeo é concebido especificamente para o convencional espaço da sala de cinema ou para exposições em galerias de arte e museus. Em Portugal, a sua obra tem tido alguma divulgação em ambos os contextos. Por um lado, no inicio da década de 2000, no defunto cinema King aconteceu um memorável ciclo programado por João Nisa e Ricardo Matos Cabo que juntou sete obras, incluindo alguns dos seus títulos mais importantes como Wavelength (1967), La région centrale (1971) e Back and Forth (1969). Por outro lado, nos últimos anos a Culturgest apresentou vários projectos expositivos do artista, primeiro pela mão de Miguel Wandschneider e depois através de Delfim Sardo. Com curadoria de Friedrich Meschede, a exposição “1 + 1 + 1 = 3 | Hermann Pitz, Michael Snow, Bernard Voïta” foi um olhar da presente relação entre a actividade criativa e o estúdio, juntando três artistas, oriundos de diferentes latitudes, que utilizam a fotografia e o filme como medium. Segundo o curador, o ponto de partida para a concepção da exposição foi precisamente Wavelength, o filme mítico que Michael Snow criara no espaço onde vivia e trabalhava, em Nova Iorque. No entanto, o filme não era apresentado na exposição. Michael Snow coloca resistência às propostas para ser apresentado em contextos expositivos, fora da tradicional sala de cinema, pelo que criou WVLNT (For Those Who Don’t Have the Time) (1966-67/2003), em que remonta a obra original com quarenta e cinco minutos para outra com a duração de quinze minutos. Em vez de recorrer a uma aceleração da imagem, apresenta três sobreposições inalteradas de som e imagem, multiplicando o número de elementos sobrepostos que já existiam no original e reforçando o seu lado fantasmático pela convivência de tempos diferentes. Anos depois, em 2018, a mesma instituição programou a exposição individual “O Som da Neve”, onde foram apresentadas, para além de instalações sonoras, outras em suporte vídeo, em que ao trabalho de som é atribuído um papel determinante. Paralelamente, aconteceu um concerto de Snow com composições da sua autoria para piano e foram exibidos quatro títulos fundamentais da sua filmografia, nos suportes originais, que agora repetem na mostra da Cinemateca Portuguesa.
As obras Wavelength e La région centrale são marcos fundamentais do cinema estrutural, movimento que revolucionou o cinema experimental a partir de meados da década de 1960, igualmente incluindo o trabalho de George Landow, Hollis Frampton, Paul Sharits, Tony Conrad, Ernie Gehr e Joyce Weiland. P. Adams Sitney, autor de Visionary Film: The American Avant-Garde (1974), que deu o nome ao movimento e que esteve no ano passado na Cinemateca Portuguesa a apresentar a obra de Stan Brakhage, elencou as características que o definem: plano fixo, efeito flicker, loop printing e refotografia off screen. Trata-se de um cinema centrado na estrutura, em que a forma do filme não só é simplificada como se torna na sua principal preocupação. As origens do movimento, como aponta Sitney, nem sempre são as mais evidentes. Primeiro, há que contar com a própria evolução do cinema experimental norte-americano, com os seus praticantes locais e as interferências vindas da Europa, trazidas por figuras influentes como o austríaco Peter Kubelka, o checo Alexandr Hackenschmied ou o lituano Jonas Mekas, alguns já detentores de carreiras prestigiadas nos seus países de origem. Alexandr Hackenschmied, pioneiro do cinema experimental checo, que nos Estados Unidos mudaria o nome para Alexander Hammid, com a companheira Maya Deren, seria o co-autor de Meshes of the Afternoon (1943), título exemplar do psychodrama ou trance film, modelo próximo do surrealismo em que os autores exploram questões psicológicas de ordem pessoal, enquanto questionam o seu papel dentro da actividade artística. Reflectindo sobre o cinema experimental americano, entre as décadas de 1940 e 1950, Parker Tyler nota que a sua principal tendência é considerar a acção como um sonho e o actor como um sonâmbulo. Cesare (Conrad Veidt), o sonâmbulo de Das Cabinet des Dr. Caligari (O Gabinete do Dr. Caligari, 1920) de Robert Wiene é indicado como símbolo e Le sang d’un poète (O Sangue de Um Poeta, 1932), primeiro filme do pintor e poeta Jean Cocteau, como modelo. Foi neste modelo que Stan Brakhage iniciou o seu trabalho, antes de desenvolver uma nova forma com o lyrical film, cujas potencialidades explorou em Anticipation of the Night (1958), enquanto começava a escrever o livro Metaphors on Vision (1960).
Recorrendo a técnicas de movimento da câmara, de montagem e de repetição, Anticipation of the Night radicaliza o ritmo e a abstracção para criar uma nova forma de expressão, que prescinde do actor enquanto mediador e transforma o cinema num relato na primeira pessoa. Numa relação de trabalho colaborativa com a família, a viver numa zona montanhosa no interior do país, entre a vida quotidiana, a floresta e o fluxo da água, a câmara de Stan Brakhage é conduzida manualmente num rápido movimento improvisado e contínuo como se fosse o prolongamento do olho humano, largando o tripé e sendo empurrada para trás e para a frente para captar fragmentos que darão forma a um todo. No lyrical film, o papel do protagonista é substituído pela acção da câmara, ao vermos o que o realizador vê, sendo a montagem a reacção à sua visão. Em termos do cinema experimental norte-americano, P. Adams Sitney vê as origens da consciência de uma narrativa na primeira pessoa, na sequência de abertura de Meshes of the Afternoon, explorando a casa segundo o ponto de vista da protagonista e depois em sucessivas variações com a sua presença. Ao desenvolver a forma do lyrical film, Stan Brakhage trabalha a partir das condições dessa cena de abertura, expandindo a noção de consciência da câmara quando associa o campo óptico aos movimentos do corpo e aos gestos de balanço da máquina. Esta conquista do romantismo do lyrical film, a par das perspectivas formalistas trazidas da Europa por Robert Breer e Peter Kubelka, inspirados em mestres do graphic cinema como Viking Eggeling, Hans Richter, Marcel Duchamp e Len Lye, são igualmente determinantes para o desenvolvimento do cinema estrutural, enquanto cinema da mente e não do olho.
Embora estas influências sejam determinantes para o desenvolvimento do cinema estrutural, o seu percursor mais importante é um artista plástico natural de um bairro pobre de Pittsburg, com problemas de timidez e de convivência com o corpo, que avançou nos estudos à custa de bolsas e se tornaria num dos artistas com maior sucesso e prestígio do século XX. Nascido Andrew Warhola, ficaria conhecido como Andy Warhol, nome artístico que adoptaria quando se mudou para Nova Iorque para trabalhar como artista plástico, embora tenha sido obrigado a dedicar-se às artes aplicadas (commercial arts) para poder sobreviver. O caminho para entrar no mundo da arte foi árduo, com muitas das resistências a surgirem por também desenvolver actividade como ilustrador e vitrinista, mas acima de tudo porque Nova Iorque vivia fascinada com o carácter performativo, as aparentes espontaneidade e intuição e a tendência anti-figurativa da hiper-masculinidade dos macho heroes do Expressionismo Abstracto, de que as enormes telas de Jackson Pollock, executadas no chão, segundo a técnica de dripping, são a face mais visível. Curiosamente, o sucesso enorme de Andy Warhol só acontece quando toma como sujeito os objectos comuns da vida quotidiana, em repetições mecânicas sucessivas, tornando as telas mais planas, tendencialmente sem profundidade de campo, recusando o pingar (drip) da tinta. É esta característica de supressão dos impulsos de ordem romântica que imperavam no Expressionismo Abstracto que, no auge do seu sucesso dentro da Arte Pop, Warhol transporta para a produção de obras em suporte filme.
Nos seus primeiros filmes, influenciado pelo trabalho recente de Jack Smith, Stan Brakhage, Gregory Markopoulos e Kenneth Anger, Andy Warhol vira-se para aquilo que o rodeia, coloca a câmara em plano fixo, sem preocupação com a direcção, a fotografia, a luz ou outras questões técnicas, e afasta-se até a película terminar. Sleep (1964) é um conjunto de meia dúzia de planos do jovem poeta e performer John Giorno, a dormir. Vale a pena reter a divertida leitura que Sitney faz da intrusão de Andy Warhol no cinema experimental e perceber como ela desembocou no nascimento do cinema estrutural. Sleep é uma inversão da tradição do sonho dentro do cinema de vanguarda, evidenciando mesmo uma certa paródia e falta de estima pela evolução do género. Sleep não é um sonho dentro de um trance film, mas sim mais de cinco horas de um homem a dormir, que questiona os mitos da compressão e do papel do cineasta. Para Brakhage e Kubelka, o filme não deve esbanjar um único frame e o cineasta deve controlar todos os aspectos da criação. Warhol ligava a câmara e afastava-se, reagindo com indiferença à herança romântica e desafiando a percepção do espectador quanto à uniformidade da imagem. Ainda mais, requeria que alguns dos seus filmes fossem projectados a 16 imagens por segundo, quando tinham sido filmados a 24, aumentando a duração através de uma leve câmara lenta. Nos primeiros filmes de Warhol, onde já estão presentes várias das características do cinema estrutural que acima foram enunciadas, apenas o espectador persistente estaria disponível para viver a experiência. Pelo que, acima de tudo, o cinema estrutural não pode ser visto como uma simples ruptura ou desenvolvimento da forma precedente, o lyrical film, mas antes como uma tentativa de articulação com o cinema de Warhol, incluindo as suas propostas na elaboração da resposta, nomeadamente a questão da duração.
Enquanto trabalhava como artista plástico, durante uma exposição, Michael Snow recebeu o convite de George Dunning, mais conhecido pela animação Yellow Submarine (O Submarino Amarelo, 1968), a partir da música de The Beatles, para trabalhar no seu estúdio. George Dunning afirmaria a crença de que o autor dos trabalhos expostos gostaria de trabalhar em animação. Utilizando os recursos do estúdio, Snow realizaria o seu primeiro filme, A to Z, com a duração de sete minutos, em que peças de mobiliário animadas experimentam os prazeres do amor. Mudando-se para Nova Iorque, realiza New York Eye and Ear Control, com um fundo musical de improvisação free jazzpela super banda formada pelo saxofonista Albert Ayler, o trompetista Don Cherry o baterista Sunny Murray, o baixista Gary Peacock, o saxofonista John Tchicai e o trombonista Roswell Rudd. O filme introduz uma silhueta feminina que ficaria conhecida como Walking Woman, que Snow reproduziria em muitos filmes posteriores, aparentemente inspirada na pianista compositora Carla Bley, figura de proa da cena musical nova-iorquina. A silhueta, que sugere uma simplificação do corpo da mulher, com a nuca, as mãos e os pés cortados, como um pictograma, é colocada em diferentes ambientes urbanos e submetida ao efeito de agentes naturais e artificiais. Michael Snow recusa o adjectivo de feminista, mas principalmente nas imagens em que a silhueta é contraposta aos arranha-céus é inevitável que venha à memória o carácter performativo do corpo de trabalho muito discutido no campo dos Estudos Feministas, que Cindy Sherman desenvolveria na década seguinte, nomeadamente a série Untitled Film Stills (1977–80), mas também A Play of Selves (1975) e Murder Mystery Works (1976), ambas compostas por figuras femininas recortadas como bonecas de papel da própria artista.
Num dos seus trabalhos mais discutidos e aclamados, produzido no auge do Minimalismo, Michael Snow “não escolheu fazer um objecto para ser exposto numa sala, mas antes um filme sobre uma sala” (Elizabeth Legge). Wavelenght é um zoom de quarenta e cinco minutos ao longo de uma sala quase vazia do seu apartamento em Nova Iorque. Nas imensas notas preparatórias descrito como “zoom film”, acabaria por mudar o nome para Wavelenght, representa um zoom muito lento numa linha directa para a parede mais afastada, modelada por quatro janelas altas, com o acompanhamento do som de uma sinusóide em crescendo, que contribui para o título do filme. No inicio, o silêncio dá lugar a imagens saturadas de amarelo e vermelho, antes de vermos uma grande sala, inundada pelo som do trafego que transita ao longo das janelas. Uma mulher de casaco vermelho entra com dois homens que transportam um armário de prateleiras, instruindo-os sobre o lugar onde o devem colocar. Enquanto o zoom percorre a sala, decorrerão mais três eventos deste tipo que ajudam o espectador a experienciar questões espaciais e a questionar a natureza da imagem: duas mulheres entram ligando a rádio e ouvindo Strawberry Fields Forever de The Beatles, tiros são disparados e um homem cai abatido no chão da sala e, finalmente, surge uma mulher que faz uma chamada telefónica para comunicar a morte que acontecera.
Por outro lado, os eventos ou incidentes com pessoas, que parecem indiciar uma vertente de drama associada ao cinema industrial, são intervalados por substituições do rolo da película, pequenos avanços no zoom, modelações de cor entre o monocromático e o saturado, sobreposições e inversões entre positivo e negativo. Para Michael Snow, Wavelenght é a expansão de simples imagens fotográficas que são repetidas em rápidas sucessões no ecrã. A sala representada é uma imagem abstracta cuja condição apenas se transforma quando é ocupada – ou seja, a sala existe apenas como ilusão. Se, durante muito tempo, olharmos para a imagem da sala ela torna-se abstracta e bidimensional. Mas quando alguém percorre o espaço, este adquire uma convincente ilusão de tridimensionalidade. No caso da morte, a transição entre a condição de mobilidade e de imobilidade, o zoom avança e o corpo fica fora de campo. A imobilidade da morte nivela o estado do corpo humano com os poucos objectos que ocupam o espaço, devolvendo à sala a bidimensionalidade. O filme termina com o zoom suspenso na infinitude do mar que vemos numa fotografia pendurada na parede. Em 1970, o compositor minimalista Steve Reich utilizaria essa imagem do mar como capa do álbum “Four Organs”.
Nos filmes seguintes, Michael Snow irá expandir as experiências em torno do tempo e do espaço. Back and Forth (1969) foi filmado no interior e exterior de uma sala de aula pré-fabricada, com a câmara a rodar em movimentos contínuos de velocidade variável, entre a esquerda e a direita, entre acima e abaixo. O tripé foi manipulado para que a câmara apenas se possa movimentar em determinado intervalo. De uma breve passagem pelo exterior, onde um homem caminha, passamos para o interior. A câmara movimenta-se entre a esquerda e a direita, em ritmos diferentes que variam do médio, ao lento até ao acelerado, o que faz variar o nível de informação que é dado ao espectador sobre o espaço. Conforme a velocidade do movimento vai acelerando, a imagem da sala transforma-se num amontoado de sobreposições até ao momento em que o detalhe desaparece totalmente para dar lugar a uma grande massa uniforme, algo que parece aspirar a um plano fixo que possa carregar toda a informação que o intervalo imposto permite captar. Mais uma vez, a acção da câmara ignora toda a movimentação humana que pontualmente invade a cena, o que elimina a abstracção da imagem e permite que o espectador experiencie o espaço. Sobre Back and Forth, o crítico Manny Farber escreveu: “Este filme notável, extremamente preciso e de uma grande sensibilidade, estuda o interior e o exterior de uma banal sala de aula pré-fabricada; este espaço assimétrico observado pela câmara é tão vulgar que é difícil acreditar que todo o filme lhe esteja confinado”.
Enquanto um dos mais ambiciosos filmes de Michael Snow, La région centrale é um longo estudo de quatro horas sobre a paisagem, o movimento e a visão. O autor desenvolveu um engenhoso equipamento para fixar a câmara, permitindo-lhe movê-la em todas as direcções. O equipamento foi colocado numa zona remota do Quebeque, o antigo núcleo geológico do continente norte-americano, composto por rochas resultantes de uma longa história vulcânica, cobertas por uma camada fina de solo. Durante vários dias, Snow controlou remotamente a câmara, para registar a imponente paisagem inóspita seguindo inúmeras direcções e diferentes velocidades de movimento. Ao contrário do que fez em Wavelenght ou Back and Forth, Snow não filma a presença humana ou o resultado da sua acção, nem demonstra vontade de comprimir o espaço e o tempo, propondo uma reflexão portentosa sobre a pureza da visão. Regressemos às palavras certeiras de Manny Farber: “La région centrale olha para a paisagem de um ponto de vista nunca antes tomado, pelo que é inteiramente primordial – é como ver o mundo pela primeira vez. É um filme inteiro suportado por um tipo de movimento que o envolve inteiramente. Num filme, geralmente uma cena é apenas uma fracção do evento; um movimento é apenas uma fracção desta. Nesta obra, o movimento domina todo o ecrã, todo o filme. É ver as coisas dentro do movimento cíclico do sentir ou do existir: o movimento de ida e volta, o movimento de zoom lento. É ficar preso numa completa força da visão”.
Entre trabalhos de curta e longa duração, clássicos como ‘Rameau’s Nephew’ by Diderot (Thanx to Dennis Young) by Wilma Schoen (1974) ou So Is This (1983), chegamos aos últimos dias do ciclo com a exibição de um dos seus trabalhos de longa duração mais recentes, numa primeira exibição na Cinemateca Portuguesa. Em *Corpus Callosum (2002), Snow troca o filme pelo vídeo, utilizando uma panóplia de efeitos digitais que são normalmente utilizados em animação e na construção de efeitos especiais. Numa das cenas mais convencionais, um grupo de crianças está sentado no que parece ser uma sala de aulas. A câmara observa-os fixamente a partir de uma posição de vigilância. Quando alguém repara que estão a ser filmados, avisa os outros e é montada uma pirâmide de mesas com uma altura suficiente para uma das crianças a subir e desligar a câmara. Não são as únicas crianças que veremos em *Corpus Callosum. Noutra cena, que existe autónoma como outro filme, The Living Room (2000), uma família constituída pelo pai, pela mãe e pelo filho, enquanto assiste à televisão, os objectos da sala (entre eles, uma Walking Woman pendurada na parede) adquirem vida, deslocando-se, mudando de cor, explodindo, mudando de tamanho ou, simplesmente, desaparecendo. Grande parte do filme é composto por um travelling alucinante através de um banal escritório com secretárias, computadores e trabalhadores, compondo um movimento circular entre a ilusão e a realidade. Como uma criança, a quem foi oferecido um brinquedo novo, Michael Snow aplica uma miríade de possibilidades que o medium digital oferece para metamorfosear o espaço e os seus ocupantes : encolhendo, expandindo, levitando, explodindo, electrificando, colorindo, desaparecendo ou fundindo. O local de trabalho moderno, com a sua uniformidade e repetição, é transformado num campo de guerra digno do mais áspero slapstick cartoon conduzido numa leve câmara lenta.