Pedimos a três walshianos para nos indicarem 5 filmes sobre os quais têm elevada expectativa para esta edição do IndieLisboa. O festival decorre no Cinema São Jorge, Culturgest, Cinemateca Portuguesa e Cinema Ideal entre 2 e 12 de Maio. Estas foram as escolhas de Ricardo Gross, Carlos Alberto Carrilho e Carlos Natálio.
- Beoning (2018) de Chang-dong Lee
- Divino Amor (2019) de Gabriel Mascaro
- Nice Girls Don’t Stay for Breakfast (2019) de Bruce Weber
- Past Perfect (2019) de Jorge Jácome
- Temporada (2018) de André Novais Oliveira
Um festival de primeiras e segundas (e algumas terceiras) obras é mais propício a descobertas. Terei disponibilidade para as fazer mas o meu perfil conservador, na hora de escolher os filmes que mais quero ver, decide-se por realizadores ou actores cujo trabalho admiro, mesmo que na razão do mínimo conhecimento que é a de um único filme. Para quebrar logo a regra na primeira escolha, digo que a curiosidade que em mim foi crescendo em relação a Beoning [Em Chamas, 2018] de Chang-dong Lee, não se liga ao filme anterior dele, Shi [Poesia, 2010], mas a uma reacção instintiva aos elementos dramáticos de que é composto e às imagens conhecidas do mesmo. A juntar a isto, a sua inclusão nas listas dos melhores filmes do ano passado de algumas publicações internacionais. Boi Neon (2015) foi o filme de que mais gostei no ano dele, e vi-o uma vez no IndieLisboa e mais tarde quando estreou. Todas as expectativas podem ser traiçoeiras e estou preparado para que Divino Amor (2019) não devolva alguns elementos que são reconhecíveis no trabalho de Gabriel Mascaro até aqui. Começa logo por se apresentar enquanto uma distopia, num Brasil do futuro próximo em que a religião evangélica detém controlo total sobre a sociedade. Tenho fé em Mascaro, cineasta do corpo, que volta a cobrir-se com a luz belíssima do director de fotografia uruguaio Diego García.
Sobre o norte-americano Bruce Weber, os cartões de visita são vários: o trabalho fotográfico, videoclips para, entre outros, os Pet Shop Boys, e um documentário sobre Chet Baker, Let’s Get Lost (1988). O documentado “agora” chama-se Robert Mitchum, um dos maiores actores da história do cinema. Se Weber chegou até Mitchum, o céu é o limite e tem inscrito no seu preto-e-branco, Nice Girls Don’t Stay for Breakfast (2018). Quanto a Past Perfect, de Jorge Jácome, não espero outra coisa que o inesperado. Será certamente uma experiência imersiva, tal como o muito belo Flores (2017), com materiais que são menos relevantes pelo que significam e mais pelo significado que o filme lhes dá. A minha última escolha vai para Temporada (2018), de André Novais Oliveira. Dele conheço já Ela Volta na Quinta (2015), longa, e Quintal (2015), uma curta. Novais Oliveira é alguém cuja cultura cinéfila passou para o olhar que a câmara devolve, nunca explicitando referências que são sensíveis e sobre as quais se pode especular, e que de um momento para o outro pode escapar do realismo mais naturalista para o fantástico que se assume de plástico, tal como o nome da sua produtora, Filmes de Plástico.
Ricardo Gross
- Ama Romanta: Uma Utopia que Fazia Discos (2019) de Vasco Bação
- The Beach Bum (The Beach Bum: A Vida Numa Boa, 2019) de Harmony Korine
- In Fabric (2018) Peter Strickland
- Jessica Forever (2018) de Caroline Poggi e Jonathan Vinel
- Leto (Verão, 2018) de Kirill Serebrennikov
Todos os anos, o IndieLisboa apresenta pérolas que se encontram dispersas na programação e que nunca chegam à distribuição comercial portuguesa. No entanto, na presente edição, temos logo a abrir um filme que estrear-se-á poucos dias depois nas salas. Falamos de The Beach Bum (A Vida Numa Boa, 2019), dirigido pelo “herói independente” Harmony Korine, cada vez mais enredado no sistema de Hollywood, mas mantendo o arrojo das primeiras obras, que cultivara longe dos grandes estúdios. Após o fabuloso poema visual de Spring Breakers (Viagem de Finalistas, 2012), sobre a possibilidade de uma juventude eterna, entre a vontade e a incapacidade de se emancipar da vertigem interminável do fluxo digital de imagens, em The Beach Bum, com um elenco em que se destacam Matthew McConaughey e o rapper Snoop Dogg, Korine continua a explorar a hipótese de um “Verão Eterno”, enquanto o mundo à volta se desmorona. Parceiros recentes de Bertrand Mandico e Yann Gonzalez, na sessão conjunta de curtas-metragens Ultra rêve e no manifesto Flamme, lançado nas páginas dos históricos Cahiers du Cinéma, o IndieLisboa dedica à dupla Caroline Poggi e Jonathan Vinel uma retrospectiva integral da sua obra, incluindo a sua primeira longa-metragem, Jessica Forever (2018).
A “Boca do Inferno” é uma das nossas secções favoritas, nesta edição dividida em duas longas maratonas e em sessões específicas para alguns títulos, para quem resiste a ver filmes ao longo da madrugada. Para além de Coincoin et les Z’inhumains (2018), sequela do celebrado P’tit Quinquin (O Pequeno Quinquin, 2014), que Bruno Dumont assinou para o canal Arte, destacamos In Fabric (2018) de Peter Strickland, autor de um dos melhores filmes de terror da ultima década: Berberian Sound Studio (2012). Não largando o seu habitual registo estilizado, Strickland mostra o percurso de um vestido amaldiçoado, enquanto muda de dono. Passando para a secção IndieMusic, encontramos o imperdível Leto (Summer, 2018) de Kirill Serebrennikov, um ano depois de se estrear na Competição Oficial do Festival de Cannes, que retrata o universo musical na cidade de Leninegrado (actual São Petersburgo) em inícios da década de 1980. Num ficcionado retrato dessa geração, entre o musical e o biopic, desperta um paralelo perturbante entre a União Soviética comunista de Leonid Ilitch Brejnev e a Rússia democrática de Vladimir Putin. A rodagem, que aconteceu durante o Verão de 2017, foi interrompida pela deportação de Serebrennikov para Moscovo, em regime de prisão domiciliária, sob a acusação de fraude, considerada falsa por críticos do governo de Putin. Entretanto, saltamos para Lisboa e para a segunda metade dessa mesma década, à boleia de Ama Romanta – Uma Utopia que Fazia Discos (2019) de Vasco Bação. Num formato convencional de documentário, entre entrevistas e registos da época, seguimos o percurso da icónica editora Ama Romanta, fundada por João Peste, responsável por ter revolucionado a música moderna portuguesa através da edição de importantes álbuns de músicos e bandas como Pop Dell’Arte, Mão Morta, Telectu, Sei Miguel, Mler Ife Dada, Nuno Canavarro, Anamar, Santa Maria, Gasolina em Teu Ventre! ou João Peste & O Acidoxibordel. Em paralelo, na Casa Independente acontece a Noite Ama Romanta, com o regresso de João Peste aos palcos na companhia de protagonistas do documentário que participaram em projectos da editora.
Carlos Alberto Carrilho
- Alva (2019) de Ico Costa
- A Casa e os Cães (2019) de Madalena Fragoso e Margarida Meneses
- O Mar Enrola na Areia (2018) de Catarina Mourão
- Poder Fantasma (2019) de Afonso Mota
- Understory (2019) de Margarida Cardoso
Este ano decidimos tocar piano a três, seis mãos a percorrer o catálogo do Indie, seis olhos a farejar filmes. Coube-me andar por terrenos lusos e por isso destaco cinco filmes nacionais sobre os quais tenho grande expectativa. A primeira longa de ficção de Ico Costa, rodada junto ao rio que dá título ao filme, Alva. Parece ser uma “extensão” de um dos problemas que o move e que já havia explorado em Quatro Horas Descalço (2012) e até indirectamente em Antero (2014): a fusão/efusão com a natureza como um espaço que, tradicionalmente, nos actos de crime/vingança, funcionam como território de exclusão. Os outros quatros destaques, na minha mente (e só nela, creio), funcionam aos pares. O primeiro composto por O Mar Enrola na Areia (2018) de Catarina Mourão e Understory (2019) de Margarida Cardoso. Em ambos os filmes anuncia-se uma reconstituição da história. Mas nem por isso o gesto será necessariamente igual. O de Catarina, sabemo-lo, é um da ordem da investigação familiar, interior, de recuperação e efabulação de um passado, de uma memorabilia familiar e afectiva. Nesta sua nova curta-metragem trabalha com 4 segundos de película, 4 segundos-motor dessa inquirição que é da ordem do familiar mas também das possibilidades de manipulação da imaginação e do arquivo. Já o filme de Margarida Cardoso parece ser, como se pode ler na própria apresentação do filme, no site do festival, uma “história alternativa, que é uma her-story e uma understory.” Tudo a partir dos trajectos geográficos, culturais e económicos da exploração do cacau.
O segundo par de sugestões é composto por Poder Fantasma, nova curta metragem de Afonso Mota, realizador querido aqui na casa, e a estreia na realização das jovens Madalena Fragoso e Margarida Meneses, com A Casa e os Cães. O quê a uni-los? Uma nova visão geracional do cinema português, e com ela um certo olhar sobre a urbanidade, sobre os anos de formação na própria arte do cinema, mas também filmes sobre a procura (literal ou simbólica) de um espaço/tempo de criação, filmes sobre a amizade, os espaços das casas, as inspirações artísticas. Uma nova vaga portuguesa, uma teia de cumplicidades que vemos surgir de ano para ano em pessoas como os referidos autores, mas também em Pedro Cabeleira, Duarte Coimbra, Diogo Baldeia, Gonçalo Soares, etc.
PS: Outros títulos que ainda espero apanhar: M. (2019) de Yolande Zauberman, Make Me Up (2019) de Rachel Maclean, En fumée (2019) de Quentin Papapietro, Ne travaille pas (1968 – 2018) de César Vayssié, Filomena (2019) de Pedro Cabeleira, Past Perfect (2019) de Jorge Jácome,
Present.Perfect (2019) de Shengze Zhu, Synonymes (2019) de Nadav Lapid, o último do Gabriel Mascaro, do Radu Jude, do Korine, do André Novais, e mais e mais…
Carlos Natálio