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“First Blood”: o militar franciscano

De Ricardo Vieira Lisboa · Em 1 de Julho, 2019

First Blood ( A Fúria do Herói, 1982) começa no desamparo: uma esperança de reencontro frustrada, uma memória tingida pela realidade, uma fotografia entregue como quem doa uma lembrança para melhor a esquecer. O amigo morreu, o cancro da orange stuff tirou-lhe a vida e o sorriso do rosto pueril de Stallone (descendo a colina, alegre pela possibilidade de uma renovada irmandade de guerra na terra natal). Nada disso, em poucos segundos de filme já ele se fecha no seu isolamento e a brecha de comunicabilidade preenche-se pelo negrume do stresse pós-traumático. E do desamparo caímos no desespero, na raiva e na animalidade de um corpo tomado pelo hábito da morte.

First Blood ( A Fúria do Herói, 1982) de Ted Kotcheff

John Rambo deveria ser, segundo o romance homónimo que o filme adapta, um selvagem: um veterano das operações especiais da guerra do Vietname perturbado pelo massacre, pela tortura e pela culpa da sobrevivência, que explode numa fúria sanguinária quando derramam o primeiro sangue. Ele deveria ser um “savage”, uma criatura de morte que leva tudo e todos no seu encalço e para a qual só a “solução final” permitira dar descanso. Mas Sylvester, na onda do sucesso inesperado dos Rockys, deu cara ao projecto há vários anos adiado (depois de Steve McQueen ser descartado por ser demasiado velho) e com isso colocou exigências sobre a natureza do herói. Segundo o próprio, “tenho dificuldade em matar as pessoas [entenda-se personagens – mas atente-se na palavra pessoa] de quem gosto”. E como tal Rambo não podia morrer porque Rambo era, no fundo, bom. Bondade que só os olhinhos de cachorro de Stallone enquanto jovem poderiam dar credibilidade. Aquela doçura sofrida, igualmente indefesa e mortal, é o que dá a dimensão intemporal que Rambo, por Stallone, adquiriu. Um pouco como Dwayne ‘The Rock’ Johnson nos dias (e nos filmes) que correm, Stallone teve essa capacidade de ser um brutamontes adorável, um brutal assassino de coração delicado e meigo focinho. Só mesmo ele conseguiria humanizar a besta, fazendo dela um ser empático (num final de levar às lágrimas na forma como uma ferramenta de guerra se revela, afinal, um homem destroçado pela luta dos sentimentos). Aliás, o último plano do filme foi apenas rodado após a primeira montagem de mais de três horas do filme, resultando da luta que Stallone havia travado junto de todos na produção para que a Rambo fosse dada uma segunda oportunidade (literalizada no second blood, no third blood e em todos os bloods que se seguiram e que se seguirão em breve – Setembro de 2019). Em particular, foi essa alteração do remate do livro em relação ao filme que levou a que Kirk Douglas desistisse do papel de coronel Trautman (entregue depois ao canastrão Richard Crenna).

Rambo é um abnegado instrumento de matar, sem causa própria, sem direcção nem destino, apenas a morte como caminho, como percurso que conduz à (sua eterna) salvação.

Essa cândida transformação do monstro [o actor e argumentista referiu-se ao personagem como um monstro de Frankenstein, mas também o equiparou ao personagem de James Dean em East of Eden (A Leste do Paraíso, 1955) de Elia Kazan – comparação perfeita do que é Stallone neste filme, uma criatura feita de músculos entesados na máxima susceptibilidade  de uma (bis)arma mortífera] traduz simultaneamente o olho para o negócio, que Stallone já havia demonstrado quando realizou as várias sequelas de Rocky, e a vontade de prolongar a vida (literalmente) das “suas pessoas”. Estas, obrigadas a envelhecerem com o corpo do actor, a lidarem com o seu próprio fim, no fundo, a humanizarem-se ainda mais, num tronco torcido, num rosto de esguelha, nuns lábios comprimidos pelas plásticas, et cetera. E se o monstro se fez homem, o homem fez-se monstro: já que a mortandade cool (sem camisa) dos filmes seguintes é bárbara, indigesta e proto-fascista.

Há qualquer coisa de anjo exterminador (em inglês, Terminator Angel como diria o Lauro António de Herman José) neste Rambo, figura sempre casta, meio reclusa, da ordem do contemplativo e da comunhão com a natureza, figura monástica no voto de silêncio e nos trajes simples e rasgados. De facto, um dos momentos mais marcantes de First Blood dá-se quando John rasga um pedaço de pano, o enverga como poncho e o ata à cintura com uma simples corda. Assim vestido, o militar franciscano percorre o mato e prepara a morte dos seus perseguidores. Mais tarde, quando se vê retido num reticulado de passagens subterrâneas será exactamente com os trapos das suas vestes santas que Rambo acenderá uma luz no breu e encontrará (literalmente) a saída. Este é portanto um abnegado instrumento de matar, sem causa própria, sem direcção nem destino, apenas a morte como caminho, como percurso que conduz à (sua eterna) salvação. Stallone explicou, a propósito das leituras políticas (republicanas) do filme, que há data da rodagem ele via-se como um “ateu político”. Esta combinação de religião (ainda que por renúncia) com engajamento político é sintomática de uma condição de penitência interior que Rambo carrega consigo desde o primeiro momento, mas que se evidencia tanto através da abstinência (sexual, alimentar, física – “A man who’s been trained to ignore pain! To ignore weather! To live off the land!”) como do excesso sanguinário (comedido no primeiro título – só há uma morte e é “acidental”, por oposição às 236 mortes do quarto tomo da série).

Mas se tenho falado de Stallone, não se deverá esquecer Ted Kotcheff, o realizador discreto que neste filme encontra como alternativa ao excesso cinético da acção e à presença centrípta do protagonista um encantador trabalho de composição na largura do scope. Sempre equilibrado em dinâmicas de contra-peso, os seus enquadramentos lançam-nos o olhar sobre os arvoredos em busca do camuflado herói ou, inversamente, oferecem-nos enormíssimos planos do seu rosto, no negro, com os olhos reluzentes de claridade e raiva. A destreza na sequência de fuga da prisão e sucessiva perseguição motorizada é de uma singeleza e de uma economia que hoje espantam o olhar habituado ao barroco das câmaras lentas e aos torneados da correcção de cor de contrastes tonais. E o modo como se encenam os momentos de antecipação no jogo do gato-e-do-rato revela a complexidade do uso da profundidade de campo. Já para não falar das eloquentes elipses que contam tudo aquilo que procuram ocultar.

A exibição do novo restauro digital de First Blood na última edição do festival de Cannes, a propósito da homenagem feita ao actor (acompanhada por uma sumarenta masterclass donde foram retiradas a maioria das anteriores citações), constitui já a terceira vez que Kotcheff marca presença na secção Cannes Classics. Isto depois de Wake in Fright (1971), que competiu na vigésima quarta edição do certame e cuja remasterização lá foi apresentada em 2009, e The Apprenticeship of Duddy Kravitz (Encontro Com a Sorte, 1974), vencedor do Urso de Ouro em Berlim aquando da sua estreia e restaurado em 2013. Kotcheff é um realizador raro e que depois de meados dos anos 1980 se perdeu em objectos televisivos [onde se havia formado, com excepção para o delicioso Weekend at Bernie’s (Fim-de-Semana com o Morto, 1989)], deixando apenas alguns filmes de culto daquilo que se poderá chamar de metástases da Nova Hollywood em terras anglófonas como o Canada e a Austrália, sempre próximas do centro da indústria norte-americana de cinema.

Mas não se equivoque o leitor: o interesse actual por First Blood apenas permanece devido ao trabalho messiânico que Sylvester Stallone soube jogar com a sua imagem pública e com a sua aura de grande herói americano através das diferentes iterações dos suas personas fílmicas: os Rockys, os Rambos, o Cobra, o seu Barney expendable Ross… Uma família de homens dançarinos, entre a violência da pólvora dura e a delicadeza naïf de um coração mole.

***

O novo restauro de First Blood será exibido no festival Curtas de Vila do Conde, no âmbito da nova secção de restauros, Cinema Revisitado. A sessão decorre no dia 7 de Julho pelas 16h30 na Sala 1 do Teatro Municipal de Vila do Conde.

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Ricardo Vieira Lisboa

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1 Comentário

  • Curtas Vila do Conde 2019: antevisão | À pala de Walsh diz: 6 de Julho, 2019 em 9:57

    […] mas onde também há espaço para assistir à cópia restaurada recentemente exibida em Cannes de First Blood (Rambo – A Fúria do Herói, 1982) de Ted Kotcheff e da experiência The Movie Orgy (1968) de […]

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