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A quebra do feitiço, o sonho perdido: a humanização do colectivo (e do indivíduo) idealizado.
Numa terra marcada pela brutalidade industrial, pelo caos do movimento, pelo peso do (re)nascimento do colectivo pós-guerra, observamos o desenrolar de histórias outrora representadas, outrora observadas. Makavejev preza pela quebra do feitiço, pela queda da metáfora, pela destruição da utopia visual: o ritual do banal é enaltecido e serve como base para o nosso olhar.
Um olhar frenético, inconstante, que se perde no meio de multidões, no meio do caos, para neles encontrar o (seu e o nosso) centro. Uma câmara que segue histórias de cruzamentos e encontros, de relações de amor (e futuro ódio), de enganos e desejo, onde o homem assume um papel – essencial – de representação de classe, e, acima de tudo, de confronto com a realidade desencantada de uma nação perdida, movida por mãos, por corpos esquecidos.
Do lado dos esquecidos, temos o operário. Do lado dos gloriosos, temos o engenheiro. Pelo ódio, pela violência, pela perda, pela luta, temos o operário e a sua mulher. Pelo amor, pelo desejo, temos o engenheiro e a barbeira. Pelos esquecidos, temos a mulher. Pelos gloriosos, temos o homem.
Mas, num reino de desencanto da utopia, a glória é passível de inversão: eis que surge a fé, a esperança, a possibilidade da glória do real.
Milena, a barbeira; Eva, a mulher do operário: duas personagens que nos (co)movem e que nos guiam por esta história sem pontos finais, sem resoluções de felicidade inimaginável.
As suas dinâmicas relacionais ilustram algo para além do indivíduo. Os sentimentos de culpa e de pena não são (nem podem ser) definitivos. O operário sofre e causa sofrimento, a mulher do operário sofre e procura algo para além desse sofrimento. A hipnose (social) é quebrada pela mulher do operário, que procura algo para além da sua realidade, para além da expectativa social; o operário mantém a sua posição enquanto um objecto imerso na máquina laboral industrial, enquanto um indivíduo perdido e mergulhado na desilusão da operação social.
O industrial define não só um aspecto crucial da sociedade representada, como define, igualmente, o território visual, a perspectiva do olhar: o corpo desejado pelo engenheiro (o corpo de Milena) não é nada mais do que um conjunto de peças que se encaixam e que criam, em si, uma máquina passível de operação, de manuseamento, de apreciação. O desejo, a sexualidade advêm somente da visão da conjugação da luz com a sombra, do contacto entre corpos, do contacto do corpo e o material.
O desencanto do encontro deste amor revela algo que o cinema, por vezes, oculta: a representação de uma história de amor banal. Mas a câmara é inevitavelmente atraída por Milena, o alvo da atenção de inúmeros homens, que sucumbe, muitas vezes, à tentação: um corpo fora do reino operacional, movido pela fluidez da sexualidade humana. A conjugação da mecânica e do humano alcança, nesta personagem, um absoluto paradoxo. Perante tal paradoxo – carregado de realidade -, o engenheiro (glorioso, digno da 9.ª Sinfonia de Beethoven) revela-se mais próximo do operário (esquecido, digno de folclore improvisado): o impulso violento, que advém do contacto feroz com a realidade fora da esfera do expectável. As melodias cruzam-se, as histórias cruzam-se e a resolução é uníssona.
Nesta terra por onde muitos deambulam, alguns encontram a sua salvação: as mulheres, do lado dos esquecidos (outrora nem dignas de melodia, nem dignas de nome), quebram o feitiço para encontrar a salvação, acordam do sonho para encontrar o paraíso da realidade banal. Os homens padecem de crescimento, imersos na hipnose de uma sociedade, de uma nação, que sucumbiu à perdição do pesadelo da utopia, que o cinema procura (talvez ainda hoje) quebrar.