Ao longo dos anos 1910 e 1920, por intermédio de Nascimento Fernandes, Emílio Pratas ou Reinaldo Ferreira, conheceram-se algumas aproximações entre Portugal e a indústria cinematográfica espanhola, mas a colaboração mais significativa entre portugueses e espanhóis surgiria apenas em 1936, já em pleno Estado Novo de Salazar (1933-1974) mas ainda antes do início da Ditadura Franquista (1939-1975).
Bocage (1936), realizado por Leitão de Barros, foi, até aí e por mais uma década [até Camões (1946), do mesmo realizador], a mais cara produção da história do cinema português. Perante este investimento, a produtora Sociedade Universal de Superfilmes (SUS) tentou pôr em prática um expediente então muito em voga na indústria norte-americana de Hollywood: uma co-produção de que resultariam duas versões do filme filmadas em simultâneo (Las três gracias seria o título da versão espanhola), mas com a substituição de alguns intérpretes por actores espanhóis (o protagonista seria interpretado por Raul de Carvalho na versão portuguesa e por Alfredo Mayo na versão espanhola), que teriam todas as condições para conquistar os apetecíveis mercados latino-americanos.
Em Portugal, a generalidade das co-produções com Espanha tiveram carreiras comerciais algo discretas e a crítica nacional não foi particularmente entusiasta.
No entanto, a estratégia de fazer distribuir o filme na América latina caiu por terra depois da desastrosa estreia no mercado interno espanhol, onde o filme foi muito mal recebido. O que ainda valeu aos produtores, para fazer face a tão avultado investimento, foi a estreia brasileira da versão original portuguesa. De resto, este seria mesmo o último filme português a conquistar o público brasileiro de forma significativa.
O período áureo da colaboração cinematográfica entre portugueses e espanhóis aconteceu na segunda metade da década de 1940. E não foi certamente estranha a esta colaboração a aproximação política entre os dois estados ibéricos promovida por Salazar e Franco, que teve a sua maior mediatização com a assinatura do Pacto Ibérico, em Março de 1939. Em Janeiro de 1941, Manuel Garcia Viñolas, o responsável pelo Departamento Nacional de Cinematografia espanhola, encontra-se com António Ferro, o responsável pelo Secretariado de Propaganda Nacional/SPN), e acertam os termos da “permuta cinematográfica” entre Portugal e Espanha.
Entre 1945 e 1951, estrearam nas salas de cinema portuguesas doze filmes produzidos em regime de co-produção entre empresas portuguesas e brasileiras. Estes números são ainda mais significativos se repararmos que essas co-produções correspondiam a aproximadamente 30% das 44 longas-metragens de produção cinematográfica portuguesa que estrearam nas salas portugueses nesse mesmo período.
O modelo de co-produção não era uniforme, prevendo diversas modalidades ou métodos: filmes dirigidos por realizador português em estúdios espanhóis ou dirigidos por realizador espanhol em estúdios portugueses; filmes com duas versões dirigidas por dois realizadores com os mesmos actores e técnicos ou com actores e técnicos diferentes; filmes com equipas mistas de produção rodados entre Portugal e Espanha.
O primeiro a estrear seria o épico Inês de Castro (1945), de Leitão de Barros, a 9 de Maio, no São Luiz, considerado como filme de interesse público pelo governo espanhol. Com um elenco misto (António Vilar como D. Pedro e Alicia Palacios como Inês), apresenta o próprio García Viñolas como consultor literário, havendo mesmo algumas fontes espanholas o creditem como realizador do filme.
No final de 1945 estrearia Madalena… Zero em Comportamento (dupla estreia no Odeon e no Palácio a 19 de Dezembro), uma comédia musical inspirada no italiano Maddalena… Zero in Condotta (1940) de Vittorio De Sica, que seria co-realizada por Fyodor Otsep e José María Téllez com um elenco misto de portugueses (Virgílio Teixeira, Leonor Maia e Óscar de Lemos, entre outros) e espanhóis (e Arturo Arroyo, entre outros) liderado por uma actriz que participara no filme de De Sica, a brasileira de ascendência polaca, Irasema Dilián.
Nos anos seguintes, estreariam mais
É Perigoso Debruçar-se… (Es peligroso asomarse al exterior, na versão espanhola, 1946), realizado por Arthur Duarte (versão portuguesa) e Alejandro Ulloa (versão espanhola), estrearia em Madrid a 25 de Fevereiro e em Lisboa (Éden) a 21 de Junho desse mesmo ano;
A Mantilha de Beatriz (La Mantilla de Beatriz, 1946), realizado por Eduardo García Maroto, com estreia no Trindade a 16 de Agosto;
O Diabo são Elas (Cinco Lobitos, 1945), realizado pelo húngaro Ladislao Vajda, a 18 de Outubro de 1946 no Éden (Lisboa), enquanto a versão espanhola havia estreado um ano antes em Madrid (16 de Novembro);
O Hóspede do Quarto 13 (El Huéspede del Cuarto Numero 13, 1947), com realização de Arthur Duarte (versão portuguesa) e Eugenio Deslaw (versão espanhola), com estreia lisboeta a 15 de Maio;
Rainha Santa (Reina Santa, 1947), com realização de Rafael Gil (versão espanhola) e Aníbal Contreiras (versão portuguesa), com estreia em Madrid a 3 de Março e em Lisboa, no Tivoli, a 15 de Setembro do mesmo ano;
Viela Rua Sem Sol (Barrio, 1947), de Ladislao Vajda, com estreia no Edén a 19 de Setembro e a 27 de Novembro seguinte em Espanha;
Três Espelhos (Tres espejos, 1947), de Ladislao Vajda, com estreia a 4 de Outubro em Lisboa, no Trindade;
Amanhã como Hoje (Mañana como Hoy, 1948), realizado por Mariano Pombo, a 19 de Agosto no Capitólio (Lisboa) e a 25 de Outubro em Madrid;
Fuego (¡Fuego!, 1949), de Arthur Duarte (versão portuguesa) e Alfredo Echegaray (versão espanhola), com estreia portuguesa a 5 de Julho;
Senhora de Fátima (Señora de Fatima, 1951), realizado por Rafael Gil, com estreia no São Jorge a 7 de Outubro.
O envolvimento nestas produções de nomes maiores das duas cinematografias, como os realizadores Leitão de Barros, Arthur Duarte, Ladislao Vajda e Rafael Gil, os actores António Vilar, João Villaret, Julia Lajos e Ana Maria Campoy, ou os técnicos Heinrich Gartner, Jaime Mendes, Aquilino Mendes e Felipe Sáenz, são bem representativos do investimento empregues pelos produtores envolvidos nestes projectos cinematográficos.
Em Portugal, a generalidade das co-produções com Espanha tiveram carreiras comerciais algo discretas e a crítica nacional não foi particularmente entusiasta. De resto, como Luís de Pina sublinha, e muito bem, este modelo de co-produção nunca terá colhido grande entusiasmo por parte do dirigente máximo da política cultural do Estado Novo, António Ferro, adepto de um “conceito fechado de produção portuguesa”.