Atentos ao cinema como importante produto comercial, muitos tentaram, desde cedo, industrializar e internacionalizar a produção cinematográfica portuguesa. A maior expressão no cinema mundial dos anos 30 era o western, género cujo sucesso comercial facilitou em grande parte a viabilidade financeira e a forte expansão da indústria de Hollywood. De uma forma natural, quando se pensou em internacionalizar o cinema português, optou-se por uma adaptação temática do western à realidade portuguesa. Pela paisagem, pelos campinos e pelos toiros, o Ribatejo apresentava-se como o melhor cenário para a tão desejada adaptação.
A primeira tentativa foi Gado Bravo (1934), concebida pelo produtor Hamilcar da Costa como um cinema nacional de expansão internacional. A temática dos campinos e dos toiros já tinha sido tratada anteriormente no cinema português, nomeadamente na tradição marialva d’ A Severa (1931), mas o ritmo “westerniano” imposto por Lopes Ribeiro iria reformular o filme da “borda de água”, que, nestes moldes, irá ressurgir nos finais da década de 40.
O segundo western ribatejano surgiria mais de uma década depois: em 1946, Henrique Campos estreia-se como realizador com uma obra sobre o seu Ribatejo, Um Homem do Ribatejo (1946). Três anos depois, Henrique Campos rodaria a sequela, intitulada Ribatejo (1949). A história decorre no quadro romanesco que opõe um maioral ribatejano, nobre de sentimentos e cheio de virtudes, a um cínico administrador na disputa pela mão de uma doce proprietária e assim, apoderar-se da sua propriedade.
Nesse mesmo ano estrearia Sol e Toiros (1949), dirigido pelo espanhol José Buchs. Dentro de uma estratégia de comercialização em Espanha, a Produtores Associados desenvolveu um projecto onde estivessem presentes muitos toiros de lide, Eulália del Pino (uma popular artista espanhola), e Manuel dos Santos (um jovem matador de toiros português muito admirado nas praças espanholas). Em Portugal, o filme deve a sua carreira de sucesso à presença do jovem matador e da conhecida fadista Amália Rodrigues. Estava assim encontrada uma fórmula simples para se fazer um filme dito comercial, com as intencionais características populares.
Estas obras que integram o western ribatejano constituem um importante “género” na cinematografia portuguesa das décadas de 30 e 40, tanto pela homogeneidade dos temas e das personagens, como pelos seus objectivos estéticos e comerciais. No fundo, os enredos de Gado Bravo e Sol e Toiros contam a história de um homem simples e corajoso que se vê metido entre toiros e mulheres, tendo como cenário a lezíria ribatejana e toda a sua tradição folclórica dos campinos.
Mais uma vez, verifica-se um conflito entre diferentes concepções da mulher ideal: de um lado, a doce e pura donzela ribatejana (Branca e Maria Alice), símbolo das virtudes da mulher portuguesa; e do outro, a perversa e vivida mulher estrangeira (Nina e Lola), representada aqui pela mulher de cabaret. Depois de muitas hesitações e indecisões, a doce e pura ribatejana leva a melhor, fica com o herói e vivem felizes para sempre. Curiosamente no filme Ribatejo, as posições alteram-se, com a proprietária a ter de optar entre o jovem e corajoso maioral Manuel (símbolo do campino nascido e criado no Ribatejo), e o ambicioso administrador Fernando, um «homem de fora» que não sente o afecto pela terra. Belinha, a proprietária em questão, também é uma mulher que difere das outras ribatejanas e do ideal de mulher veiculado pelo regime. Devido à morte de seu pai, a jovem solteira teve de assumir os negócios da família, encontrando-se numa delicada posição de “chefe” de família e de uma importante propriedade da “borda de água”, o que nada agrada aos seus empregados, que não querendo ser subalternos de uma mulher, tudo fazem para a derrubar. No final, com a valiosa ajuda dos seus velhos e fiéis amigos campinos, acaba por resolver os problemas e pôr um valente ribatejano à frente dos negócios.
O mundo rural destes westerns tende a confundir-se e até reduzir-se à quinta do criador de toiros. De facto, são poucas as cenas rurais que se deslocam do cenário dos toiros e dos campos da quinta. Em Gado Bravo ainda temos algumas cenas que se desenrolam na comunidade aldeã mas, por outro lado, em Ribatejo e Sol e Toiros, as cenas rurais à excepção da taberna local, limitam-se ao espaço da grande quinta. Outra tendência idêntica verifica-se ao nível dos cenários interiores com a acção condensada sempre que possível na grande casa senhorial, como acontece no Ribatejo e um pouco em todos os outros filmes. Apesar das muitas cenas rodadas no exterior natural, são raras as alusões à aldeia rural. Progressivamente, esta deixa de ser construída no estúdio e começam a usar-se ambientes rurais naturais.
Os filmes deste género veiculam uma visão inter-classista da sociedade, mostrando uma nítida diferenciação de comportamentos na hierarquia social. Na hierarquia do trabalho valorizam nos empregados um claro respeito e obediência aos superiores, e nestes, um nobre sentimento de paternalismo em relação aos seus subordinados. A figura do proprietário e criador de toiros (como Manuel Garrido e João Gama) é muito importante e respeitada na comunidade. A sua grande casa senhorial é um símbolo da tradição marialva, representando bem o poder e a influência social que ocupa no meio rural ribatejano. A figura do maioral (como Manuel), “chefe” dos empregados, detém um certo prestígio e influência que resulta da sua responsabilidade e do voto de confiança expresso pelo proprietário. O paternalismo surge como uma espécie de legitimação da hierarquia de poderes e como apologia da submissão, numa clara analogia com o panorama político e social do Estado Novo.
A tradição tauromáquica foi habilmente utilizada para tentar adaptar o western à paisagem ribatejana. No entanto, o crítico Roberto Nobre alertou para a relação forjada entre o western e o western ribatejano: “talvez pela similaridade de tratarem igualmente de toiros, haver vida ao ar livre, andarem a cavalo, haver sol e largas paisagens, há muito quem aponte nos nossos campinos e no Ribatejo uma solução prática e simples para os nossos filmes, seguindo esse modelo desembaraçado e barato. Esquecem que esses westerns são intraduzíveis em português…”