O título não mente e é significativo: estamos em meados dos anos 90 e o filme bebe cada gota do Zeitgeist. O “filme de época” começa – e podia acabar – no quarto do protagonista, no período de passagem para a adolescência. Este filme coming-of-age faz do momento histórico não propriamente um mero “pano de fundo” para a história do pequeno e enternecedor Stevie, mas, muito mais do que isso, um lugar onde não havia telemóveis nem Internet. Portanto, revisitamos, em Mid90s (2018), uma temporalidade perdida, em que a adolescência ainda tinha uma natureza tribal e em que as relações humanas se faziam entre conversas face-a-face e deambulações sem rumo pelas ruas. É a estreia do famoso actor americano Jonah Hill na realização e é uma pequena pérola.

Jonah Hill é pouco mais velho do que eu, por isso, não consigo deixar de sentir um reflexo da minha própria adolescência aqui; de uma certa maneira de se viver em comunidade nos confusos anos da adolescência. Hill homenageia este período, mas perfeitamente ciente de que “o tempo não volta para trás”, que, enfim, este modus vivendi se fossilizou. É preciso desenterrá-lo e olhar de novo para ele. Nesta acepção, Mid90s é mesmo um “filme de época”.
Stevie, interpretado por Sunny Suljic com assinalável contenção e em evidente cumplicidade com quem o dirige, é o nosso guia nestes anos 90. Ele quer fazer parte do grupo cool de miúdos skateboarders, por isso, decide arranjar um skate, vestir-se de outro modo, ler revistas e ouvir música diferentes. Stevie embrenha-se em todo um admirável mundo novo. Jonah Hill acompanha o processo de aculturação, sem cair na tentação de dramatizar ou sentimentalizar em excesso esta história – Stevie sofre de abusos físicos por parte do irmão (um dos actores mais omnipresentes de um certo cinema indie americano, Lucas Hedges) numa broken home onde a mãe é o único adulto, não havendo, portanto, uma referência paterna que sossegue o mundo interior dos dois rapazes. Se calhar já não é possível falar-se assim, de sentimentos e pessoas, sem voltarmos atrás no tempo e regressarmos, por exemplo, aos anos da nossa juventude pré-Internet, pré-telemóveis. Será isso que Jonah Hill também quer dizer com esta sua bela estreia na realização?
Jonah Hill sabe agarrar o essencial sentimento de liberdade e de desnorte, próprio destas idades, e a tão específica – tão “nineties” – vivência dos lugares, das amizades, da família.
Mid90s é, como disse, um documento delicado sobre um tempo, sobre um certo modo de viver o tempo. Na rua, deslizando sobre um “pedaço de madeira”, os skaters criam laços e rivalidades entre si. Stevie encontra uma segunda família neste grupo idiossincrático de putos. Anda à deriva na cidade, fuma charros, bebe cerveja, vai para a cama com uma miúda. O balão da adolescência vai enchendo. Sem pretensiosismos, Hill acompanha todas estas vinhetas com imagens, captadas em 16mm, cheias de suaves tons quentes, que vão acomodando uma visão acolhedora, mas de modo algum romântica ou excessivamente nostálgica, do mundo da adolescência.
Jonah Hill transfere para aqui as melhores lições das relações “bromânticas” de filmes que protagonizou, acima de tudo daquele que será porventura o seu melhor filme, Superbad (Super Baldas, 2007). Mid90s é uma espécie de Larry Clark “fofinho”, muito sensível ao mundo interior e sentimental das personagens. Também lembra um menos atormentado Gus Van Sant, recuperando o imaginário e ambiências de um Paranoid Park (2007), mas acima de tudo combinando muito bem a banda sonora com os planos cuidadosamente fotografados – os temas originais de Trent Reznor e Atticus Ross, mas também as sonoridades “emblemáticas” de Morrisey e Pixies, só para citar dois exemplos, estão em perfeita sintonia com as imagens. Acima de tudo, sem evitar aqui um certo esquematismo sentimental (a relação com o irmão parece ficar mal resolvida no final), Jonah Hill sabe agarrar o essencial sentimento de liberdade e de desnorte, próprio destas idades, e uma específica – tão “nineties” – vivência dos lugares, das amizades, da família. Era tudo tão mais intenso, menos cínico, mas quanta melancolia havia em todos nós… Lembra-se?
Mid90s é um filme disponível na plataforma de VOD nacional, Filmin.