Caderneta de Cromos é um questionário breve, mais ou menos imbecil, sobre o mundo do cinema, em geral, e sobre o mundo em toda a sua inteireza, em particular. Quem lê sobre cinema em Portugal já certamente se deparou com a pena (ou a tecla) mordaz de Pedro Cinemaxunga. Ele é o criador do célebre blog Cinemaxunga, do podcast Nas Nalgas do Mandarim e o mais recente e hilariante Videoclube do Senhor Joaquim, do qual está prestes a sair um livro. O Pedro é o quarto cromo da nossa caderneta.
1 – Que tipo de Keanu Reeves gostarias de ser? O Keanu Reeves monta-móveis do IKEA, o Keanu Reeves guru de auto-ajuda com uma t-shirt a dizer “ama-te a ti mesmo”, ou o Keanu Reeves expressão pisa-papéis? E porquê?
Existe um enorme estigma no que diz respeito à auto-ajuda. Devemos encarar uma mulher que se ama a si própria como a antecâmara para nos amar a seguir, para marinar as carnes. Isto partindo do princípio que somos de algum modo objeto do seu desejo. Estando eu materializado em Keanu Reeves, é facto que mulher alguma poderia resistir. Seja vendedora de cartões de crédito Barclaycard em frente ao Continente de Alcoitão, modelo da Victoria Secrets ou madre superior paraplégica de 85 anos, uma mulher com pré-tratamento amoroso é sempre um trabalho já meio feito. Em linha com estes argumentos a resposta será Keanu Monta-Móveis do IKEA, uma vez que não existe a opção “lenhador” nem “capitão de traineira”.
2 – Na tua opinião, para um equilíbrio nutricional, qual é a Vitalina que falta ao cinema português?
O cinema português, aquele cinema genérico de festival de que toda a gente fala e ninguém vê, precisa de um suplemento psicoativo de características recreativas que una a malta num círculo de cumplicidade. Sei que poderei ser espancado com um saco cheio de DVDs de Abbas Kiarostami pelos meus anfitriões aqui deste site pela minha opinião fracturante, mas acho que falta ao cinema português uma vertente mais comercial que o tire do poço de introspecção urbano depressiva sem o atirar para a parolice medieval-geriátrica do Leonel Vieirismo e da clientela do Preço Certo. Um equilíbrio muito delicado na área do bom gosto. Se fosse fácil todos o faziam. Perguntem ao Miguel Gomes que ele tem feito progressos nesta área.
3 – Qual o melhor sítio da casa para fazer amor?
Tenho um fraquinho pela mesa da sala de jantar, mas às vezes os convidados mostram-se incomodados.
4 – Como imaginas o filme Joker (2019) se ele tivesse sido um projecto apoiado pelo ICA?
Um bairro social. Uma personagem com problemas cognitivos relacionados com uma gestação em contexto de toxicodependência. Uma irmã mais velha a fazer 5 horas por dia com caixa do Pingo Doce e tendo como namorado um desempregado desdentado cujo sonho era ser empresário da área do lítio. Uma mãe demente com Alzheimer cuja negação da personagem a obrigava a interpretar tudo literalmente. Um sonho de ser maquinista da CP da linha do alto Minho. Muitas dream sequences technicolor a contrastar com o cinzentão da rotina, sem real narrativa e a passar o ónus da interpretação para o cinéfilo para depois o acusar de ser um tijolão monodimensional que só gosta do Rambo aquando das primeiras críticas menos positivas. Clímax no programa de televisão do Palmeirim.
5 – E como seria o Halloween (Regresso do Mal, 1978) realizado pelos Straub?
Chamar-se-ia Le Poisson d’avril e contaria a história de uma criança institucionalizada depois de matar a turma inteira da segunda classe com veneno dos caracóis. Volta a cada 1.º de Abril e ninguém acredita quando dizem “cuidado, atrás de ti com um facão!”. O subtexto seriam os problemas que os agricultores europeus têm para ser competitivos contra países sem restrições laborais e a dificuldade do governo em controlar entidades cuja manto das legislações não abrange.
6 – Ao nível de nalgas, que períodos distinguirias na história do cinema?
Não sei se entenderei bem esta questão, uma vez que Nalgas para mim são imensas coisas. Desde o melhor podcast que Deus colocou nesta terra ao rabo rijo de uma caloira de letras. Como hipersensibilizado e imaturo emocional anfitrião do podcast Nas Nalgas do Mandarim, terei sempre o apreço pelo período que começa na década de 1970, com os enfant terribles do novo cinema americano até ao Jurassic Park (Parque Jurássico, 1993) que sendo um bom filme veio empestar o planeta com a maldição da computorização. Não me levem a mal, eu próprio sou engenheiro informático, mas este facilitismo preguiçoso que actualmente “plagueia” o cinema mainstream advém deste acto cinematográfico de Spielberg. Ideia para guião: time travel para assassinar Spielberg na estreia de Jaws (Tubarão, 1975) e refazer a história do cinema até ao presente com essa premissa em mente.
Nalgas de eleição? Jessica Biel e Kate Beckinsale, assim sem pensar muito. Voltando um pouco atrás no tempo, Brigitte Bardot e Claudia Cardinale.
7 – No subgénero de terror em que a ameaça é um animal, o que gostarias de ver que ainda não tenha sido feito?
Ornitorrincos assassinos depois de terem sido sujeitos a uma dieta vegana. Ou uma fuga de rinocerontes no Zoo de Nova Iorque aquando da visita do papa ou um congresso internacional que iria promover a paz no mundo com os lideres do G7, Coreia do Norte, Rússia e Arábias. Rinocerontes que fugiam por um túnel de tráfico de drogas e comiam 120kg de cocaína. Chamar-se-ia “Unicórnios”. Mensagem subentendida no guião: quem tudo quer tudo perde.
8 – Quem é possuidor de mais talento para a representação: a Lady Gaga ou uma chave de fendas Tramontina?
Se colocarem o filme em mute repararão que apesar dos movimentos mais fluídos e expressões faciais mais realistas, as mamas da chave de fendas não são grande coisa. E neste contexto cinematográfico isso é importante.
9 – Que filme levarias para uma ilha infestada de turistas?
O mesmo filme que levaria para todo o lado, Commando (Comando, 1985). Que, aliás, é a mais bela analogia para um homem que só quer um pouco de paz com a sua família numa ilha cheia de turistas e que tem que meter mãos à obra para garantir a paz de espírito e o sossego merecido. “Quer jantar neste restaurante?”, rajada de balas no torso, “Venha connosco fazer snorkling ao recife”, catana no crânio, “Não pode meter aqui a toalha, é uma área concessionada”, disparo de lança granadas no peito, “Tem uma taxa adicional de um euro por noite”, mina anti-tanque ativada por controlo remoto, “Esta noite temática temos espectáculo de répteis seguido de venda agressiva de fotografias usando as crianças com chantagem emocional”, intestinos arrancados com as próprias mãos.
10 – Se pudesses assassinar uma pessoa tendo apenas como método mostrar-lhe um filme, que obra seria?
Uma vez assassinei acidentalmente três pessoas com o Dogville (2003), mas como era um grupo de sete parece-me ser um filme pouco eficaz para genocídios localizados. Voltei a tentar com uma seleção de comédias de Adam Sandler. As pessoas acabaram por gostar. Tive que os matar com as minhas próprias mãos. Nova tentativa com o The Tree of Life (A Árvore da Vida, 2011). Adormeceram todos nos primeiros 10 minutos e acordaram fresquinhos e rejuvenescidos a dizer maravilhas do filme por medo de parecerem incultos. Ultimamente tenho usado, para matar, os filmes que o Spielberg costuma fazer para concorrer aos Oscars. A saber: Lincoln (2012), War Horse (Cavalo de Guerra, 2011), The Bridge of Spies (A Ponte dos Espiões, 2015) e The Post (2017). Convém fechar a pessoa numa sala insonorizada e sair. Os gritos são aflitivos e até se ouve o partir das unhas a tentarem abrir as portas. São filmes que eu próprio nunca vi porque gosto imenso de mim vivo.