O fascínio de Paulo Rocha pelo Japão é uma das histórias de amor mais fascinantes do cinema português. Terá havido um piscar de olhos no Porto, aos vinte anos, numa sessão no Porto em que viu Jigokumon (1953), de Teinosuke Kinugasa, mas a sua concretização remonta a Paris, aos tempos do IDHEC, escola de cinema que frequentara entre 1959 e 1961. Aí conhece a obra de Kenji Mizoguchi, cineasta japonês que conquistara três Palmas consecutivas em Cannes uns anos antes: Saikaku ichidai onna (A Vida de O’Haru, 1952), Ugetsu monogatari (Contos da Lua Vaga , 1953) e Sansho Dayu (O Intendente Sansho, 1954).
A mais significativa declaração de amor ao Japão e ao cinema japonês aconteceria com A Ilha dos Amores (1982). Segundo depoimento do próprio Rocha, a primeira versão do argumento acabou de ser escrita em 1969, no Japão, logo após o realizador ter terminado o circuito promocional de Mudar de Vida (1966), que o levara ao festival de Veneza (1966) e a São Paulo (1968), entre outros festivais e mostras. Ainda assim, o projecto só seria apresentado em 1972, integrado no plano de produção do Centro Português de Cinema, o mesmo ano em que Rocha apresenta a curta-metragem Pousada das Chagas (1972).
Jorge Silva Melo (assistente de realização) e Luís Miguel Cintra (actor principal) participaram na Pousada pouco antes da criação do Teatro da Cornucópia (1973), e seriam peças fundamentais para o novo projecto de Paulo Rocha: Luís Miguel Cintra representaria o protagonista Wenceslau de Moraes e Jorge Silva Melo seria “o pintor”, mas também Luiza Neto Jorge (diálogos), Cristina Reis (cenografia, guarda-roupa) e Paulo Brandão (música) reforçaram a equipa proveniente da Cornucópia.
Terá havido uma primeira cena filmada em 1973, na Gulbenkian, mas não foi incluída na montagem final. O primeiro financiamento viria com o primeiro plano de produção do recém-criado Instituto Português de Cinema, tornado público em Março de 1974, mas as rodagens só começariam em 1978, nos estúdios da Tóbis, tendo-se prolongado até 1981, no Japão. Mesmo com a equipa japonesa a trabalhar por “preços simbólicos”, o orçamento do filme só permitiria 18 dias de rodagem no Japão. Para as duas horas de resultado final, seria expectável um período de rodagem não inferior a dois meses.
Meses de planificação levariam ao sucesso da empreitada: “o plano de trabalhos foi cumprido dia a dia, sem correrias, sem horas extraordinárias – começávamos às nove horas e terminávamos às seis horas”. Para esse sucesso muito contribuiu o director de fotografia japonês Kôzô Okazaki, experiente técnico com 40 anos de experiência, que trabalhara antes com Josef von Sternberg [Anatahan, (1953)], Sydney Pollack [The Yakuza (Yakuza, 1974)] e Masaki Kobayashi [Kaseki (1974], entre muitos outros.
Aos 18 dias de rodagem no Japão somam-se mais três em Macau e 90 em Portugal. Mas esta obra representou muito mais na vida do realizador, um trabalho que o ocupou intensivamente durante anos, em trânsito entre Lisboa e Tóquio, onde se tornaria Adido Cultural da Embaixada de Portugal entre 1975 e 1983. Rocha suspendeu a sua vida durante dez anos, aprendendo a falar japonês de forma fluente.
A estreia mundial d’ A Ilha dos Amores aconteceria no festival de Cannes, em Maio de 1982. Era apenas o segundo filme português a estrear no prestigiado festival do sul de França, depois de A Promessa, de António de Macedo, em 1973. O filme estrearia comercialmente no Japão (Março de 1983) e em França (Abril de 1986).
Em Portugal, apesar das antes-estreias no Festival de Cinema da Figueira da Foz (Setembro de 1982 e Setembro de 1985) e na Cinemateca (Maio de 1983), o filme teria de esperar pela década seguinte e por Paulo Branco para chegar às salas comerciais: em Março de 1991, o então produtor, através da Atalanta, concebeu a “operação Paulo Rocha”, um ciclo de cinema no Fórum Picoas que antecedia a estreia comercial de A Ilha dos Amores (1982) e O Desejado ou as Montanhas da Lua (1987), incluindo ainda sessões especiais com Os Verdes Anos, Mudar de Vida, Pousada das Chagas, A Ilha de Moraes (1984) e Máscara de Ferro contra Abismo Azul (1988).
Mas o “investimento” de Rocha no projecto foi tal que haveria de gerar outros “filhos”: A Ilha de Moraes, um documentário sobre Wenceslau de Moraes que ajuda a compreender também muito do contexto de A Ilha dos Amores; Portugaru-San, o Senhor Portugal em Tokushima (1993), uma peça de teatro com colagem de textos de Wenceslau de Moraes, com encenação de Silvana Pereira e do Teatro Maizum; e Shôhei Imamura, Le Libre Penseur (1995), um documentário sobre o cineasta japonês encomendado pelo canal franco-alemão ARTE que o fez voltar ao Japão após uma ausência de 10 anos.