O primeiro filme “de enredo” (ficcional) feito em Portugal terá sido, ao que se sabe hoje, um sketch de 200 metros de película intitulado O Rapto de uma Actriz, realizado por Lino Ferreira e exibido pela primeira vez a 3 de Setembro de 1907. O “argumento” (escrito por Luís Galhardo e Barbosa Júnior) era muito simples: no fim do primeiro acto da peça de revista Ó da Guarda! era anunciado, por um dos actores protagonistas, que a actriz principal tinha sido raptada naquela mesma hora, mas que a polícia já estava a tentar salvá-la. Ao fim de algumas peripécias, o polícia finalmente salva a atriz a tempo do segundo acto.
Entusiasmados com o sucesso daquela primeira experiência, João Freire Correia (que foi responsável pela fotografia de O Rapto de uma Actriz) convenceu Barbosa Júnior (co-argumentista) a escrever um enredo ficcional a partir de um folheto-de-cordel muito popular no final do século XIX a propósito da vida de Diogo Alves, um famoso delinquente que aterrorizou Lisboa entre 1836 e 1839.
À época, João Freire Correia era um ambicioso “industrial” cinematográfico, responsável por alguns dos filmes mais populares e mais rentáveis até então rodados: A Viagem da Família Real às Colónias (1907) ou Batalha das Flores no Campo Grande (1907) ou Bombeiros Municipaes de Lisboa (1907). Nos anos seguintes, seria ainda responsável por alguns “feitos” surpreendentes, nomeadamente a produção de O Terramoto de Benavente (1909), exibido apenas 48 horas após o violento sismo ocorrido em Abril de 1909, e Corrida de Automóveis na Rampa da Pimenteira (1909), exibido 4 horas após a conclusão da prova!
Para realizar Os Crimes de Diogo Alves, João Freire Correia fundou a produtora Portugália Film (com o sócio Manuel Cardoso Pereira) e contratou Lino Ferreira, o mesmo de O Rapto de uma Actriz. Como os estúdios da Portugália Film ainda não estavam prontos, as rodagens realizaram-se num estúdio da Rua do Bem Formoso e os exteriores foram rodados no Aqueduto das Águas Livres, no Poço do Borratém e no Beco da Barbadela. O elenco era composto por actores da Companhia do Teatro do Príncipe Real, os mesmo que interpretaram a revista Ó da Guarda!.
No meio de outras circunstâncias, uma tournée brasileira da Companhia do Teatro do Príncipe Real iria ditar a suspensão da rodagem do filme e consequente abandono do projecto.
Passaria cerca de um ano até que o determinado João Freire Correia decide voltar ao projecto, contratando um novo realizador (João Tavares, que fora assistente de Barbosa Júnior nas comédias de Joaquim Pratas) e um novo elenco, agora composto sobretudo por actores de menor relevo na cena teatral portuguesa, temendo uma nova demandada. A segunda rodagem duraria 3 meses, em pleno verão de 1910, e os trabalhos laboratoriais demorariam largos meses.
A estreia do filme aconteceria a 26 de Abril de 1911, no Salão Trindade, em Lisboa. Sucederam-se alguns dias com sessões esgotadas nas 8 exibições diárias do filmes, mas a empresa Nandim de Carvalho, por temer perder a clientela burguesa habitual dos espectáculos de teatro, decide suspender a exibição do filme. A partir de 19 de Maio, o filme esteve em exibição no Paraíso de Lisboa, um “recinto de diversões” mais adequado a um público mais “popular” que o cinema então começava a atrair.
Para causar ainda mais sensação, os empresários do recinto decidem exibir um nova versão do filme, que passava a incluir então cerca de 300 metros de diálogos! A fita passaria a ser parcialmente “falada” graças às vozes de actores que, atrás da tela, criavam esse efeito muito impressionante. Para tornar o espectáculo ainda mais atractivo, as sessões passaram a ser musicadas ao vivo pela banda da Guarda Nacional Republicana.
O sucesso do filme lança João Freire Correia e a sua Portugália Film num novo projecto de enredo: Carlota Angela (1912), a partir do romance de Camilo Castelo Branco, um dos maiores êxitos até então da literatura portuguesa, seria dirigida novamente por João Tavares. No entanto, várias dificuldades financeiras impediram o projecto de se concretizar. A Portugália Film é dissolvida em 1912 e em 1915 João Freire Correia abre um estúdio de fotografia (Fotografia Londres, na Rua de Chagas, ao Loreto) que haveria de o ocupar até 1929.