10 de março de 1938, Los Angeles: conduzida por Bob Burns, a décima gala de entrega dos Oscars da Academia de Hollywood seria memorável para os cinéfilos portugueses. Superando a concorrência de Charles Boyer [Conquest (Maria Walewska, 1937, Clarence Brown)], Fredric March [A Star Is Born (Nasceu Uma Estrela, 1937, William A. Wellman)], Robert Montgomery [Night Must Fall (O Poder das Trevas, 1937, Richard Thorpe)] e Paul Muni [The Life of Emile Zola (A Vida de Zola, 1937, William Dieterle)], um humilde pescador português de nome Manuel Fidello venceu o Oscar para Melhor Actor Principal pelo seu desempenho em Captains Courageous (Lobos do Mar, 1937) de Victor Fleming.
Apesar de ter sido produzido em Hollywood, pela poderosíssima Metro Goldwyn Mayer, Captains Courageous rapidamente se transformou num dos eventos mais importantes do cinema português dessa temporada cinematográfica. Adaptando livremente uma famosa novela do escocês Rudyard Kipling, o filme ambienta-se a bordo de uma escora da pesca do bacalhau e onde se destaca um pescador português chamado Manuel Fidello, interpretado por Spencer Tracy, estrela ascendente em Hollywood, então na sua segunda nomeação para o Oscar (haveria de ser nomeado 9 vezes, um recorde de nomeações que compartilha com Lawrence Olivier).
O filme estreara em Portugal dois meses antes. Na sua edição de 27 de Dezembro de 1937, na página de espectáculos, o Diário de Notícias divulgava a estreia, ocorrida na noite anterior, em exclusivo no Cinema São Luiz, de um dos filmes mais aguardados em Lisboa. “Sem mulheres, sem intrigas de amor ou futilidades do habitual”, assim escrevia o jornalista Luiz Teixeira, Lobos do Mar (nome com que foi distribuído em Portugal; no Brasil seria comercializado com o título Marujo Intrépido) é um “espectáculo sério, forte, vigoroso, embora doseado com um travo sentimental e emotivo”.
O impacto do filme junto de certos sectores da sociedade portuguesa foi tal que rapidamente se generalizou a ideia de se prestar uma homenagem nacional a Spencer Tracy.
Recebido em Portugal com um compreensível fervor nacionalista, o filme produzido em Hollywood revela, ainda segundo o jornalista do Diário de Notícias, “um conceito eterno da vida entregue ao esforço pessoal; descreve-se a epopeia dos pescadores e exaltam-se, sem arrebatamentos declamatórios e antes num tranquilo encadeamento de episódios, em constante observação da vida a bordo, os sentimentos da camaradagem e da lealdade, da valentia e da abnegação, características fundamentais da gente do mar.”
O aproveitamento ideológico do filme pelo Estado Novo tornou a estreia num acontecimento mediático, possibilitando uma recepção, na imprensa generalista, com um destaque jornalístico anormal para o cinema estrangeiro da época. De facto, se atentarmos às notícias de estreia dos vários jornais da época, mais parecia que Lobos do Mar era um filme português produzido nos estúdios da Tobis Portuguesa. A justificação para tal recepção parece legítima se conhecermos a fraca expressão do cinema nacional fora de fronteiras (excluindo as colónias e comunidades lusófonas) e a projecção inédita dada por um filme estrangeiro a uma realidade considerada tão fecundamente portuguesa.
À época, um pouco por toda a imprensa, vários jornalistas e críticos de cinema alertavam para a necessidade de se investir em filmes que valorizassem a cultura e o património histórico e cultural português, reflectindo as directivas de António Ferro e da sua célebre “política do espírito”. Na opinião de Augusto Fraga, jornalista da Cinéfilo, a “famosa novela de Rudyard Kipling [Prémio Nobel da Literatura em 1907], tratada livremente pelos americanos, deu um notável filme, que ousamos recomendar, especialmente, às crianças.” Naturalmente, a Editorial Progresso não perdeu a oportunidade de negócio e lançou uma nova versão da novela [originalmente publicada em 1897], que adoptou o título português do filme para ter maior valorização comercial.
O impacto do filme junto de certos sectores da sociedade portuguesa foi tal que rapidamente se generalizou a ideia de se prestar uma homenagem nacional a Spencer Tracy. A ideia tornou-se pública através do jornalista Luiz Teixeira no Diário de Notícias, recebendo prontamente o apoio de publicações como Cine-Jornal, Norte Desportivo ou Diário de Lisboa. Entre os argumentos dos partidários da homenagem nacional dava-se relevância ao facto de Spencer Tracy ter aprendido algumas palavras em língua portuguesa para poder cantar uma balada e proferir algumas frases, e de o filme propagandear por todo o mundo as “qualidades e o heroísmo da gente portuguesa”.
Contudo, contrariamente ao esperado, “a despeito de corresponder a um desejo nacional, a ideia não encontrou nas esferas oficiais o acolhimento indispensável, para se tornar realidade.” Foi então que, por iniciativa do Cine-Jornal, surgiu a ideia de enviar uma mensagem assinada por um grupo de “jornalistas, críticos e artistas portugueses” (entre os quais, Beatriz Costa, Erico Costa, Ribeirinho, Fernando Fragoso, Domingos Mascarenhas, Manuel Félix Ribeiro, Leitão de Barros, Jorge Brum do Canto e Cottinelli Telmo) numa tentativa de reparar aquilo que denominaram como “ingratidão nacional”. Enquadrada numa moldura manuelina e de “cunho acentuadamente nacionalista”, de autoria de Raúl Faria da Fonseca, a mensagem testemunha o apreço pela interpretação de uma figura tão grata à “nossa terra”.
Influenciado por esta iniciativa da sociedade civil, o Estado Novo viu-se na necessidade de remediar a sua desatenção, homenageando oficialmente o actor norte-americano através do seu cônsul em Los Angeles, como noticiava o Cine-Jornal de 21 de Novembro de 1938. O actor agradeceria a homenagem apenas em Fevereiro de 1939, dando também uma entrevista, em Paris, ao correspondente da Cine-Jornal, que seria publicada em Maio de 1939.