Uma breve reflexão sobre ЧЁРНАЯ РОЗА — ЭМБЛЕМА ПЕЧАЛИ, КРАСНАЯ РОЗА — ЭМБЛЕМА ЛЮБВИ (Black Rose Is an Emblem of Sorrow, Red Rose Is an Emblem of Love, 1989) de Sergei Solovyov, com referência a Vtáčkovia, siroty a blázni (Birds, Orphans and Fools, 1969) de Juraj Jakubisko.
Uma explosão de corpos, de discursos, de fisicalidades e mentalidades enche ruas, praças, num período em que um inimigo invisível se (pres)sente em cada objecto, em cada superfície, em cada lufada de ar que nos toca gentilmente (ou talvez até ferozmente) na face, nas mãos, no tronco, nos olhos, na boca, no ser. O medo é um entrave para a acção, mas a frustração, a raiva enchem almas e ultrapassam quaisquer limites impostos. Alguns já o tinham experienciado, outros não. Mas os ventos são claros: de um extremo a outro, o agora é marcado por um fogo que se (pres)sente cada vez mais incontrolável, cada vez mais expansivo, cada vez mais invasivo. Os tempos – esse conceito tão incerto – são outros.
Os resultados não se (pre)vêem. A história do presente só é pensada como passado. Mas os tempos – esse conceito tão inconstante – são outros. Alguns já o tinham visto, outros não. Mas as correntes são claras: de um canto a outro, o lugar é marcado pela presença física da luta pela mudança. Uma luta que não (poderá) cessa(r), por um futuro de retrospectiva de (pres)sentimento de revolução.
Os conceitos mudam, mas os passos já foram dados.
Os caminhos mudam, mas o destino já foi anunciado.
Não é, assim, a primeira vez. Tudo – e nada – muda. A rosa vermelha (ainda) é um símbolo de amor, a rosa negra (ainda) é um símbolo de luto. De 1989, recebemos uma representação de uma visão de um momento (quase) histórico. Aquele momento em que a tensão já se sente, a mudança já se deseja e a chama se constrói. Como lidar com a explosão que precede uma compressão pesada, vagarosa, dolorosa? Como (pre)ver o fim de um sistema, o fim de um modo de vida, o fim de um presente?
Não era, no entanto, a primeira vez. Nada – e tudo – muda. De 1969, vemos uma opção: a negação da violência, do peso do mundo (da tragédia anunciada), pela adopção de uma filosofia de comportamento infantil (a alegria sem limites, a fantasia e a loucura sem fim). A beleza da magia encanta, mas o resultado é inevitável: a destruição do sonho é inevitável, com a cruel (re)entrada da realidade.
A esperança, no entanto, permanece. De 1989, temos uma visão: abraçar a fantasia é reconhecer, também, a realidade; imaginar um presente é sonhar um futuro. Um apartamento em Moscovo é transformado no epicentro de encontro de arquétipos de personagens que definem, em si, o estado (deteriorado) de uma nação.
O local em que observamos uma peça de realismo mágico permeada por um discurso político duro, que enaltece a beleza da eminência da transformação (individual mas também social). Do ridículo, do exagero do comportamento físico, da dança intensa de corpos que incorporam e reflectem a incongruência da sociedade, ao confronto com a (maior ou menor, mas sempre presente) consciência da necessidade de acção, da previsão de uma revolução que só poderá surgir através da acção, das faces, das mãos, dos troncos, dos olhos, das bocas, dos seres que compõem este quadro.
As cores enfeitiçam-nos, as viagens da câmara acompanham notavelmente os passos das personagens que se encontram, inevitavelmente, perdidas no interior deste epicentro de reflexão, mas nada ofusca a podridão do sistema, que se (pres)sente em cada espaço, em cada gesto, em cada palavra.
A história (nunca) é simples. Mitiya, um jovem de 15 anos, vive num apartamento com Tolik, um indivíduo com estados de lucidez erráticos (alternando a sua estadia no apartamento com estadias obrigatórias – esporádicas – num asilo psiquiátrico). A entrada de uma mulher no apartamento de Mitya – qual anjo da guarda, qual alvo do mais intenso desejo – é o início de um despertar para a maturidade precoce.
Um capítulo marcado pela loucura de todos aqueles que invadem este espaço de habitação – outrora solitário – com episódios de comportamento psicótico, de cariz alucinatório. Mitiya reúne, em si, as características de um elemento do público – tal como nós – de um espectáculo de exacerbação e exteriorização da frustração de gerações marcadas pelo trauma da desilusão crescente de um sistema de promessas de futuro de prosperidade. A inocência perde-se neste confronto entre gerações.
O mais novo – o potencial sonhador – encontra na sua (possível) neutralidade de observação o ponto para acção (o potencial perdido das mais velhas gerações). A escuridão paralisa, os anos pesam, e a jovialidade que outrora fora denotada por uma infantilidade desmedida e uma fantasia infindável é, aqui, um sinónimo de rejuvenescimento, de esperança. Uma dádiva em formato de maçã envenenada: uma oferta que, no entanto, não pode(remos) recusar.
Os tempos são outros, mas a sensação permanece. De 2020, temos uma visão: um presente de inevitável realismo obscuro, de reacção ao absurdo que ressalta intensamente a cada dia que passa. Uma chama que se construiu vagarosamente, mas que, pela abrupta compressão de um isolamento que nos encaminhou forçosamente para a perdição no interior de um núcleo de reflexão, se transformou num incêndio de emoções, de discursos, de pensamentos, de acções.
A ilusão e a magia do passado poderão não ser a solução, mas poderão preparar-nos, neste presente de tensão, para o futuro que o precede. O ridículo não está em nós: deixemos a real magia de um sonho, de uma ilusão de um futuro surgir.