Um dos momentos mais relevantes na internacionalização do cinema português aconteceu na década de 1990, quando Paulo Branco definiu como estratégia de expansão da obra de Manoel de Oliveira a participação de actores estrangeiros de relevo nos filmes do cineasta portuense: a dupla Catherine Deneuve e John Malkovich em O Convento (1995); a dupla Michell Picolli e Irena Papas em Party (1996); ou Marcello Mastroianni em Viagem ao Princípio do Mundo (1997).
A estratégia não era nova, contando-se anteriormente outras presenças estrangeiras no cinema português. No entanto, talvez exceptuando Olly Gebauer e Sig Arno em Gado Bravo (1934) de António Lopes Ribeiro e Geraldo d’El Rey em Mudar de Vida (1966) de Paulo Rocha, a generalidade dos actores estrangeiros nos filmes portugueses não eram estrelas internacionais: o russo Eliezer Kamenesky [A Revolução de Maio (1937), Pai Tirano (1941), O Pátio das Cantigas (1942)] já estava radicado em Portugal; a alemã Helga Liné [A Mantilha de Beatriz (1946), Saltimbancos (1951), O Cerro dos Enforcados (1954)] iniciou-se no cinema por cá, após concluir uma carreira circense de sucesso; a italiana Io Appolloni [Sofia e a Educação Sexual (1973), O Funeral do Patrão (1975), A Santa Aliança (1977)] chegou a Portugal através do teatro de revista, onde se tornaria muito popular.
De forma mais consequente, a “importação” de actores mediáticos começou nos anos 80, fruto sobretudo das co-produções que por essa década dominavam o panorama cinematográfico em Portugal. Aconteceria algo semelhante com vários técnicos (imagem, som, montagem), mas isso será assunto para outra crónica…
O Brasil, pela proximidade linguística mas sobretudo pelo sucesso das telenovelas depois de Gabriela (1975, emitida em Portugal em 1977), seria uma base de recrutamento importante. José Fonseca e Costa apostaria no brasileiro Lima Duarte, então o muito popular Zeca Diabo (da telenovela O Bem Amado, 1973), para interpretar o sinistro Major de Kilas, o mau da fita (1981), onde participa também uma jovem Natália do Vale ainda em início de carreira. Do Brasil chegaria ainda Fernanda Torres para protagonizar A Mulher do Próximo (1988).
Em meados dos anos 80, a novela Roque Santeiro (1985-86), escrita por por Dias Gomes e Aguinaldo Silva, seria um enorme sucesso no Brasil, detendo o título de “telenovela com a maior audiência de sempre”, e também em Portugal, onde foi exibida entre Outubro de 1987 e Agosto de 1988, popularizando o trio amoroso Sinhozinho Malta, Viúva Porcina e Roque Santeiro. Um ano depois, a estrela José Wilker estaria em Portugal a rodar Filha da Mãe (1990), a segunda longa de João Canijo, que co-assinou o argumento com Teresa Villaverde, Oliver Assayas e Paulo Tunhas.
De Espanha, Fonseca e Costa escolheria mais duas jovens em início de carreira para protagonistas: Victoria Abril (dobrada por Manuela Maria) protagonizou Sem Sombra de Pecado (1983), antes de se tornar estrela de Pedro Almodóvar; Assumpta Serna (dobrada por Paula Guedes), protagonizou Balada da Praia dos Cães (1986) no mesmo ano de Matador (1986) de Almodóvar e Lola (1986) de Bigas Luna.
Mas o estratega da internacionalização seria Paulo Branco, que por esses anos produzia projectos de Raul Ruiz [O Território (1981), Point de Fuite (1982), A Cidade dos Piratas (1983), Les Destins de Manoel (1985)], Wim Wenders (O Estado das Coisas, 1982), Alain Tanner [Dans la ville blanche (Cidade Branca, 1983) com Bruno Ganz e Une flamme dans mon coeur (Fogo no Coração, 1987)], Werner Schroeter (O Rei das Rosas, 1986) e Olivier Assayas (L’enfant de l’hiver, 1989), entre outros.
Terá sido ainda o mesmo produtor Branco a garantir a presença de Bulle Ogier em Mon Cas (O meu Caso, 1986) de Oliveira, Michael König em Ninguém Duas Vezes (1984) de Jorge Silva Melo, Anne Gautier em Três Menos Eu (1988) de João Canijo, Christian Patey e Olivier Cruveiller em Agosto (1988) de Silva Melo, Aurelle Doazan em O Processo do Rei (1989) de João Mário Grilo), e Vincent Gallo em Doc’s Kingdom (1988) de Robert Kramer, entre outros.
Outra das grandes estrelas europeias a filmar em Portugal seria Laura Morante. Depois de colaborações com Bernardo Bertolucci, Nanni Moretti, Mario Monicelli, com três realizadores portugueses: João César Monteiro (À Flor do Mar, 1986), Joaquim Pinto (Onde Bate o Sol, 1989) e Joaquim Leitão (Ao Fim da Noite, 1991). Também de Itália chegariam as desconhecidas Sabina Sacchi (dobrada por Inês de Medeiros) para filmar Recordações da Casa Amarela (1989) e Francesca Prandi para O Último Mergulho (1992), ambos de João César Monteiro.
Um dos casos curiosos é Philip Spinelli, co-realizador de Scenes from the Class Struggle in Portugal (1977), com Robert Kramer, que trabalharia como actor em À Flor do Mar (1986) e Relação Fiel e Verdadeira (1987) de Margarida Gil. Meteórica seria também a passagem de Júlia Britton, protagonista em Tempos Difíceis (1988) de João Botelho, e em Na Pele do Urso (1989) de Ann Guedes e Eduardo Guedes. Nesta última co-produção do casal Guedes, uma das presenças mais surpreendentes: Tom Waits interpreta Silva, o gerentes do teatro dos Robertos, um americano de poucas falas.