Se a simbólica intervenção da Gulbenkian entre 1969-74 no cinema português mereceu a cunhagem do termo “anos Gulbenkian”, a história do cinema português está em grande dívida em relação à RTP, a televisão pública que teve uma intervenção mais directa e significativa na produção e divulgação do cinema português. Entre 1979 e 1993, o departamento de co-produções internacionais seria determinante no apoio financeiro à produção de jovens cineastas e outros consagrados. Nesse período, a RTP tornou-se num importante co-produtor de cinema português, associando-se a dezenas de projectos ou fazendo diversas encomendas.
Fernando Lopes foi o elemento-chave de todo o processo. Depois de ser director do segundo canal da RTP entre 1978 e 1979, Lopes criou e dirigiu o Departamento de co-produções internacionais da RTP entre 1979 e 1993.
À semelhança do que acontecera durante a década de 60, a venda de aparelhos de televisão continuou a crescer durante a década, com particular incidência entre 1975-77. Apesar da transferência de consumos culturais e recreativos dos espectadores de cinema para a televisão, a programação de cinema continua a ter uma presença importante na grelha da RTP durante a década de 70, com uma emissão média diária estável, e por enquanto ainda superior à telenovela.
Como é natural, os cânones estéticos e cinéfilos também se alteram no pós-25 de Abril. Por exemplo, o mítico programa de cinema mudo Museu do Cinema de António Lopes Ribeiro desaparece da grelha (regressaria em 1982) e, em sua substituição, surge o programa Cineclube/2 (1980-81), apresentado por António-Pedro Vasconcelos, onde era transmitido cinema clássico, particularmente de produção europeia.
Vasco Granja surge na programação com programas de cinema de animação (Animação e Cinema de Animação, sendo que este duraria 16 anos), e que seria importantíssimo na divulgação do cinema de animação dos países do leste europeu.
No segundo canal, na rubrica Cinemateca, são repostos alguns clássicos mudos portugueses, como Maria do Mar (1930) ou Lisboa, Crónica Anedótica (1930), e ciclos temáticos sobre cineastas, como o dedicado a Leitão de Barros apresentado por Lauro António.
Muitas destas alterações seriam da responsabilidade da nova equipa de programação do segundo canal da televisão pública dirigida por Fernando Lopes, nomeado, em 1978, por João Soares Louro, então presidente da RTP, com o objectivo de, nas palavras do próprio Fernando Lopes, “criar essa autonomia no espírito, no corpo, na imagem e no rosto, de modo que se pudesse até competir com o primeiro canal“. Neste segundo canal da televisão pública seriam exibidos então diversos trabalhos estrangeiros que dificilmente o seriam na RTP1.
Apesar de ser acabar por ser de curta duração — em 1979, com a mudança de governo, Fernando Lopes seria afastado da direcção da RTP2 —, esta experiência de programação alternativa ficaria na memória de muitos espectadores como marcante e muitas das suas inovações permaneceriam na grelha com as direcções de programação seguintes.
Em 1979, Victor Cunha Rego, responsável pela RTP, aceita uma sugestão de Fernando Lopes e cria o Departamento de Co-produção de Cinema da RTP, entregando-lhe a sua direcção: visando já a Europa, “foi delineada a ideia de fazer um serviço público de apoio ao cinema português, de modo a que a RTP passasse a ser um elemento importante na produção cinematográfica”.
A partir de 1979, com a criação do departamento de co-produções internacionais, a RTP seria determinante no apoio financeiro à produção de jovens cineastas e outros consagrados. O seu primeiro responsável foi Fernando Lopes, que tornou a RTP num importante co-produtor de cinema português, associando-se a diversos projectos: Serenidade (1982), de Rosa Coutinho Cabral; Conversa Acabada (1982), de João Botelho; Mon Cas (1986), de Manoel de Oliveira; Relação Fiel e Verdadeira (1987), de Margarida Gil; Balada da Praia dos Cães (1987), de José Fonseca e Costa; O Desejado (1987), de Paulo Rocha; O Querido Lilás (1987), de Artur Semedo; Os emissários de Khalom (1988), de António de Macedo; Os Canibais (1988), de Manoel de Oliveira; Matar Saudades (1988), de Fernando Lopes; Agosto (1988), de Jorge Silva Melo; O Sangue (1989), de Pedro Costa; Recordações da Casa Amarela (1989), de João César Monteiro; Rosa de Areia (1989), de António Reis; O Processo do Rei (1990), de João Mário Grilo; Non ou a Vã Glória de Mandar (1990), de Manoel de Oliveira; Solo de Violino (1990), de Monique Rutler; A Maldição de Marialva (1991), de António de Macedo; A Idade Maior (1991), de Teresa Villaverde; A Divina Comédia (1991), de Manoel de Oliveira; Ao Fim da Noite (1991), de Joaquim Leitão; Os Olhos Azuis de Yonta (1992), de Flora Gomes; O Dia do Desespero (1992), de Manoel de Oliveira; Amor e Dedinhos de Pé (1992), de Luís Filipe Rocha; Vertigem (1992), de Leandro Ferreira; Chá Forte com Limão (1993), de António de Macedo; Encontros Imperfeitos (1993), de José Marecos Duarte; Zéfiro (1993), de José Álvaro Morais; A Tremonha de Cristal (1993), de António Campos; O Fio do Horizonte (1993), de Fernando Lopes; Longe Daqui (1993), de João Mário Grilo; A Caixa (1994), de Manoel de Oliveira.
Para além disso, a RTP fez várias encomendas, como a série de telefilmes “Fados”: Voltar (1988), de Joaquim Leitão; Longe (1988), de Cristina Hauser; Mar à Vista (1989), de José Nascimento; Flores Amargas (1989), de Margarida Gil; Meia-Noite (1989), de Victor Gonçalves; Jaz Morto e Arrefece (1989), de Luís Filipe Costa; O Regresso (1989), de Faria de Almeida e Pau Preto (1989), de Oliveira e Costa.
Fernando Lopes não hesitou em considerar “Fados” como um dos “projectos mais inovadores” do cinema em Portugal até então, sublinhando que na “ficção portuguesa faltam filmes que trabalhem sobre o presente”, “imagens dos nossos gostos quotidianos, situações que digam qualquer coisa ao espectador”, evitando-se que “as ficções se passassem todas numa grande cidade, de forma a tocar outros aspectos da vida portuguesa”.
Para a sala de cinema, a RTP também encomendaria a série Os Quatro Elementos: No Dia dos Meus Anos (1992), de João Botelho; Das Tripas Coração – O Fogo (1992), de Joaquim Pinto; O Último Mergulho – A Água (1992), de João César Monteiro; O Fim do Mundo – A Terra (1993), de João Mário Grilo.