A fita corre. A fita corre. Um passo – um espaço – de cada vez.

Abre-se um espaço: o corpo desprende-se do material.

As mãos. Os dedos. O vermelho. Os dedos sobre a mão. A mão sobre os dedos. O vermelho sobre a pele.
Um passo (ou um gesto quase amorfo) de cada vez.
A disrupção da mecânica do material – a fita – que representa é a introdução necessária para a entrada num universo da (inevitável) descentralização do ser – no espaço real e no espaço fílmico.

“On the one hand, this body is the centre of the world. And on the other, it is the object on the world of the other.” [R.D.Laing – The Divided Self (1960)]
A salvação do indivíduo, a (re)conquista do poder do ser, do significado do corpo está na quebra – na subversão, na manipulação – d(o limite do material d)a ilusão.
O ser pesa. O corpo pesa. A representação pesa, e desdobra-se em dois campos de concretização separada. O real e a sua projecção. Mas neste universo de dissociação, as camadas emergem, e a dualidade transforma-se em algo próximo dos limites infinitos do cálculo. Após uma, duas, três realidades, as fórmulas permanecem – e mantêm a sua função – mas a capacidade de descodificação torna-se estática (uma consequência da imaginação imaterial), perdida numa intenção de viagem pelo além do compreensível, do táctil. Um corpo interage com a sua própria projecção, a sua projecção interage com a simulação da projecção daquilo que, outrora, fora real. Perde-se o centro que nos guia, perde-se o objecto sujeito ao nosso olhar, perde-se o centro do nosso desejo. Ganha-se, no entanto, um outro – tão desejado – significado.
Sobe as escadas. Desce as escadas. Os sapatos sobem as escadas. Os sapatos descem as escadas (“que belos sapatos”). Os olhos acompanham o movimento repetido. O movimento é reflectido (“por baixo dos sapatos, não há escadas, não há chão: há projecção”). Os olhos acompanham o movimento repetido. O movimento do presente sobre o passado, o movimento da reflexão sobre o real.
A base da fórmula, embutida também na mecânica das repetições (talvez em reminiscência do material de origem), torna-se o centro da nossa procura por uma concretização, por um fio que se desenha, por um corpo que seguimos, por uma alma capt(ur)ada e um ser representado. Mas a complexidade do ser – esse nosso centro tomado por garantido, tomado por sentido – transparece através das camadas, através da projecção da projecção da projecção (do real?).
“The bottom of the sea is wounded by your shadow.
To leave security. To burn the dryness of the vagina. To pursue the harshness of power. To deprive the animal of its fight.
Words tear at the shores of my mouth. The desire of my mouth bursts at the close of its opening. Recommendations as condemnations.
I can’t progress, nor do I regress: I only step aside.
My eyes are like nuts, where all sadness is hidden. Sharp nails. A female imagination.
(…)
I hid a second key and something of a “will power” ascends. The movement of the arm reaches not only to the shore. It’s not enough to put your hand on the table. To set your feet on the stairs. And to count time in hours and desires.” (Export)

O interior permanece imaculado. A superfície invade, confunde, distrai. A introdução de camadas protege dos mais sádicos invasores do âmago da intimidade. O corpo reconquista-se, liberta-se. Mas revela algo, também:
A projecção é o (nosso) centro. O corpo que interage com o físico do espaço sobre o corpo do passado no físico do presente é a incógnita (x). O real está no limite (x → ∞). A disrupção da continuidade mecânica revela a fórmula. Mas não há solução para esta equação.
Há, talvez, uma inocente conclusão: a salvação do indivíduo, a (re)conquista do poder do ser, do significado do corpo está na quebra – na subversão, na manipulação – d(o limite do material d)a ilusão.

