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“The Disciple”: uma bela tambura interior

De Ricardo Gross · Em 17 de Novembro, 2020

Somos introduzidos no filme de Chaitanya Tamhane (n. 1987) pelo som da tambura por cima de um ecrã negro. A tambura é um dos instrumentos da música clássica indiana e aquele que fornece o suporte harmónico às ragas, improvisações instrumentais e vocais que geram uma determinada atmosfera e conduzem o ouvinte a uma resposta emocional. Para ouvidos ocidentais o som da tambura pode ser caracterizado como um bordão, ou um drone que é percepcionado pela constância da harmonia. As oscilações são mínimas e o efeito deste som tem algo de hipnótico, propiciador a que o canto se entregue como numa prece. Na constituição da tambura encontramos uma espécie de cabaça e um braço longo, com cordas mas sem trastes. Em tempos recentes passou a existir a tambura electrónica, semelhante a um transístor que é sintonizado. Esta variante é muito prática para ensaiar a sós, ou até mesmo no palco com a supressão de um ou mais instrumentistas. O aparelho electrónico sintetiza, para mim, a natureza de The Disciple (2020), de Chaitanya Tamhane, um filme que incorpora na sua linguagem narrativa cinematográfica a tradição e a contemporaneidade.

The Disciple (2020), de Chaitanya Tamhane

Tamhane coloca-nos perante a história de um indivíduo, Sharad Nerulkar, que procura constituir-se enquanto homem e enquanto continuador da música tradicional clássica indiana, e das influências e obstáculos que ele encontra na formação do seu carácter e na afirmação dos seus propósitos artísticos e espirituais. Sharad sempre fora um discípulo, primeiro do pai que o desviava das suas brincadeiras de criança com os outros rapazes, para o doutrinar nos princípios técnicos e interpretativos da música Khayal, e mais tarde do seu guru, que Sharad segue e de quem é coadjuvante nas várias apresentações musicais, e que cuida com o esmero que dedicamos a um familiar mais velho, merecedor de todo o amor e respeito. A ideia subjacente a colocarmo-nos ao serviço da arte, com o propósito de transmitir uma tradição no seu estado puro e verdadeiro, exige uma conduta devocional que colide com as solicitações e oferecimentos do mundo contemporâneo: as de índole carnal que incutem o desejo que inquieta a mente, e as que, através do propósito comercial, transformam e pervertem a tradição e a arte. Sharad é um jovem adulto deste nosso século, que vive uma existência celibatária na casa da sua avó, dedicado quase exclusivamente a assimilar conhecimentos dos mestres directos e indirectos, e que esporadicamente, apesar de toda a meditação para aquietar o cérebro, se entrega aos prazeres onanistas na frente do mesmo ecrã de computador que lhe permite aceder ao melhor conhecimento da sua música.

É no interior desta aparente contradição de querer fazer um percurso artístico e espiritual verdadeiro face às muitas solicitações do mundo que apelam à concretização dos instintos primários, que Sharad viverá a sua história, com um cada vez maior sentido crítico e na direcção de uma autonomia que porá o ponto final no seu trajecto de discípulo, e que Tamhane filma com a serena eloquência de alguém que, sem dizer uma palavra, profere um sonoro “vou para casa”. Tamhane propõe-nos um filme de matriz horizontal, um bordão filmado onde as oscilações são ligeiras e as roturas espaçadas, e que estabelece uma relação dialética com a estrutura vertical da sociedade indiana, na qual a transmissão de conhecimentos e perpetuação de práticas e valores passa de pais para filhos e de mestres para discípulos. Em contraste com estes imperativos, estão os momentos de isolamento de Sharad, quando este ensaia sozinho no terraço ao som da tambura electrónica que vemos junto dele, ou quando de auscultadores nos ouvidos passeia de moto à noite pelas ruas da cidade, num movimento que Tamhane desacelera até ao ralenti que suspende a existência do jovem discípulo, mergulhado provavelmente em dúvidas e anseios.

O filme de Chaitanya Tamhane, qual tambura que integra no seu corpo electrónico o passado tradicional e a modernidade do tempo presente, permite-se com grande sofisticação e de modo exemplar, fazer coexistir o filme biográfico com o filme etnográfico, com o filme musical, com o estudo aprofundado de personagem. Variando de tempos ficcionais numa amplitude de cerca de quatro décadas, através de uma montagem de desarmante naturalidade, usa um ocasional sentido crítico que nunca se apresenta sob uma forma determinista. Mantém assim a sua coerência de bordão harmónico em cima do qual Sharad fará a improvisação que leva à autodeterminação da sua pessoa, por entre os referentes do passado e as várias atracções do mundo que o rodeia.

The Disciple é um filme que tem muitas idades dentro de si. Espanta ao tomarmos conhecimento da idade do realizador, 33 anos, encontrar este objecto de invulgar maturidade cinematográfica e de observação madura da vida. Tamhane dá provas de grande segurança formal dentro da heterogeneidade de soluções e de materiais que o filme gera e articula, que vão de par com a abertura ao fluxo dinâmico e contraditório da vida, onde cada um de nós reitera o acto de existir, mais ou menos atento aos sons que trazemos no interior de nós, identificadores quer da harmonia quer do conflito interno, e que podem sugerir a sustentação musical proporcionada pela tambura.    

O filme terá uma segunda exibição no LEFFEST, dia 19, quinta-feira, pelas 10h, no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra.      

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Chaitanya Tamhane

Ricardo Gross

"Ken is a tormented man. It is Eiko, of course, but it is also Japan. Ken is a relic, a leftover of another age, of another country." The Yakuza (1974) de Sydney Pollack

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