Para Aaron Sorkin, um dos nomes mais reconhecíveis das últimas décadas do cinema americano, este é apenas o segundo filme como realizador, uma vez que o seu trabalho mais importante é como argumentista, em filmes como A Few Good Men (Uma Questão de Honra, 1992), The Social Network (A Rede Social, 2010), Moneyball (Moneyball – Jogada de Risco, 2011) ou Steve Jobs (2015). O seu estilo distinto de diálogos inteligentes, com trocas rápidas de one-liners memoráveis, ganhou notoriedade com o seu trabalho na televisão, em séries como The West Wing (1999-2006) e The Newsroom (2012-2014), onde além da loquacidade das suas personagens, Sorkin encontrava também espaço para uma defesa de um ideal americano romantizado, de uma capacidade de superação e pragmatismo na procura do que é justo, e por consequência, um elogio às instituições americanas como a Casa Branca ou a redacção de um jornal, como redutos derradeiros onde se procura fazer o que é correcto. Não deixa de ser interessante portanto notar que neste The Trial of the Chicago 7 (2020), o que esteja em causa seja o desmontar do funcionamento de uma outra instituição, o tribunal, num olhar cínico sobre a instrumentalização da justiça e das suas regras kafkianas, transformado aqui numa arma política da administração Nixon, numa tentativa de manutenção de uma certa ordem e ideais parados no tempo.
A primeira sequência do filme mostra fielmente a forma como o período em que decorre a acção, entre 1968 e 1970, foi um dos mais importantes e atribulados dos últimos 50 anos da história norte-americana, com uma série de acontecimentos marcantes e icónicos condensados em pouco tempo: os assassinatos de Martin Luther King Jr, Robert Kennedy, e Malcolm X; o aumento dramático do envolvimento na Guerra do Vietname e o regresso de um serviço militar obrigatório; ao mesmo tempo, nas ruas cresciam as manifestações dos movimentos das lutas pela igualdade racial e de género. Pelo meio, em 1968, enormes manifestações durante a Convenção Nacional Democrata em Chicago resultam em violentos conflitos entre os manifestantes e a polícia.
O filme conta a história de um julgamento, de sete líderes de diferentes movimentos (de movimentos estudantis, a pacifistas, a hippies, etc), que estiveram presentes nesses protestos, e que são escolhidos a dedo para servirem de exemplo. Além dos sete, um oitavo é acusado neste julgamento: Bobby Seale, um dos fundadores dos Black Panthers. Apenas presente em Chicago de passagem para participar numa conferência, a sua inclusão neste processo é um dos maiores sinais da politização e instrumentalização do tribunal. Se as diferentes burocracias exasperantes e os abusos na interpretação da lei cometidos pelo juiz indicavam isso, a presença da figura de Seale ajuda a tornar essas intenções vergonhosas mais transparentes: primeiro, negado no acesso a um advogado, depois, negados os pedidos para interpelar o tribunal e, por fim, ignorado nos seus protestos, acaba por ser amarrado e amordaçado, numa imagem tão horrível quanto representativa das acções daquele tribunal como símbolo de um sistema opressivo e retrógrado, que Sorkin não hesita em denunciar.
Sorkin lança então um elogio ao consenso, à procura de entendimento comum, tal como as suas personagens enobrecedoramente costumam fazer, na defesa de um bem comum
Mas o filme conta também outra história, história essa que parece importar a Sorkin: em 1968, a fragmentação da esquerda em diversos movimentos, com objectivos próximos mas agendas diferentes, dispersava os esforços e complicava o entendimento, algo que é habilmente retratado por Sorkin ao traçar um paralelo às diferentes estratégias de cada uma das facções em julgamento naquele processo em tribunal, e que só quando são capazes de se coordenar e encontrar um ponto de encontro, conseguem fortalecer a sua acção com uma mensagem mais forte. Fica assim também clara a importância do timing deste filme para Sorkin: em 2016, Trump ganhou o Wisconsin por 10 mil votos, enquanto Jill Stein, a nomeada do partido Verde (à esquerda dos Democratas e que beneficiou de alguma propaganda russa), teve cerca de 50 mil votos; Trump ganhou o Michigan por 22 mil votos, e o partido Verde teve cerca de 30 mil votos; e Trump ganhou Pennsylvania por 44 mil votos, enquanto o partido Verde teve cerca de 50 mil votos; no fim, a dispersão de votos acabou por custar caro a todos os ambientalistas, quer tenham votado mais ao centro ou mais à esquerda.
Sorkin lança então um elogio ao consenso, à procura de entendimento comum, tal como as suas personagens enobrecedoramente costumam fazer, na defesa de um bem comum – este é um filme político, sem qualquer dúvida, mas também um filme pouco intervencionista, no sentido em que se limita a reciclar um formato clássico (com provas dadas), sem grandes intenções de explorar novas possibilidades. Se a mensagem de Sorkin é bem intencionada, pode parecer simplista, mas Sorkin recorre a uma diversidade de personagens (com ajuda de um elenco impecável, desde Mark Rylance a Joseph Gordon-Levitt, Sacha Baron Cohen e Eddie Redmayne) para mostrar a complexidade da questão, e utiliza o humor de forma inteligente, para humanizar certas figuras e revelar o absurdo de muitas das formalidades seguidas no tribunal.
O seu maior pecado é mesmo o recurso a uma linguagem televisiva, demasiada colada a esquemas mais apropriados para um seriado, como a utilização de várias linhas narrativas em paralelo ou flashbacks para contar partes da história. Sorkin recorre a outros hábitos do passado, como certas convenções (a figura do acusador que acaba por se revelar como um aliado; o final que se anuncia várias vezes, como uma arma de Chekhov), e carregando sempre no sublinhado dos gestos grandiosos, em detrimento dos pequenos gestos que sustentavam o filme até aí (como por exemplo: toda a sequência com um cameo fantástico de Michael Keaton). Apesar de um papel pedagógico importante, ao dar a conhecer este processo, uma falta de confiança nas subtilezas do filme (e nas minudências cuidadosas do diálogo), acaba por tornar o filme mais efémero, quando, pelo assunto que aborda, merecia um tratamento que fizesse perdurar as lições desta história no tempo – mas também percebemos que estes tempos não são de subtilezas.