Die Klage der Kaiserin (1990) de Pina Bausch. Proposta de acompanhamento de leitura: György Ligeti, Ramifications For String Orchestra Or 12 Solo Strings.
Entrando pelo barco de Caronte, iniciamos o movimento de passagem por um estado de testemunho da acção daqueles que em terra ficaram.
(que público seremos nós deste espectáculo?)
Não há perdição neste domínio do limbo.
A marca da divisão entre o estar e não estar – entre o ser e não ser da equação do banal – é a demarcação da geografia dos – já de si – purificados. O reconhecimento advém da concretização da indefinição – do tempo, do espaço, do(s) indivíduo(s).
O nosso olhar segue uma unidade de corpos formada na inquietação: a comunidade da movimentação constante, da repetição do desgaste, da queda, do gesto infindável da não-concretização.
A subjectividade esporádica surge de escassos momentos de presentificação do discurso do corpo – a respiração ofegante, os passos.
As harmonias de base – que se sobrepõem à melodia do corpo -, potenciam o estado de latência que acompanha uma história sem princípio, uma acção sem fim.
Da imprevisibilidade surge uma inevitável coerência: o expectável inesperado. Uma associação livre em potência que determina a suspensão das regras para a criação de uma nova ordem: a (inquieta) suspensão.
“What the Water Gave Me” (Frida Kahlo) “Ophelia” (John Everett Millais)
Entrando no universo do intermédio, iniciamos o movimento de observação daqueles que sobre – e com a – terra cria(ra)m.
(que personagens seremos nós neste espectáculo?)
Não há paragem neste domínio da vida.
A dança surge da coloquial extensão da carne – a matéria viva – daqueles que (ainda) vibram. Relações (aparentemente) distópicas, de contrastes permanentes, que nos levam desde o repudio – fruto da incansável procura pela estabilidade – até uma eventual elevação do acto de estar – ser, existir – em conflito com a formalidade do cumprimento de exigências de agências desconhecidas.
O nosso pensamento segue as disrupções da forma, que denunciam, em si, as incoerências da coesão.
O molde do resultado do choque entre o sólido e o líquido, entre o rígido e o fluido, entre o divino e o quotidiano é a base para a expansão dos limites.
Os comportamentos erráticos oferecem-nos a espontaneidade de um mundo sem fronteiras, de uma história de serenidade de possibilidades de batalha.
Da dor surge o êxtase: o sistema de disrupção procurado. A resolução ecoa por um ecrã que implora pela extensão da ficção.
Entrando pelos gestos – pelos rostos, pelas mãos – de Bausch, navegando pelas suas águas – pela chuva, pelas lágrimas – iniciamos o movimento de passagem por um universo que catalisa o desassossego dos inquietos e o transforma num rio de disforme bonança.
(que indivíduos seremos nós neste mundo?)
Não há resolução para a efervescência daqueles que (ainda) se movem.