Tal como partilhei há alguns meses, e das imperativas visualizações caseiras a que a pandemia me tem forçado, a descoberta de vários títulos de produção mexicana tem-se constituído experiência de inesperado fascínio e de firme constatação dos méritos de uma cinematografia que, para lá dos filmes rodados por Luis Buñuel aquando da sua estadia na Cidade do México, carece de urgente resgate público.

Nessa circunstância – e, é importante dizê-lo, tenho dependido imenso do acaso na escolha de filmes para ver –, o nome de Juan Bustillo Oro é, pessoalmente, o de um cineasta que importa sublinhar, sendo Dos Monjes (1934), entre as 60 obras que assinou, o exemplo maior do seu talento. Entre o “drama de costumes” e o terror psicológico de consciência religiosa, Dos Monjes exibe uma concretização técnica que não só ofusca o melodrama passional do seu argumento, como revela a total desconstrução das muitas e evidentes inspirações estéticas do seu realizador.
Juan Bustillo Oro consagra a paixão, a enfermidade, o ciúme e a loucura do protagonista por intermédio da mise-en-scène de uma criatividade quase “criminosa”
A “trama” é simples, na raia do lírico e digna do Romantismo literário do Século XIX: um monge, após atacar outro residente do mosteiro gótico onde vive em penitente existência, confessa os motivos e as amarguras (que nos são relatados em flashback) que motivaram aquele acto. Não obstante, e nessa “humilde” narrativa, Juan Bustillo Oro consagra a paixão, a enfermidade, o ciúme e a loucura do protagonista por intermédio da mise-en-scène de uma criatividade quase “criminosa”, plena de planos “impossíveis”, e através de uma engenhosa direcção de fotografia (por Agustín Jiménez, fotógrafo proeminente da sua cena avant-garde contemporânea) que demonstra um atento estudo ao cinema expressionista alemão da década de 1920.

No entanto, nada em Dos Monjes soa a pastiche. Aliás, esta proficuidade técnica compele-nos para a subjectiva definição de “obra à frente do seu tempo”, a qual, a espaços, antecipa em décadas os mecanismos narrativos de Akira Kurosawa ou as obsessões visuais de Luis Buñuel (apesar da “ousadia” de tal afirmação, aparentemente não estou só nessa opinião). A mesma sequência central do filme é exibida por duas vezes, com ligeiras diferenças, e consoante a perspectiva em foco, de cenografia, enquadramento, diálogos – algo que remete, claro, para Rashômon (Às Portas do Inferno, 1950) – ou, até, no estilo e na tingidura do próprio guarda-roupa dos seus intervenientes.
Dada a singularidade de Dos monjes, poderíamos falar em “Expressionismo Mexicano”? Embora os livros de cinema versem, amiúde, sobre a denominada Época de Ouro do cinema do México (situada, normalmente, de 1930 a 1969), essa historiografia denota-se maioritariamente centrada em vedetas, títulos e contextos sócio-económicos. Mas, do ponto de vista formal, não faltam aqui as sombras, a direcção artística, os planos expressionistas, em suma, a inteira obscuridade da imagem, em chiaroscuso, que almeja difundir o que os nossos olhos não discernem imediatamente, para se enunciar a definição de tal corrente artística.

Com Dos Monjes, o valor estético da filmografia mexicana poderá, finalmente, ser recuperado. O seu restauro fílmico e lançamento comercial, pela Criterion no âmbito do Martin Scorsese’s World Cinema Project, será passo decisivo para esse processo, assim como em prol da “celebração” de Juan Bustillo Oro, cineasta que, talvez inadvertidamente, encetou numa criação regular de imagens inéditas para o seu tempo. Bastará observar outro título seu – El hombre sin rostro (1950) – e constatar, no seio de um noir carregado de melodramático, serial killers, psicanálise, complexos de Édipo mal resolvidos e fulgurantes sequências oníricas, toda uma gama de mecanismos narrativos que em muito invejariam Alfred Hitchcock…