Um jovem rapaz sobe, carregado, uma estrada em ziguezague. Luz natural oblíqua, lentes longas. Talvez uma bela imagem naturalista, mas discreta e casuística comparada com as glórias estéticas da história do cinema, não? Isto não é a estrada de tijolos amarelos do The Wizard of Oz (Feiticeiro de Oz, 1939), da MGM, por exemplo. Nem é este monte algo sublime ou alpino.
O cineasta, o iraniano Abbas Kiarostami, usava a expressão “pobre por fora mas rico por dentro” e talvez isso seja o que aqui temos. Aquilo que o nosso olhar alcança é mundano e descomplicado, mas a narrativa fílmica e a evolução da imagem é algo completamente distinto. Kiarostami trabalhou em publicidade e design gráfico, portanto ter-se-á sentido atraído por estas naturais ocorrências gráficas de trilhos. No entanto, esta não é uma ocorrência natural, ele ordenou que se traçasse aquele caminho e – presumivelmente – que se plantassem aqueles dez buchos brancos.
A intervenção paisagística não se deu para este filme, Zire darakhatan zeyton (Através das Oliveiras, 1994). Ela foi inicialmente feita para o primeiro filme da trilogia, que termina com Através das Oliveiras. O primeiro filme – Khane-ye doust kodjast? (Onde Fica a Casa do Meu Amigo?, 1987) – era sobre uma rapaz em busca do seu amigo. No decorrer dessa busca, ele sobe esta encosta. Na vida real, depois da rodagem desse filme ter terminado, um terrível tremor de terra abalou aquela localidade – a aldeia de Koker, no Irão. Kiarostami regressou a essa terra e filmou lá um segundo filme – Zendegi va digar hich (E a Vida Continua, 1992) – sobre a sua busca pelo rapaz do primeiro filme. Começou como uma jornada para encontrar as crianças, mas mudou de direcção, e passou a ser sobre o amor. Especificamente, Kiarostami percebeu que, mesmo na sequência do terramoto, a vida e o amor continuavam. As cortes amorosas continuavam a acontecer. De facto, um rapaz da zona, que interpretava um pequeno papel no segundo filme, apaixonou-se por uma actriz. E aí, numa extraordinária segunda mudança de direcção, o realizador fez um terceiro filme, sobre a feitura do segundo; especificamente, sobre o rapaz que se apaixona. Sempre brincalhão, sempre em ziguezague, Kiarostami escolheu esse rapaz para se interpretar a si próprio.
Portanto, esta imagem simples e natural não é nem simples, nem natural. É uma espécie de materialização gráfica da “trilogia de Koker” e, mais ainda, na sua perspectiva plana com aquela árvore solitária, prefigura o posterior interesse de Kiarostami pelo cinema japonês, a sua estética e o seu minimalismo.
No dia seguinte à morte precoce de Kiarostami, dirigi-me a uma encosta lamacenta perto de onde vivo, na Escócia, e cavei uma estrada em ziguezague em sua homenagem. Se alguma vez passarem pela Escócia, venham ter comigo, podemos lá ir juntos e voltar a cavar aquele caminho. Que esse trilho seja sobre algo diferente, uma nova mudança de direcção na vossa vida, ou na minha.
Plantemos cerejeiras nessa encosta.
Cineasta, autor do monumental The Story of Film: An Odyssey (A História do Cinema: Uma Odisseia, 2011).
Tradução: Ricardo Vieira Lisboa