Lady Lazarus (1991) de Sandra Lahire
Num estado de fúria tempestuosa pela incerteza das palavras, num momento marcado pela falta de clareza de intenções e propósitos, um filme (não) deu respostas. Assumiu-se a (im)precisão. Num estado de dúvida, num momento marcado pelo fracasso, parte-se assim para o universo que ultrapassa o individual: encontra-se a beleza na (frágil) eternidade da poesia.
Um estado que não pertence nem ao reino da vida, nem ao reino da morte, circulando pelos interstícios entre o fantasmagórico e o real.
Evoquemos o espírito perdido num movimento que desliza entre letras sem significado, numa busca pela materialização de uma voz. Das letras, expande-se o plano da atenção ao (temível) copo, à (monstruosa) mão, ao (delicado) braço, à (terna) face, ao (gentil) cabelo, ao (presente) corpo. Presentifica-se um agente de actividade movida pelas intenções do desconhecido.
Lancemos, então, esta voz pelo gesto do cinema. Escutemos os movimentos que moldam o gesto do retrato.
O elemento que nos conduz neste caminho é – e será sempre, aqui – a palavra. Um eco da perpétua activação dos sentidos, num fluxo constante de imagens – de acções, de manequins, de fotografias, de circos, de mulher(es). Um estado que não pertence nem ao reino da vida, nem ao reino da morte, circulando pelos interstícios entre o fantasmagórico e o real. Numa sobreposição cuidada das reverberações da significação, temporalidades e especialidades são esquecidas na criação de uma matéria palpável: a terrível e harmoniosa dor sem fim.
Limites (calculadamente in)alcançáveis de representação. Emulação pelo desejo de alcance do outro. Reflexos de um ser que na vastidão da compreensão é evocado para uma presença – não sua, mas – fílmica. Uma expansão inevitável da complexidade da singularidade. Um jogo de luz e sombra, de enaltecimento da multiplicidade de superfícies que criam – e são habitadas por – um corpo (invisível). Um presente de passados, um passado de presentes: velas que não se apagam (nunca, mesmo) após o suspiro final.
Quebre-se o expectável. Abra-se o universo de rupturas (im)possíveis.
Celebre-se o eterno: sinta-se o retorno à ode da poesia.