Em 1930, Leitão de Barros realiza Maria do Mar, um dos mais expressionistas documentários ficcionados sobre a vida dos pescadores da Nazaré. A partir de 1934, na imagética de propaganda cultural e política da ditadura do Estado Novo, ao pescador coube um papel preponderante na tipificação do povo português. Divididos entre camponeses e pescadores, o povo era caracterizado na dicotomia entre a tradição simbólica da terra e o espírito conquistador do mar.

A “política do espírito” que o escritor e jornalista António Ferro delineou e foi posta em prática pelo Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), a partir de 1934, deu particular relevo ao poder da imagem, entendendo que “mais do que a leitura, mais do que a música, a imagem penetra, insinua-se, sem quase se dar por isso, na alma do homem.” (Política do Espírito – Teatro e Cinema, Lisboa. SNI. 1950)
Por esta razão, a consistente e abundante política editorial do SPN contemplou o foto-livro de forma privilegiada, para divulgar o país e as concretizações do Estado Novo.
É o caso da edição da obra Images Portugaises, editada em 1940, certamente no quadro das Comemorações do Duplo Centenário, obra destinada ao público estrangeiro, ilustrada com um conjunto vasto de imagens, e nas quais se destaca uma fotografia de cena do filme Maria do Mar, de Leitão de Barros.
A fotografia de cena em causa, da autoria do foto-repórter Ferreira da Cunha, apresenta o ator Oliveira Martins na personagem do pescador nazareno Manuel, num set exterior do filme, enquadrado pelos barcos típicos, publicada com a legenda: “L’Homme de la Mer: Pêcheur de Nazareth”(O Homem do Mar: Pescador da Nazaré).
A estetização da política que o Estado Novo partilhou com todos os outros regimes ditatoriais e totalitários coevos, tem neste exemplo uma das suas mais vigorosas manifestações. A Nazaré seria um dos cenários privilegiados para a exaltação marítima dos portugueses, condensando todos os estereótipos que convinham à narrativa identitária, que se poderiam resumir no binómio drama e resiliência.

A estética expressionista cinematográfica de Leitão de Barros agradava a António Ferro que, deste modo, a incorporou no ideário cultural da Ditadura, continuando a ser, em décadas mais tardias, um referencial imagético cristalizado e recorrente.
A fotografia de cena que serve para (re)apresentar o típico pescador português, evocava a ancestralidade marítima portuguesa, mas configurava-a através de um dos mais relevantes atores portugueses da época, na sua pose galã e hollywoodesca, construindo assim outra ficção para lá da ficção original que a imagem representa, a dos tipos populares como estrutura simbólica e mental da portugalidade.
Emília Tavares
Curadora de fotografia e novos media no MNAC, investigadora e professora