This film is not about you; it’s about its maker.
A diversidade temática e formal patente na filmografia de James Benning (pela qual, fica o leitor de sobreaviso, nutro imensa afeição) tem originado, no curso de cinco décadas, surpreendentes propostas no seio do cinema experimental norte-americano. A análise sociocultural dos Estados Unidos da América – sobretudo, em American Dreams: Lost and Found (1984) –, o confronto entre natureza e industrialização – como são exemplos a California Trilogy (2000 – 2001) ou a visão melancólica da ferrovia em RR (2007) –, a homenagem a artistas plásticos – como Andy Warhol, em Twenty Cigarettes (2011) – ou a própria gramática da gestão do tempo cinematográfico enquanto matéria-prima para um realizador – veja-se o “eloquente” One Way Boogie Woogie (1977) – revelam-se os principais argumentos de um autor que busca, frequentemente, a (re)invenção da sua obra e dos tópicos que perscruta.
Estas acepções confluem na totalidade em Grand Opera: An Historical Romance (1978), um dos primeiros títulos que cimentaram o nome e o trabalho de James Benning. Em quase hora e meia de metragem, observamos um genuíno “objecto sensorial não identificado”, subordinado à memória pessoal e colectiva, à eterna dualidade entre o campo e a cidade, à Sétima Arte enquanto motor relevante para a identidade e história norte-americanas (a justaposição, a dado momento, entre uma bandeira com o logótipo da Kodak e a Star-Spangled Banner é particularmente espirituosa) e ao “mecanicismo”, seja dissonante ou síncrono – como patenteado num irónico discurso, proferido com o ecrã a negro, sobre a relação técnica de som e imagem –, do próprio cinema.
Em quase hora e meia de metragem, observamos um genuíno “objecto sensorial não identificado”, subordinado à memória pessoal e colectiva, à eterna dualidade entre o campo e a cidade, à Sétima Arte enquanto motor relevante para a identidade e história norte-americanas
Grand Opera: An Historical Romance, numa assumida execução experimental, formula estes predicados através de vinhetas que salientam a austeridade da arquitectura e engenharia urbanas, paisagens naturais que não aparentam pertencer a qualquer cenário geográfico específico, breves alusões aos realizadores Hollis Frampton, George Landow, Michael Snow ou Yvonne Rainer, e uma singular “afeição fílmica” pelos mistérios da constante matemática do número Pi.
O encadeamento destas imagens no filme, num exercício de suposto “caos controlado”, é puro estímulo para a capacidade de associação livre do seu observador. Todavia, mesmo que essa “dialéctica” temática não cative, James Benning é transmissor de uma absoluta experiência de fruição estética.
Rodado em 16 mm, Grand Opera: An Historical Romance sublinha toda a maleabilidade daquele formato: o modo como a luz se impressiona na película, a imensidão de detalhe e contraste que o suporte consegue “aprisionar” e as suas potencialidades na mesa de montagem, garantem não só uma percepção visual do cinema experimental da década de 1970, como a abordagem estilística do seu autor aos métodos analógicos do cinema – e, em comentário pessoal, é uma pena que Benning, há quase 20 anos, tenha abandonado a película em prol do filme digital…
Grand Opera: An Historical Romance é exibido esta Quarta-feira, às 19h no Grande Auditório da Culturgest, numa sessão que assinala a estreia, no nosso país, do restauro digital do filme, levado a cabo pelo Museu Austríaco do Cinema em colaboração com James Benning, a partir das suas matrizes analógicas originais: uma ocasião ideal para a (re)descoberta do filme.