Approach/Withdraw (2016): Colaboração entre Juliet Jacques e Ker Wallwork. Narração: Rebecca Root
O inicial afastamento decorre da (passiva) caminhada pela – imponente e rígida – estrutura de (constante) tentativa de apagamento hegemónico do designado “outro”, num ramo de princípio não-normativo. No lugar do sujeito, a aproximação, não só essencial, é passível de alcance com o gesto de encontro com (e da assunção d)o todo: o esculpir de um molde, através de um processo activo de escuta, de observação, de mergulho num oceano de narrativas, de olhares, de experiências. Passos nem sempre claros, nem sempre certos, mas cujo princípio é – e deverá ser sempre – de acção directa de desmantelamento de um sistema de imposição de apagamento e de linearidades de um expectável que não corresponde à realidade – sempre presente – do ser: o acto de existência num infindável percurso de (auto-) descoberta.
A materialidade da forma cinematográfica é alvo de incessante tratamento, escavação: estrutura de representação com uma capacidade inerente de desobstrução da pressuposta rigidez incutida às expectativas de um objecto da ordem do palpável. No imaginário da fluidez incorporada, lança-se o mote para um escape singular, de expectativas delineadas (construídas pela repetição das designadas – e confortáveis – fórmulas), mas (felizmente) nem sempre encontradas. A noção de narrativa delimita o caminho, sendo por vezes um elemento que espoleta, igualmente, o extravasar das linhas do concreto, lançando um mote para a (tão desejada) imersão.
O material aqui (no) presente remete-nos para uma noção de relíquia: uma estética de acentuado reconhecimento e elevada utilização no contexto contemporâneo, com base na recuperação – e valorização – de elementos remetidos para um passado de pressuposto idealizado. A beleza do cru, da aceitação da súbita fuga do controlo da firmeza da captura do plano, que nos remete para a subjectividade natural – fluida, com todos os seus filtros – do olhar sobre o real.
A narrativa aqui (no) presente remete-nos para uma noção de não-pertença: uma história que parte de um objecto – a bula – de fisicalidade e significação congelada: a perpetuação massificada na impressão de um texto que persiste em não reconhecer todes e quaisquer potenciais métodos de utilização. Um papel que, não (com)provando a existência da voz que (sabemos que, mesmo assim) nos guia(rá), espelha anos, décadas, séculos de normatização de um sistema – com base num artificial irrealista eurocêntrico de tons religiosos do – binário.
A química aqui (no) presente remete-nos para uma noção do orgânico: a delimitação de fronteiras por placas de petri que carregam, no seu espaço, um líquido de características infinitas aglomeradas num todo que percepcionamos na unidade. Rasgos de folha dourada permeiam a superfície, movimentando-se num ritmo indefinido, graças a um impulso de deslizamento incontrolável, irredutível.
A voz materializa-se, por momentos, numa camada visível, expondo-se numa superfície imperceptível até então: as palavras escritas por ume narradore inclassificável e indefinide, que nos expõe, mais uma vez, às definições científicas inerentes aos corpos que habitamos. Uma bula da ordem de um real: um rim “confused as fuck / neither-nor”, um rim com um strap-on.
Dissolve-se a clareza de visibilidade na imposição de um bloqueio visual. O movimento permanece, mas só o conseguimos detectar através das – subtis mas imponentes – rupturas.
O regresso à voz é também um regresso à linearidade das estruturas: uma exposição da rigidez edificada. Elementos de significação cerrada, de ideologias e crenças que assentam no bloqueio, na perpetuação de dicotomias falaciosas do ser.
Ao nível da sonoridade narrativa temos o acompanhamento de um elemento de ambiência – digno de um estado de transe – com reminiscências do reino aquático: um aproximar do natural não-binário de midshipman fish, que nos aproxima de uma realidade aparentemente distante. A ligação do humano ao natural, à raiz, à base é cultivada num percurso meditativo pelas profundezas. Um elemento que se torna quase ensurdecedor, num mergulho por uma escala arritmicamente pontuada, num gesto que quebra com todos os moldes, esculturas, edifícios à superfície. A interligação absoluta entre o plano do natural animal, do artificial químico e da presença narrativa pessoal é um culminar de pistas sobre a necessidade de combinação de elementos, de escuta e observação activa de ambientes, de indivíduos, de características, e de abolição da rigidez estrutural que insiste em dominar no conforto da sua fragilidade.
O último passo é o queimar da forma do visível: (um)a ruptura necessária para (ainda mais um)a abertura do reino da representação. Uma história pessoal e colectiva – do descongelar de expectativas normativas, de deconstrução activa da idealização do edificado, de desmantelamento de um status quo, de disrupção através do (i)material – sem fim.