Esta é apenas uma fracção da minha colecção de cinema para ver em casa, que se foi alargando ao longo dos anos sem dó nem piedade da minha carteira. De cada vez que digo “não volto a comprar nenhum DVD ou Blu-ray”, surge logo uma pechincha para a minha cinefilia brejeira lamber os beiços imaginários, levando-me para o caminho da perdição em forma de rodelas de plástico cheias de bits audiovisuais. Enfim, antes isso que a droga – o que será sempre uma boa desculpa para qualquer compra excessiva de bens culturais.

Mostrar a minha colecção em mais detalhe constituiria uma tarefa hercúlea: são centenas de filmes empilhados num armário, e uma boa parte não se encontra visível. É por isso que a minha “dinâmica de coleccionador” passe por colocar os filmes que ainda não vi a uma distância mais curta das minhas mãos. Mas se me apetecer rever alguma coisa, o processo será algo semelhante a uma sequência de acção de Missão Impossível: tirar uns DVDs, segurar nos de cima para não caírem, e procurar demoradamente onde raio é que coloquei este ou aquele filme. Procuro não gastar muito dinheiro com DVDs, mas nesta era de diminuição da sua procura, tenho conseguido adquirir muitos e bons títulos ao preço da chuva.
À data em que escrevo estas linhas, ainda não tive oportunidade de ver uma boa parte dos filmes presentes na imagem. Alguns deles são mais conhecidos, ou até podem passar regularmente na televisão, ou já estiveram no streaming, ou até são fáceis de arranjar pelos territórios da pirataria. Mas, ao contrário de todos esses milhentos meios que hoje temos à disposição para ver cinema (ou, nas palavras de muita gente da minha geração, “consumir conteúdos”), estes discos não desaparecem sem deixar rasto.
Há muitos grandes filmes para ver em tempo limitado, e infelizmente não posso passar a vida só agarrado ao ecrã. Numa coisa o Abrunhosa tem razão: É preciso ter calma.
É comum, nas Netflixes da vida, que alguns filmes estejam disponíveis por tempo limitado, ou por causa da duração das licenças de transmissão ou porque, simplesmente, não foram muito procurados pelos subscritores. Neste campo, é triste constatar, por exemplo, que a trilogia de O Padrinho, por muito popular que seja, não tenha resistido muito tempo na versão portuguesa da mais célebre plataforma de streaming – sempre muito pobre no que ao cinema diz respeito. Mas a minha caixa com os três tomos da saga em blu-ray continua aqui. E mesmo que haja um Criterion Channel, que tem de facto uma curadoria excepcional, há um grave problema: aí (e ao contrário da marca de Ted Sarandos), há muitos grandes filmes para ver em tempo limitado, e infelizmente não posso passar a vida só agarrado ao ecrã. Numa coisa o Abrunhosa tem razão: É preciso ter calma.
A urgência do debate à volta do formato físico prende-se exactamente aí: na disponibilidade de certos filmes e na oportunidade de os ver mais tarde, distantes do online e das limitações de catálogo das plataformas. E o físico também continua a ser a única maneira de dar a conhecer a obra de muitos cineastas que não têm espaço no streaming ou nos canais de cabo, e cujos torrents vão ficando perdidos nos confins da web por falta de seeds. É por isso que vale a pena continuar a apoiar o home video, se bem que pautado por edições cada vez mais raras e, consequentemente, dispendiosas. Mas em muitas delas, com uma curadoria sem precedentes, encontramos autênticas aulas de História do cinema. Espero que o nicho dos DVDs, dos Blu-rays e dos 4K’s não morra muito cedo: nessas colecções reside uma parte da preservação do cinema e da cinefilia.
Há também razões de ordem afectiva: desde sempre que me habituei a filmes em suporte físico, primeiro em VHS e, hoje, em DVD e Blu-ray. Gosto de ver as capas, de descobrir obras que, se não passasse pelas lojas online ou as que resistem a vender material em segunda mão, nunca ficaria a conhecer, proporcionando uma experiência mais próxima dos filmes. É claro que, por causa desta mecânica emocional, já fiz escolhas erradas e bradei aos céus pelo regresso dos tostões que gastei neste ou naquele filme. Mas no fim de contas, e mesmo que esta colecção ocupe espaço e paciência (levando-me muitas vezes, e felizmente sem sucesso, a considerar livrar-me dela), gosto mesmo dela.

Com isto tudo lembrei-me desta magnífica caixa da Arrow, com os cinco filmes que os irmãos Marx fizeram para a Paramount. Já os tinha em DVD, mas a qualidade dos restauros motivou o upgrade, bem como a quantidade de extras deliciosos: um livro com textos que aprofundam cada um dos filmes e o humor dos irmãos, documentários, comentários áudio e outras guloseimas. É uma caixa que pede o seu tempo para ser degustada, e que bom é, ainda, poder apreciar óptimos filmes da maneira mais gulosa, com tudo a que temos direito.
Rui Alves de Sousa, humorista, crítico de cinema na Take Cinema Magazine, podcaster nos programas À Beira do Abismo (do qual também tem um blog homónimo) e Escolhe Tu!.
Participou antes da rubrica Caderneta de Cromos e escreveu sobre os Irmãos Marx para o dossier Na Presença dos Palhaços.
Texto escrito em resposta ao nosso apelo em defesa dos suportes físicos, publicado no dia 19 de Novembro de 2020 e assinado pelos editores do À pala de Walsh.