Partiu em dezembro de 2019, aos 61 anos. Deixou uma filha, Inês Gonçalves, a quem ele tanto procurou em Longe (2016), média-metragem de José Oliveira no qual brilhou. José Lopes era um anjo que deu o azar de perseguir um caminho dentro da máxima dignidade de um artista, num mundo em que os que se vendem ou se rendem chegam muito mais longe. Por algum mistério do cosmos, lembrei muito dele nos últimos dias. Mais do que normalmente se pode lembrar de alguém querido. Gosto de pensar que ele está bem, em algum lugar pacífico e esteja se comunicando de alguma forma com todos que o amaram, por meio dos filmes em que atuou, ou da sabedoria que generosamente espalhou para quem quisesse ouvir.

Conheci José Lopes na primeira vez que fui a Portugal, em 2014. Queria conhecer a Cinemateca Portuguesa, em Lisboa. Fui encontrar o Luis Miguel Oliveira, e também o José Oliveira, que eu conhecia de blog e encontrei no dia anterior. Este último me apresentou ao José Lopes, enquanto tomávamos um chope ali no terraço da Cinemateca. José Lopes nem me conhecia e me tratou como se eu fosse um velho amigo. Disse que ali no bar trabalhavam duas brasileiras (ou eram donas, não me lembro bem), e no final passou a recolher os copos das mesas para ajudá-las no serviço. Fiquei impressionado com a erudição e a sabedoria, e no princípio um pouco tenso por não me sentir à altura de ser seu interlocutor e também pelo esforço de entender o português de Portugal, com suas sílabas comidas e a poesia na construção das frases. Mas José Lopes sempre deixava quem quer que estivesse com ele muito à vontade, e no final do encontro eu já imaginava que nascia ali uma forte amizade.
José Lopes nem me conhecia e me tratou como se eu fosse um velho amigo. (…) Fiquei impressionado com a erudição e a sabedoria, e no princípio um pouco tenso por não me sentir à altura de ser seu interlocutor
Nos encontramos novamente alguns meses depois, quando fui aos Encontros Cinematográficos do Fundão, em 2015, e lá estava ele, com a mesma paz e a mesma generosidade da outra vez. Nesses encontros, formámos uma dupla invencível no pebolim (em Portugal, matraquilhos). Mas já me confundo, pois isso aconteceu no ano seguinte, pois a essa altura já não conseguia passar um ano sem visitar meus amigos portugueses. De todo modo, encontrei José Lopes no Fundão em todos os Encontros de 2015 a 2018.
Voltando a 2015, um momento me marcou verdadeiramente. Do Fundão eu tinha ido ao Porto, depois a outras cidades europeias. Não sabia que iria de novo, então aproveitei essa viagem. Na última parada, em Lisboa, Marta Ramos, José Oliveira, Mário Fernandes e Bruno Ramos fizeram um jantar em minha homenagem. José Lopes chegou de surpresa e ficou extremamente emocionado com o encontro. Leu o caderno onde tinha anotado seu encontro com Andrea Tonacci e Cristina Amaral e sensibilizou a todos com sua poética literária.
Depois, me acompanhou por uma caminhada de quase uma hora até o hotel onde eu estava, por uma madrugada deliciosa de Lisboa. E foi uma conversa inacreditável de tão boa, com tantos ensinamentos e tanta amizade demonstrada de lado a lado. Passei a torcer para que ele aparecesse de algum modo nos encontros da turma. Cheguei a mandar algumas mensagens pelo celular, mas ele não lidava bem com a tecnologia.
Entre agosto de 2017 e junho de 2018, passei um tempo no país de José Lopes. Cheguei a oferecer um jantar em troca de algumas palavras dele para meu doutorado. A entrevista foi boa, mas senti que ele estava estranho naquele dia muito frio (acho que era em março). Perguntei se havia algum problema, e ele nada disse. Desconversou. Provavelmente não queria me deixar preocupado.
Nessa minha estada em Portugal, fui ao seu aniversário, quando bebemos muitos vinhos e comemos deliciosas pataniscas na Mouraria. E o encontrava de vez em quando, seja na Casa dos Amigos do Minho, seja na Cinemateca, ou no café do São Jorge. Sua partida foi dolorosa. Pessoas como ele não deveriam partir.