Observando a direcção geral da (des)ordenação de ensaios, pensamentos e caracteres neste espaço de partilha do virtual, clara será a intenção de insistência no acto – acima de tudo sincero, mas muitas vezes imaturo – de questionamento sobre noções de representação, identidade e corporalidade. A repetição vocabular resulta da fragilidade da escrita; a repetição conceptual surge no lugar de enfático e genuíno interesse – e necessidade – de incorporação, reconhecimento e avaliação das inúmeras possibilidades – esquecidas, perdidas, silenciadas – do terreno da disrupção das fórmulas estabelecidas. O reforço de um novo estado que germina dos solos do passado.
O terreno de que nos ocupamos – ou que nos ocupa – neste (outro) passo é o de Maria Klonaris e Katerina Thomadaki. Uma breve – e natural – escavação pela arqueologia de sentidos desbravada por esta dupla que se dedicou à (res)significação do cinema do corpo. O seu retrato poderá partir do labirinto*: um caminho fluido de confronto com as barreiras impostas pelas dicotomias sistémicas.
Neste filme de duas partes, uma câmara, dois corpos, seis gestos, o humano dialoga com o objecto. O indivíduo transmuta no jogo com a plasticidade dos adereços e o corpo inscreve-se – lentamente – numa nova ordem da linguagem: na ausência da palavra, no controlo da imagem, na sedução, no desprazer, na (des)mistificação, na (des)ordem. Maria e Katerina concretizam-se num ritual de intimidade invisível, nos intervalos do equilíbrio inquantificável, onde encontramos a chave para a não-resolução: uma descoberta sensorial da potência do olhar que (nos) vê e que (nos) olha de volta.
Os moldes multiplicam-se no seu percurso de escavação por uma nova cosmonogia: um exercício arqueológico activo de enaltecimento de um novo ideal. Mitologias de quebra da fantasia, de denúncia do aparato, de exposição do dispositivo, de veneração do (real) humano – esquecido, perdido, silenciado mas – desejado.
Uma constelação de anjos** surge pelo caminho. Aqui, seguiremos aquele que nos chegou***.
Novas camadas surgem, nesse contacto com as texturas que delimitam um outro que sai do campo do reconhecível. Um ser múltiplo, um mar de rostos, uma alma irredutível, um espelho em contra-luz: um perfil de justa crueza no surrealismo da existência. A matriz de fuga, de escape, de quebra traduz-se numa câmara inquieta, curiosa, encantada. Vozes e instrumentos improvisados do cânone inexistente embalam as sonoridades de uma natureza voraz. A narrativa surge do fluxo de ideias expressas na (des)ordem da filosofia do natural.
Cria-se um contra-espectáculo de pinturas sobrepostas, um espalhar de pigmentos pelo campo da plena assumpção da impossibilidade de definição, com a afirmação de um corpo que se exprime, que se cumpre, que se transcende em palavras, em poses, em gestos, em partilha, em arte, em vida. Um perfil de glorificação do possível, no vulnerável: uma promessa cumprida em imagem, uma conquista feita em movimento.
Um universo expandível, mais um texto – em fuga e – sem conclusão.
* Double Labyrinthe (1976)
** Angel Cycle (1994)
*** The Amazonian Angel (1992)