Um sopro da revelação da mentira rasga o primeiro impacto de entrada nas linhas que se seguem. Num (mal)dito (de)feito de (talvez bem óbvia) referência a Boris Vian, com alusões (talvez já não tão óbvias) a Leo Brouwer, inverte-se o sentido estabelecido: não há um dia, não há Novembro, mas sim um tempo em terreno de ar primaveril.
Mas existe um sentido no engano, uma realidade possível nesse título de tímida fraude facilmente desmascarada. Um jogo de percepção e de expectativas resultante de – ou encaminhado por – extrapolações (sub)conscientes de ligações afectivas e cruzamentos harmoniosos com a experiência do pessoal e a história de um universal.
Há algo de delicioso numa câmara que se sente inquieta, com movimentos pontuados por uma curiosidade inocente.
Uma guitarra surge e, com um entrelaçar de notas não relacionadas com as previamente mencionadas (nesse jeito de teimoso engano), espoleta uma viagem por uma memória (bem presente) de um caminho melódico que, de certa forma, parece resumir (um)a estrutura fílmica [e(de vida)]. Variações de suave tristeza, de tenra alegria, de beleza persistente, que gentilmente se olham e se tocam, numa ternura de consolo mútuo, humilde e sincero. Aparentes paradoxos e aparentes inconsistências que, no plano (da fantasia) do real, são inseparáveis.
Aqui assumimos e navegamos por estas verdades incontornáveis.
O tempo ressalta pelo corpo que se propõe à rotina. Um apego ao estado de um outrora presente, e de um agora refúgio impraticável. A solidão, que dita os passos do homem, está consolidada e é (re)forçada por um espaço, um tempo, um núcleo, uma comunidade, uma pessoa que, em si – já não existe e – já não pertence.
A salvação advém somente do delírio, que se torna indissociável do estado de realidade. Moldes de transformação de um ser em estátua, que se criam na negação da vida (que foi, que é), na negação da morte (que se deseja, que se aproxima). Num ciclo de aproximação e distância, de repúdio e desejo, de luto e amor, de escassez e abundância, de nascimento e destruição, seguimos um trajecto desenhado pelas marés improváveis da estagnação implacável.
Mas
Há algo de delicioso numa câmara que se sente inquieta, com movimentos pontuados por uma curiosidade inocente.
Há algo de maravilhoso na confusão da circularidade e na atenta imobilidade.
Há algo de sublime no retrato delicado para com as formas, para com os objectos, para com as ambiências, para com os os rostos, para com os histórias, para com as vidas.
Há algo no gesto fílmico de loucura controlada de Yuri Ilyenko que satisfaz, como uma fonte ideal de cinema, uma sede que (talvez todos) partilhamos. Há algo que vai para além das formas da construção e que surge como a respiração que pontua – em jeito de conflito amigável entre a necessidade e a vontade – o exercício do prazer.