Os balanços de ano são sempre pessoais. Não tem jeito. O grande acontecimento do meu balanço de 2021, como já ficou claro em outra crónica, foi ter iniciado um relacionamento com Carla Oliveira, minha alma gêmea. E um dos reflexos desse relacionamento foi ter entrado, finalmente e por influência dela, para o Letterboxd.
Para quem não conhece, é uma rede social para computação de filmes vistos, com a atividade lúdica das cotações (de meia a 5 estrelas) e os comentários eventuais de quem queira comentar alguma coisa sobre o que viu. Sabemos que redes sociais podem ser bem ou mal usadas. Tudo bem que usar mal é quase uma regra, mas podemos usar bem, usar de modo mentalmente saudável. É isso que importa.
Há ainda um outro viés, que me interessa ainda mais: a ideia de organização.
Claro que da mesma maneira que muitas pessoas mascaram suas personalidades no Facebook e no Instagram e revelam o pior delas no Twitter, há também um número razoável delas que faz politicagem, finge conhecer mais do que conhece, provoca brigas e desmantelamento de reputações via Letterboxd. É o ser humano se revelando mesquinho mais uma vez. Mas é possível falar de flores.
Vejo um novo filme, checo os ratings no Letterboxd e tenho a impressão de estar diante de um grande quadro de cotações, um “conseil de dix” elevado à décima potência. Tenho a possibilidade até de, a um só clique, checar também o que alguns usuários escreveram sobre o filme. Tem comentários de todos os tipos. Os irônicos de duas linhas, as críticas mais embasadas, os poemas, haikais, citações de diálogos, comparações das mais esdrúxulas às mais estimulantes, enfim, todo um manancial de pensamento, em gotas ou a granel, sobre o cinema que tem sido visto por quem lá passa.
Fácil entender o potencial destrutivo da coisa. Há muitos textos ruins, por vezes escritos em internetês – essa língua que por vezes se parece com português (ou inglês), mas é feia que dói. Mas, sinceramente, há mais textos ruins (e donos da verdade) no Facebook. E é possível também entender um viés educativo no Letterboxd, na forma como textos antigos são resgatados, por vezes traduzidos, em perfis de críticos ou publicações históricas: Not Cahiers du Cinéma, Not Jairo Ferreira, tem até um Not Revista Paisà, com artigos de minha finada revista (falta um Not Robin Wood, mas qualquer dia deve aparecer). Os Nots indicam que os perfis não são oficiais dos críticos ou veículos que representam. O mundo dos Nots é talvez o mais interessante das redes sociais.
Há ainda um outro viés, que me interessa ainda mais: a ideia de organização. Quando vejo gente fazendo listas de filmes vistos pela primeira vez em um determinado ano, digamos, 2021, penso sempre que é uma lista pessoal demais para interessar a mais alguém, o que me inibe de fazer a minha. Mas, principalmente, seria uma lista impossível de se estabelecer porque eu não saberia dizer se um filme foi visto por mim em fevereiro de 2021 ou em novembro de 2020, a não ser que tenha sido visto em algum evento especial, alguma mostra e tal. E aí a oficialidade dominaria a lista, não seria uma lista de filmes vistos pela primeira vez por mim em 2021, mas uma lista de filmes com exibição pública em 2021 (definir se é a primeira ou não é outra história, também complicada).
Com o diário do Letterboxd, esse problema se encerra. Melhor: o próprio Letterboxd me entrega uma retrospectiva do ano, que eu posso transformar em material de pensamento ou não, posso compartilhar ou não, posso usar cientificamente ou não.
Na primeira crónica de 2022, posso parecer otimista demais apostando em uma rede social, mesmo que dedicada ao cinema. Contudo, é fácil perceber que não se trata de otimismo, mas de querer aproveitar o melhor que a rede pode me proporcionar, ignorando todas as coisas ruins que poderiam me atingir. Convenhamos, no Letterboxd, é mais fácil fazer isso do que em qualquer outra rede.