Buzok (Lilac, 2017) de Kateryna Gornostai
O devorar do orgânico inicia o percurso pelo campo do natural, de mãos dadas com a certeza da singularidade dos passos que o atravessam. Histórias de ramos robustos que, nas extremidades em formato pétala, procuram um sentido, uma orientação: um sentido de clareza, uma vontade de salvação; o encontro da – e com a – identidade cis feminina, na sua multiplicidade de expressão, pelo gesto do diálogo.
N(o paradoxo de)um círculo de cinco extremidades (de nomes Ira, Alina, Katya, Sasha e Agatha), surge um clima de abraço da tranquilidade, de um à vontade com poucos precedentes no toque exímio e simples sobre as tensões de corpos em constante potencial, de desejos e de repressões assumidas. Partilhas que, mesmo se por vezes levemente tingidas pela repetição de certos paradigmas de bloqueio e repressão (nesses traços vincados de replicação do cistema imposto e vivido no dia-a-dia), se desenham como brechas para um retrato da imensidão da sensibilidade no feminino.
Por um lado, questões do foro da sexualidade são trazidas para cima de uma mesa tendencialmente despida das típicas ambiguidades (dos infelizes rodeios) dessa obrigatoriedade do desligar da factual diversidade das realidades de experiência humana. Uma câmara curiosa e atenta circula pelos pormenores dos mais diferentes campos de um espectro não-linear e sem limites.
Aqui não se irá caminhar por rodeios: no floreado de tons lilases, temos um olhar urgente sobre o cancro de mama.
Por outro lado, somos confrontados com o peso carregado pelo individual que se depara com a abismal realização da fragilidade – e da falta de possibilidade de controlo – sobre certos aspectos tomados como garantidos da integridade física. Um alerta para o incomensurável ruído interior (de um enorme impacto visceral), que estremece e domina o movimento e o pensamento ao mais ínfimo detalhe celular, que bloqueia – mas não transparece.
Aqui, no entanto, não se irá caminhar por rodeios (como até agora se tem sugerido pela – já típica – abordagem sobre o imediato sensorial fílmico): neste campo de comunhão no floreado de tons lilases, temos um olhar urgente sobre o cancro de mama. Uma possibilidade de diagnóstico e um pormenor determinante no desenvolvimento narrativo – e emocional – de uma curta-metragem que, na sua extraordinária honestidade, com a sua clara intenção (desprovida de ornamentos) de retrato ficcional de ligações genuínas, nos aproxima da (para muitos, felizmente, distante) assoladora notícia da possibilidade de doença.
No terreno do sonho de quem mergulha nesse vazio das incertezas, temos um registo a que poucas vezes acedemos: o toque, em grupo, de prevenção. Mãos que suavemente se movimentam nas extremidades de peles que se unem com o toque da mais elevada importância: do auxílio na procura de irregularidades – essas montanhas vertiginosas que esperamos nunca ter (de sentir). A incapacidade de expressão verbal, de pedido de acompanhamento na dor interior de quem sente a (óbvia) efemeridade da existência limita-se, por vezes, à vontade de manutenção do equilíbrio que surge da distância. Um grito mudo que dominará a psique por tempos indeterminados, que ditará um período de transição para a aceitação do luto daquele que outrora foi, e dos novos modos de ser (e de estar) que, assim, se impõem.
Urge, no entanto, exaltar uma aproximação para com todes (e para com os nossos corpos, nos seus mais particulares moldes). Se entramos numa sala, numa cozinha, num espaço comum onde as individualidades se cruzam na exposição – mesmo que na discordância – de pormenores naturais do âmbito sensorial, temos também um tratado fílmico dos não-ditos sobre a necessidade de elevar, ainda mais, o nosso processo de escuta. Um factor essencial de atenção não só para com os outros, mas também – e acima de tudo – para com o próprio.
Ingerimos, gradualmente, cada pétala que nos é servida, nesses tons de dor do nevoeiro que, na sua proximidade, poderão ser uma fonte de vida.