Body Double é uma rubrica do À pala de Walsh que transforma o artista convidado num programador (também) ao serviço das suas imagens. No âmbito desta rubrica, cada realizador ou artista escolhe uma obra sua e “programa” (virtualmente) um outro filme para a emparelhar. Num pequeno texto, dá pistas sobre a ligação entre os dois “corpos”.
Quaresma (2003) de José Álvaro Morais, à esquerda, e A Savana e a Montanha (?) de Paulo Carneiro (filme em montagem), à direita.
“Contactei com a obra de José Álvaro Morais pela primeira vez há mais de 10 anos. Ouvia contar algumas histórias sobre rodagens e processos de finalização dos seus filmes por pessoas com quem fui trabalhando ao longo desta década. Dessa forma fui vendo e repetindo cada vez mais os seus filmes, que apresentam uma riqueza de intimidade e lirismo de mestre. Por culpa disso, e da ligação à terra / ao território, presente nos planos-sequência, que quase sempre metem veículos, neste caso particular em Quaresma (2003), fixei-os! Acho que sempre que penso em movimento, natureza, meio de locomoção, penso no José Álvaro e no Quaresma. Não sei se é legítimo olhar para um grande do cinema português e duplicar-me com ele, mas posso decerto afirmar que toda a sua obra me diz muito e que mesmo que ‘toque’ neste filme para falar dele, estarei sempre a lembrar-me do Zéfiro (1994) a reboque pelas planícies do sul, dos travellings do Tejo por uma Lisboa de marinheiros, das grandes eólicas atravessadas na planície em bicicleta, do rasgar da Serra numa pick-up ou, finalmente, do Marcello que corre atrasado para o ferry-boat, num dos mais belos travellings de todo o cinema português (no chão gravadas as marcas das sucessivas tentativas). Acho que ao Zé Álvaro (desculpem-me, mas a minha afinidade cinéfila talvez permita) quero-o na ‘minha família’, porque nele encontro também o Rocha, que talvez seja depois um filho de outro Alguém que muito bem sabemos.”
Paulo Carneiro, realizador