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“Mar Infinito”: um mergulho no ‘sci-fi’ português

De Ricardo Vieira Lisboa · Em 30 de Maio, 2022

A produção de cinema em Portugal é, e sempre foi, limitada. Ao longo dos quase 125 anos que passaram desde as primeiras imagens em movimento filmadas neste território, produziram-se em Portugal tantas longas-metragens como em apenas dois ou três anos na década de 1950 nos Estados Unidos da América, no Japão ou na Índia. São poucos filmes, e, sendo poucos, são também pouco diversos. Não sendo possível montar uma indústria, várias políticas de gosto e outras tantas pretensões escolásticas procuraram uniformizar o cinema que aqui se foi fazendo em torno de um estilo ou de um conjunto limitado de preocupações e abordagens. E isso é tanto mais evidente quando se percebe o exíguo número de filmes de género (policiais, comédias, musicais, filmes de terror ou de ficção científica) que aqui se filmaram. E destes, aquele que menos representação tem no panorama do cinema português talvez seja o sci-fi, pelos altos custos de produção que lhe costumam estar associados. Contam-se pelos dedos (das mãos e, eventualmente, dos pés) as longas-metragens portuguesas de ficção científica – sendo que estas contabilizações são sempre incertas, dada a natureza irregular e mutante de muitas das interpretações nacionais deste género.

Mar Infinito (2021) de Carlos Amaral

Há, naturalmente, o caso extra-ordinário de António de Macedo, em particular no que respeita à sua produção “esotérica” dos anos 1980. Há, de modo diferente, o caso de Luís Galvão Teles que, tendo vindo a experimentar os vários géneros ao longo dos anos, por duas vezes se aproximou do sci-fi com o muito orwelliano A Confederação (1977) e, mais recentemente, com Gelo (2015). Já António Ferreira aproximou-se do género através de adaptações literárias, ora pegando em José Saramago para fazer Embargo (2010), ora lançando-se à prosa de Rosa Lobato Faria para realizar Pedro e Inês (2018). Em pleno século XXI – e com muitos efeitos CGI – encontram-se os filmes mais recentes de Gabriel Abrantes, as curtas ​​Freud und Friends (2015), Humores Artificiais (2016) e The Hunchback (2016), e a sua primeira longa-metragem, Diamantino (2018). Convém não esquecer algumas das incursões aventurosas do cinema dito “comercial” português dos últimos anos, com títulos como Contraluz (2010, de Fernando Fragata) e RPG (2013, de Tino Navarro).

A estes títulos é possível juntar outros que aparecem na produção nacional como estrelas cadentes, ora porque resultam da vontade singular do realizador, ora porque ficaram submergidos pelas insuficiências da distribuição de cinema em Portugal (quando não se deram ambas as situações). Penso, em primeiro lugar, num filme que nunca vi, Um S Marginal (1983), de José Sá Caetano, que Eduardo Prado Coelho descreveu como objeto estético não identificado – “[os seus filmes] não se enquadram numa tradição explícita do cinema português e também não se referem a nenhum outro campo artístico privilegiado” – e que, segundo a sinopse, se passa num “futuro próximo” em que uma crise ecológica altera significativamente a vida em Portugal. Depois, há Atlântida: Do Outro Lado do Espelho (1989), de Daniel Del Negro, filme esquivo (como num conto de Borges) de volta e reviravoltas metafísicas (e meta-cinematográficas) que João Bénard da Costa chamou “eventualmente, a mais radical aposta no fantástico de que me recordo no cinema português.” 

Já no século XXI há Aparelho Voador de Baixa Altitude (2003), de Solveig Nordlund, uma adaptação/interpretação do conto homónimo de J. G. Ballard, que Luís Miguel Oliveira descreveu como “a mais conseguida incursão na f-c feita pelo cinema português”, onde se imagina um futuro em que todas as crianças nascem mutantes e o país está tomado por um estado fascista e eugénico que “eutansia” todos aqueles que são diferentes. E, de forma inesperada, A Última Vez que Vi Macau (2012), de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, que surge na sequência das suas experimentações paulatinas dos vários géneros do cinema clássico (melodrama, filme de guerra, aventuras, noir, musical), com conspirações, organizações secretas, máquinas que transformam pessoas em animais e um pouco de tudo, num “pós-documentário” sobre o território de Macau.

E a estes podem ainda juntar-se os filmes “portugueses” de Ossang ou Raúl Ruiz que enveredaram por equivalentes territórios fantásticos e algumas das criações de Edgar Pêra, em particular este último, Caminhos Magnéticos (2019), baseado em Branquinho da Fonseca, situado num “futuro distópico” (não tão distópico assim) em que a extrema direita venceu as eleições e implementou um novo estado fascista, ou essa deliciosa curta-metragem, Reproduta Interdita (1990), onde o realizador aproveitava os escombros dos ardidos Armazéns do Chiado para inventar um fim do mundo com mutações “kontagyosas”. Aliás, será provavelmente com base nesse pequeno filme (e nesse intuito) que um dos diretores de fotografia desse pequeno filme, Pedro M. Ruivo, desenvolveria aquela que é o mais declarada incursão no sci-fi do cinema português: A Força do Atrito (1993).

O que é evidente é que nas duas últimas décadas o número de filmes de género, em particular os de ficção científica, aumentaram significativamente. O que resulta da redução dos custos de produção que os meios digitais possibilitaram, mas também de uma componente cinéfila, referencial e até paródica que passou a estar presente (e o mesmo acontece com outros géneros clássicos, como o western, o noir ou o musical). É neste encalço que chego a Mar Infinito (2021), primeira longa-metragem de Carlos Amaral enquanto realizador, depois de vários anos a trabalhar como técnico de efeitos visuais e a realizar algumas curtas-metragem – sendo a pós-apocalítica Longe do Éden (2013) aquela que melhor antecipa este novo filme.

Em modo sci-fi, este é o retrato da primeira geração de portugueses que se sente abandonada pelo “progresso”; para a qual já não há uma terra prometida ou um lugar soalheiro à sua espera.

Talvez a introdução seja demasiado longa para o filme de Amaral que, na sua competência técnica irrepreensível e inaudita (quase todos os filmes citados preferem sugerir do que mostrar – porque não tinham essa possibilidade – enquanto que aqui o domínio das ferramentas de CGI, Computer Generated Images, fazem de Mar Infinito um filme que concretiza visualmente a ideia de futuro que propõe), não consegue ser muito mais do que uma demonstração de virtuosismo estendida para uma hora e vinte minutos de duração. De certo modo, a minha leitura do filme de Carlos Amaral não anda muito longe da de João Bénard da Costa sobre o filme de Daniel Del Negro – com o qual discordo no que respeita a esse filme – onde este aponta as “falhas” ao argumento e à escrita dos diálogos, elogiando a “descontrução visual” daquele que se tornaria, durante os anos 1990 (quando Bénard viu o filme), um dos mais promissores diretores de fotografia do cinema português. 

Também em Mar Infinito as grandes “falhas” encontram-se ao nível do argumento, tanto de um ponto de vista narrativo (há uma mera ideia de história que Amaral alarga de forma artificial, recheando-a progressivamente de encontros avulsos e momentos de espera – de facto o filme é sobre a espera, mas vê-lo é também um lenta espera pelo seu término) como na escrita dos diálogos (com tendência para o metafísico, encontrando-se frases tão monumentais como “a época do individualismo acabou”, “o universo não foi feito para nós”, “não quero ser invisível / eu vejo-te”). De facto há aqui muito pouco além de uma estética futurista com tendência para o ralenti e a câmara subaquática.

Ainda assim, há alguns aspetos que são bastante interessantes no modo como a partir deles é possível sentir as ressonâncias entre os poucos filmes sci-fi portugueses, em particular, a relação com os lugares. Aparelho Voador inventava o futuro a partir de planos apertados do edifício brutalista da Culturgest e aproveitava as torres decrépitas e incompletas da praia de Troia pouco antes destas serem demolidas. Atlântida levava-nos os Cais do Sodré e ao Mercado da Ribeira com um olhar renovado, perturbado, labiríntico (Bénard escreveu, a esse propósito, que “Não é dos menores dois méritos deste filme, ter dado a ver Lisboa sob esse prisma, introduzindo-nos a uma visão expressionista da cidade” – e não é pois, mero acaso, que Atlântida seja um dos filmes mais citados por Manuel Mozos no seu Lisboa no Cinema, Um Ponto de Vista [1994]). Também A Última Vez e A Confederação são filmes fortemente ancorados num tempo e num lugar, usando esse peso (da âncora) como paradoxal libertação para a ficção científica – acabando por ser, claramente, comentários sobre o presente. E A Força do Atrito descobria na paisagem industrial dos arredores de Lisboa (em particular daquilo que viria a ser terraplanado na zona oriente da cidade, para a Expo98) e nas pedreiras abandonadas no Alentejo o contexto para um Mad Max à portuguesa. Pois bem, Mar Infinito filma a cidade do Porto e a costa de Leça da Palmeira com uma surpreendente “ancoragem transformadora”. Como já o havia feito em Longe do Éden, aqui o Porto de Leixões e a refinaria da Petrogal surgem como panos de fundo distópicos – retro-futuristas: estética que o filme sublinha com o design informático utilizado – quando não mesmo decadentes, como materialização do conjunto de esperanças que se desfizeram no ar.

Essa simultaneidade (uma fixação ao local que o encara como ponto de partida para o futuro) na relação com a cidade é o que de mais estimulante há no filme de Carlos Amaral. O realizador dá ver uma outra cidade a partir desta mesma cidade (com apenas alguns retoques digitais). Daí que ver Mar Infinito tenha também uma dimensão lúdica, qual jogo de quem-é-quem, onde o vencedor é aquele que consegue reconhecer o maior número de locais onde se filmou cada cena e como com apenas alguns elementos foi possível transfigurar substancialmente esses espaços (sem nunca os tornar irreconhecíveis). Essa tensão entre potência ficcional e reconhecimento histórico-geográfico é, arrisco a dizê-lo, um traço próprio do cinema de ficção científica realizado em Portugal, e Mar Infinito é um exemplo particularmente claro dessa especificidade territorial. A este respeito importa salientar o modo curioso como Amaral descobriu nos lodaçais da Ria de Aveiro um planeta distante e nefasto à vida, o mesmo “cenário” do desenlace terrível de A Caça (1964), de Manoel de Oliveira.

Mas, de forma mais lata, talvez aquilo que seja mais significativo em Mar Infinito seja o modo como esta abordagem ao sci-fi se apresenta, afinal, como alegoria para o mal-estar de uma geração. O que o aproxima, por um lado, de Atlântida – onde também há a questão do “mar infinito” como o descreve repetitivamente o antigo bacalhoeiro –, outro filme onde um conjunto de jovens vivia ardentemente o desejo/obrigação de insularidade, de (auto-)exclusão e do abandono; e por outro lado, de A Força do Atrito, outro filme construído em torno de uma viagem que poderá ou não acontecer (e poderá ou não “salvar” o protagonista) que é uma declarada metáfora para o despovoamento do interior e a movida para a “costa litoral e urbana”. Mar Infinito aprofunda esse mal-estar geracional, focando-se exclusivamente na história daqueles que foram deixados para trás (pela migração espacial) e que aprenderam a lidar com isso (não necessariamente de forma conformada – veja-se o penúltimo plano do filme como a recusa última disso mesmo). Em modo sci-fi, este é o retrato da primeira geração de portugueses que se sente abandonada pelo “progresso”; para a qual já não há uma terra prometida ou um lugar soalheiro à sua espera. Nuno Nolasco e Maria Leite compõem as duas faces do rosto dessa desilusão. Independentemente das suas qualidades, Mar Infinito ficará como sintoma futurista deste desassossego presente.

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Ricardo Vieira Lisboa

O cinema é um milagre e como diz João César Monteiro às longas pernas de Alexandra Lencastre em Conserva Acabada (1999), "Levanta-te e caminha!"

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